quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Santayana sobre o Irã e a Síria: “ATRÁS DA EUROPA, OS EUA”


                               Tio Sam toma petróleo na veia

“O portal ‘Conversa Afiada’ reproduz texto de Mauro Santayana no ‘Jornal do Brasil Online’:

NOVO MOVIMENTO NA ESCALADA DA GUERRA

Por Mauro Santayana

“A Primeira Guerra Mundial foi um trágico e desnecessário conflito” – assim se abre o excelente estudo do historiador britânico John Keegan sobre aquele confronto. Todas as guerras são uma só e permanente, iniciada não se sabe quando. Os raros períodos de paz têm sido os das tréguas impostas pela exaustão.

Em 1922, desmobilizado depois da derrota de seu país, o cabo Adolfo Hitler conclamaria a Alemanha à desforra: “não é possível que dois milhões de alemães tenham sido mortos em vão. Não podemos perdoar, nós queremos vingança”.

O confronto de 1914-1918 teve sua origem em outra guerra ocorrida quatro décadas antes, entre a França e a Alemanha. Como a mentira e a provocação são sempre instrumentos do poder, a guerra de 1870 fora provocada pela jogada de Bismarck, falsificando um telegrama que narrava encontro entre o embaixador da França, Conde Benedetti, e o rei Guilherme I, no balneário de Bad Ems. A conversa ocorrera em termos corteses, com o soberano alemão se negando a aceitar uma reivindicação da França. Bismarck mudou os termos do telegrama, afirmando que o embaixador e o rei se haviam insultado mutuamente, chegando quase aos bofetões. Divulgado o texto fraudado, a opinião pública dos dois países exigiu a guerra – e a França caiu na armadilha, declarando-a em primeiro lugar, em julho de 1870.

A Alemanha, em pouco tempo, levou suas tropas a Paris. Bismarck se apossou logo da Alsácia e da Lorena, com a desculpa de que necessitava proteger-se no futuro contra o inimigo vencido. Lord Salisbury, depois primeiro ministro da Inglaterra, fez o alerta contra tal pretensão, em artigo publicado no calor dos fatos, em outubro de 1870, na famosa ‘Quarterly Review’. Escreveu o estadista que “as outras nações da Europa são levadas a deduzir que devem temer mais a intoxicação de uma Alemanha triunfante, do que uma França diante da violência e da Revolução. Uma Alemanha pacífica é apenas conversa de diplomatas. Nada existe na História para justificar semelhante situação”.

Dia virá – diz Salisbury em outra passagem – no qual os sonhos ambiciosos da Alemanha virão chocar-se, em seu caminho, com um povo suficientemente forte para por os seus ressentimentos à prova. Esse dia será, para a França, o da restituição e o da revanche”.

Por duas vezes, em 1918 e em 1945, a Alemanha pagou pelas suas ambições. Na Primeira Guerra Mundial, a aliança entre a França e a Inglaterra, com a contribuição norte-americana, levou-a ao chão. Os sentimentos de revanche, capitalizados por Hitler, conduziram-na novamente ao desvario. Dessa segunda vez, não obstante a brava resistência da Grã Bretanha e a ação interna dos patriotas dos países ocupados, o povo mais forte foi o da União Soviética. Quem derrotou a Alemanha foi o Exército Vermelho, a partir da heróica reviravolta de Stalingrado, até sua chegada a Berlim.

A Europa atual, em lugar de ter aprendido com o passado, parece ter perdido de vez a lucidez. Não há mais Salisbury, Disraeli, ou Churchill, entre os ingleses, mas pigmeus, como David Cameron e seus antecessores imediatos. No resto da Europa, o cenário é o mesmo. Incapazes de governar, posto que desprovidos de inteligência política, os simulacros de governantes entregam o poder aos banqueiros e a consultores empresariais. Como comediantes, lêem discursos que correspondem aos interesses dos reais donos do poder, e se reúnem com seus pares, fazendo de conta que lideram: não passam de meros delegados dos grandes banqueiros.

