RAZÕES E RETROSPECTIVA DESTA SÉRIE
A motivação para esta série foi despertada com o artigo “Risco de guerras na América do Sul”, postado em 3 de março. Para a melhor compreensão do cenário, tornou-se necessário recordar com mais detalhes o comportamento bélico dos EUA nas últimas décadas.
Na 1ª Parte, em 11 de março, tratei do intensivo uso militar da propaganda pelos EUA desde o fim da 2ª Guerra Mundial. Os subtítulos foram: “Os EUA e a mídia” e “O terror atômico suavizado na mídia”.
No dia seguinte, na 2ª Parte, tratei da guerra dos Estados Unidos contra o Panamá, no final de 1989. O título foi: “O terror no Panamá por ‘justa causa’ ”.
Na 3ª Parte, em 15 de março, abordei superficialmente os “Ataques dos EUA contra Granada, Somália, Sudão e outros”. Como “outros”, foram lembrados os ataques ao Haiti, em 1994 e em 2003, bem como os ataques ao Afeganistão e ao Paquistão na noite de 20/08/2008.
Continuaremos hoje com:
A PRIMEIRA GUERRA DOS EUA CONTRA O IRAQUE, EM 1991
INTRODUÇÃO
O Iraque já estava muito enfraquecido com a longa guerra contra o