Ao mesmo tempo, cresce, na França e na Inglaterra, mas também na Itália e na Espanha, a tendência a retomar, assimilar e assumir o espírito germânico de conquista e domínio, tão bem identificado por Salisbury há 140 anos. É assim que podemos ver a mobilização acelerada de Paris e Londres, sob o patrocínio norte-americano, contra o Irã e a Síria. Não é a violação dos direitos humanos, que eles mesmos desrespeitam em seus países, a movê-los – mas a hipótese, cada vez mais provável, de que as manifestações de inconformismo dentro de suas próprias fronteiras passem do protesto à revolução.

A deplorável e estranha invasão da embaixada britânica em Teerã, não era de interesse de Ahmadinejad. O governo inutilmente pediu desculpas e prometeu punir os responsáveis – mas isso não bastou. O tom irado e belicoso subiu nas chancelarias da Europa Ocidental. Repete-se a mesma história: a fim de obter a coesão interna, diante da insatisfação crescente de seus povos contra o neoliberalismo, apela-se para o falso patriotismo e a xenofobia. A guerra de agressão pode ser o passo seguinte.

É nesse cenário que vemos a alteração geopolítica do mapa mundial, com suas perspectivas e prováveis consequências. Os grandes países emergentes – China, Rússia (que reemerge) Brasil e Índia – deixaram claro que não admitem a intervenção na Síria, nem no Irã, fora dos mandamentos da Carta das Nações Unidas. Os russos mantêm uma base militar no porto sírio de Tartus – equipada com foguetes de defesa aérea de alta eficiência – e naves militares bem equipadas para uma guerra no Mediterrâneo. Os chineses têm também navios de guerra patrulhando aquele grande mar interior.

Os norte-americanos, em sua velha insensatez, parecem desafiar Moscou, ao anunciar que deixarão de cumprir certas cláusulas do ‘Tratado das Forças Militares na Europa’, no que se refere à Rússia. Esse tratado reduzia a presença de exércitos e armas convencionais no Continente, e o aviso prévio e recíproco entre Washington e Moscou de seu deslocamento militar na região. O tratado foi cumprido rigorosamente pelos russos, que fizeram recuar grande parte de suas tropas para além dos Urais.

Um ataque à Síria exigiria neutralizar o poder russo na base de Tartus, e é quase certo que haveria retaliação. Por outro lado, o Irã está muito perto da Rússia, e uma ação da OTAN naquele país ameaçaria diretamente a segurança de Moscou.

Essa razão levou os BRICS a aconselhar negociações com o governo de Teerã, em busca da paz na região, e a condenar qualquer iniciativa que viole os princípios da Carta das Nações Unidas. Um desses princípios é o da autodeterminação dos povos. O entendimento desses países, no encontro de Moscou, revela uma entente bem clara entre a China, a Rússia e a Índia, no espaço eurasiático, com todo o seu poderio militar (incluídos os arsenais atômicos), ao lado do Irã e da Síria.

A declaração oficial da diplomacia russa sobre a ameaça à Síria não poderia ter sido mais explícita, quando afirma que “a situação dos direitos humanos em um ou em outro país pode ser, evidentemente, objeto de preocupação internacional, mas em nenhum caso se pode admitir que questões de direitos humanos sejam usadas como pretexto para qualquer tipo de intervenção nos assuntos internos de estados soberanos, como se vê hoje, no caso da Síria. Cabe aos sírios decidir sobre o próprio destino, sem qualquer ‘empurrão’ vindo do exterior. A Rússia de modo algum aceita cenário que inclua a intervenção militar na Síria”.

Por detrás da Europa, há a ação permanente dos Estados Unidos, a proteger Israel e a instigar Londres e Paris à agressão, na esperança de, como das outras vezes, impor sua “paz” ao mundo. Uma paz que, em 1945, lhes trouxe o controle das matérias primas mundiais, entre elas, o petróleo, e a cômoda situação de únicos emitentes de moeda no planeta.

Estamos à margem de um conflito que, se ocorrer, será tão trágico, ou mais trágico, do que os outros. Enfim, a paz sempre depende da vontade de que haja paz para todos – com equidade e justiça.”

FONTE: texto do jornalista Mauro Santayana publicado no ‘Jornal do Brasil Online’ e transcrito no portal “Conversa Afiada”  (http://www.conversaafiada.com.br/politica/2011/12/02/santayana-sobre-o-ira-e-a-siria-atras-da-europa-os-eua/).

5 comentários:

Probus disse...

09/12/2011: O urso alfineta a águia. O dragão sorri

M K Bhadrakumar, Asia Times Online

http://www.atimes.com/atimes/Central_Asia/ML10Ag01.html

Traduzido pela Vila Vudu

A partir de uma observação aparentemente imotivada na 2ª-feira, os EUA elevaram as eleições parlamentares russas de 5/12 passado ao status de questão central das relações EUA-Rússia. A dramática escalada retórica põe abaixo as sempre repetidas sugestões do governo de Barack Obama, de um “reset” nas relações.

Num movimento discreto, Pequim cuidou de manifestar sua compreensão a Moscou. As intersecções desses movimentos terão impacto em vários aspectos da situação regional e internacional no próximo governo.

Para recapitular: quando a secretária de Estado dos EUA Hillary Clinton comentou o resultado das eleições parlamentares russas, ainda durante a Conferência Bonn II na Alemanha, na 2ª-feira, visava diretamente ao Kremlin; disse que estava “preocupada” com aquelas eleições e que o “povo russo, como todos os povos, merece ter a voz ouvida e os votos contados”.

Clinton falou antes, até, de serem divulgados os resultados oficiais. Em vastas porções da Rússia os resultados só chegaram na 4ª-feira. As urnas mostraram que o partido governante, Rússia Unida [ing. United Rússia (UR)] sofrera duro revés, tendo perdido 77 assentos, nos 450 do Parlamento; ficou limitado a uma maioria simples de 238 votos.

Mas Clinton falou como se o Kremlin tivesse orquestrado uma vitória ao estilo dos soviéticos, de 98% dos votos –, quando a mídia ocidental interpretava o resultado na direção exatamente oposta, como grande “derrota” do primeiro-ministro Vladimir Putin (já candidato à presidência nas eleições de 4 de março). Para Clinton, o Kremlin teria calado a voz do povo, para perpetuar-se no poder.

Estranhamente, Clinton não só nada fez para fazer esquecer aqueles comentários como, até, repetiu-os no dia seguinte, em mais uma fustigada contra os líderes russos, bem ali à porta de entrada da Rússia – em Vilnius, Lituânia –, na presença de toda a comunidade dos estados pós-soviéticos e da Velha e Nova Europa. Clinton ter escolhido como sua plateia a Organização da Segurança e Cooperação da Europa [ing. Organization of Security and Cooperation in Europe (OSCE)] foi movimento muito claramente simbólico, porque esse corpo regional é herdeiro dos famosos Acordos de Helsinki de1975, legado da Guerra Fria.

O que teria provocado o ataque dos EUA? Explicação simples poderia ser que Clinton aproveitou a chance para jogar lama contra Putin, para tornar sua eleição à presidência da Rússia, dia 4 de março, o mais difícil e controversa possível.

Uma primavera em pleno inverno

Verdade é que há várias indicações, nas últimas semanas, de que Washington está incomodada com a alta probabilidade de Putin voltar à presidência da Rússia, no atual período formativo da política mundial. Putin significa uma Rússia assertiva – Rússia que negocia com firmeza para influenciar eventos mundiais, Rússia que cimentará a cooperação com a China, Rússia que fatalmente se oporá ao projeto, crucial para os EUA, de um novo Oriente Médio sob renovada hegemonia dos EUA, em novas condições de “democracia”.

Probus disse...

O Ministro das Relações Exteriores da Rússia ridicularizou, sem lhe dar destaque, o comentário de Clinton. Até que, afinal, se ouviu a reação de Moscou, quando Putin falou, na 4ª-feira, depois de dar tempo para que a secretária de Estado dos EUA dissesse tudo que lhe ocorresse dizer. Putin bombardeou Clinton. Disse ele:

Observei a primeira reação de nossos colegas dos EUA. A secretária de Estado pôs-se imediatamente a avaliar as eleições. Disse que foram injustas e manipuladas, antes até de receber informações dos observadores de instituições democráticas e de direitos humanos que acompanharam as eleições em nosso país. A secretária falou diretamente a alguns personagens que já estão na Rússia. Enviou-lhes um sinal. E eles, lá, com o apoio do Departamento de Estado dos EUA, puseram-se a trabalhar ativamente.[1]

E não parou aí. Putin disse também que “centenas de milhões” em dinheiro estrangeiro foi usado para influenciar o resultado das eleições na Rússia. E que, nessas circunstâncias, a Rússia tem de proteger sua soberania:

Quanto se vê dinheiro de fora usado para promover atividades políticas noutro país... Todos nós temos um problema. Essa tipo de ação agride todos nós. Consideramos bem-vindos todos os observadores estrangeiros que desejem acompanhar o processo eleitoral na Rússia. Mas se começam a tentar influenciar o resultado, aparelhando organizações dentro da Rússia, que se apresentam como organizações locais, mas recebem dinheiro de fora... Não se pode aceitar. Teremos de encontrar meios para aprimorar nossas leis, de modo a fazer com que estados estrangeiros que visem a influenciar nossa política doméstica possam ser acusados e devidamente julgados pelos crimes que pratiquem.

É resposta muito forte. E há aí quatro pontos a observar: (1) É uma rara acusação direta, pessoal, contra a secretária de Estado (acusada de incitar a opinião pública russa, interessada em desestabilizar o país). (2) Putin circunscreveu o Departamento de Estado, como célula específica, dentro do governo Barack Obama; e acusou-o de operar segundo agenda específica. (3) Putin sugeriu, muito claramente, que os EUA não escaparam à vigilância da inteligência russa, que sabe de seus passos no país. E (4) afirmou bem claramente que haverá mudanças.

Clinton não pode reclamar de Putin tê-la atacado pessoalmente. A campanha que o Departamento de Estado moveu contra Putin assumiu tom extremamente agressivo nos últimos dias, excepcional, mesmo nas sempre tumultuadas relações EUA-Rússia. Há uma quinzena, a Radio Liberty/Radio Free Europe (RFE/RL) exibiu matéria sobre a vida pessoal de Putin, com o claro objetivo de detonar um tsunami anti-Putin nas redes sociais na Rússia. Não há registro de a mídia oficial russa jamais ter descido a tais abismos de mau gosto, nem no auge do escândalo que envolveu Bill Clinton e Monica Lewinsky.

A melhor explicação para os movimentos agressivos da secretária de Estado parece ser outra: os EUA já sabem que a inteligência russa reuniu provas de que, sim, os EUA estão ativos dentro do território russo e da política nacional. A matéria denuncista, baseada em intrigas pessoais contra Putin, parece ter sido tentativa diversionista, esforço para salvar a águia que se deixou prender, ela mesma, na arapuca que a águia tentou armar para prender o urso.

A mesma intenção transparece também nos esforços de Clinton para fazer, das eleições na Rússia, questão crucial para o progresso da democracia no século 21. Desse ponto de vista, o governo Obama fez papel patético. Só lhe restou a ridícula alternativa de tentar encenar uma neo-Praça-Tahrir em Moscou.

Probus disse...

Segundo números do New York Times, na 5ª-feira pela manhã, mais de 32 mil pessoas haviam clicado numa página de Facebook, garantindo que cercariam o Kremlin. O jornal argumenta, matematicamente: “Metade deles lá compareceram, para protagonizar o maior movimento de protesto político em Moscou, desde a queda da União Soviética”.1

O advento de uma Primavera Árabe em Moscou, em pleno inverno russo, terá consequências facilmente previsíveis. Pequim também observa esse curioso fenômeno atmosférico, nada natural. O New York Times ‘informa’ que Putin “luta para não perder o pé, depois de seu partido, Rússia Unida, ter sofrido grave derrota nas eleições do domingo”1. Mas observadores sempre atentos, em Pequim, chegaram a conclusão completamente diferente.

É Putin, estúpido!

No mesmo momento em que Clinton falava, em Bonn, na 2ª-feira, o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Hong Lei, chegava a conclusões diametralmente opostas. Disse ele:

Nós [China] entendemos que as eleições terão efeitos positivos para a unidade da sociedade russa, para a estabilidade nacional e para seu desenvolvimento econômico”.[2] Disse que a China respeitava a decisão do povo russo e que trabalharia com os russos para construir e fazer avançar uma “ampla parceria coordenada” entre os dois países.

A China decidiu tomar posição, sem subterfúgios, já no início da 2ª-feira, apesar de Pequim já saber do revés eleitoral que o partido Rússia Unida sofrera nas urnas. A rede de notícias Xinhua publicou uma nota de cautela:

Embora tudo leve a crer que vencerá as eleições parlamentares, a Rússia de Vladimir Putin enfrentará inúmeros desafios, no caso de ter de conviver com maioria muito reduzida. Alguns analistas falam do estado lamentável da economia russa, como justificativa pela queda no apoio popular. Para muitos, o partido não teria conseguido reduzir a corrupção e não cumpriu as promessas de melhorar a eficiência do governo. Sobretudo na Internet, em salas de bate-papo e fóruns online ouvem-se muitas críticas ao governo de Putin.2

Mas no dia seguinte a rede Xinhua publicou matéria extensa, em que reage com firmeza aos ditos dos EUA e ao que Pequim descreve como “caricatura forçada e conclusão errada, segundo a qual o partido governante na Rússia liderado pelo primeiro-ministro Vladimir Putin, teria sido derrotado nas eleições para a Duma”[3].

Probus disse...

Comentário nuançado, deixa claramente sugerido que a questão que incomoda os EUA não é alguma “democracia” na Rússia, mas o próprio Putin:

Para muitos, a visão de mundo de Putin seria ‘antiocidental’ (...) Muitos políticos norte-americanos não têm qualquer interesse em ver, no comando do poder russo, um “sujeito durão” (...) a Casa Branca não deu sinais de entusiasmo ante a ideia de ter de negociar, outra vez, com o ‘espinhento’ presidente Putin (...) As eleições na Rússia estão alinhadas com os interesses dos russos e de modo algum incorporam qualquer dos interesses dos países ocidentais. A reação da Sra. Clinton é compreensível.” 3

A rede Xinhua observou que as políticas da Rússia nem sempre consideraram os interesses locais e que, várias vezes, Moscou optou por ações alinhadas “à prática ocidental”; mas mesmo nesses momentos, a ação dos russos só muito raramente manteve “adequação perfeita” às agendas ocidentais. Assim sendo, as pressões ocidentais sobre a Rússia sempre continuam. O comentário está atribuído a Li Hongmei, colunista do jornal People's Daily.

Muito obviamente, a China não perde de vista o grande quadro da dinâmica do poder na cena mundial. Pequim jamais ocultou que tem Putin em alta estima, considerado defensor consistente dos imperativos que regem os laços estratégicos sino-russos. Mas o atual momento de acrimônia nas relações entre EUA e Rússia acontece em momento também crucial para a China.

Em inúmeras frentes, é hoje vital para a política regional chinesa manter coordenação coesa com a Rússia. Ao longo do mês de novembro, altos funcionários das relações exteriores da China estiveram nada menos que quatro vezes em Moscou para consultas.

A coordenação entre russos e chineses é sempre de alto nível. O veto “conjunto” no Conselho de Segurança da ONU, na Resolução sobre a Síria, é evento sem paralelos. E os dois países continuam a bloquear uma Resolução adotada na Comissão de Direitos Humanos da ONU, que transfere a Comissão, de Genebra, para o Conselho de Segurança em New York. Pequim ajudou Moscou a conseguir que os BRICS adotassem, como posição comum, a posição russa sobre a Síria.

Sobre o Irã, também, os dois países têm conseguido conter os movimentos dos EUA para impor sanções adicionais. (O enviado russo à ONU Vitaly Churkin sugeriu recentemente que é hora de o Conselho de Segurança da ONU suspender até as sanções hoje vigentes.) Na questão Ásia-Pacífico, a Rússia mantém-se ao lado da China, conforme a declaração conjunta dos dois países, adotada em setembro do ano passado.

Rússia e China opõem-se, ambas, ao estabelecimento de bases militares dos EUA-OTAN no Afeganistão. Os dois países têm interesse em garantir a autonomia estratégica do Paquistão. Trabalharam juntos na recente Conferência de Istambul (2/11), para bloquear os progressos do projeto “Nova Rota da Seda”, menina dos olhos de Clinton. A água alcançará o ponto máximo, provavelmente, quando o enviado da Rússia à OTAN, Dmitry Rogozin, viajar a Pequim (e a Teerã) para discutir o programa de mísseis antibalísticos de defesa (ABM), que pressiona significativamente as relações EUA-Rússia.

Probus disse...

Pequim acompanha, atenta e silenciosamente, uma sombra EUA-Rússia que dança sobre o programa ABM; e as consultas que Rogozin conduzirá serão feitas a partir dos sinais silenciosos de que Pequim quer conversar. Rússia e China têm interesses específicos nessa questão dos mísseis antibalísticos, mas qualquer grau de coordenação, por inicial e tateante que seja, ainda assim delineará novo paradigma na segurança internacional.

Sobretudo, Pequim conta com que Putin, de algum modo, contribuirá para levar a bom termo, o mais rapidamente possível, as negociações, ainda inconclusas, num negócio de gás, de um trilhão de dólares. Com o estabelecimento de uma base militar dos EUA na Austrália; com a presença dos norte-americanos reforçada em Cingapura; e com os EUA trabalhando para conquistar países asiáticos, para que se realinhem e revitalizem a velha liderança americana, as preocupações dos chineses com a própria segurança energética estão-se tornado agudas.

Em resumo, a trajetória da atual acrimônia entre EUA e Rússia; e o sucesso que Putin obteve, na reação forte contra a furiosa campanha que os EUA moveram contra sua eleição na Rússia, são temas da mais alta importância para os chineses.

Se a águia for realmente apanhada na arapuca que imaginou que estivesse preparando para o urso... o dragão verá aí motivo para muito júbilo.

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[1] No New York Times, 9/12/2011, em http://www.nytimes.com/2011/12/09/world/europe/putin-accuses-clinton-of-instigating-russian-protests.html?_r=1&hp (em inglês).

[2] 5/12/2011, Xinhuanet, Pequim, em http://news.xinhuanet.com/english2010/china/2011-12/05/c_131289125.htm (em inglês).

[3] 7/12/2011, Xinhuanet, Pequim, em http://news.xinhuanet.com/english/indepth/2011-12/07/c_131293601.htm (em inglês).

http://www.outroladodanoticia.com.br/inicial/26924-o-urso-alfineta-a-aguia-o-dragao-sorri.html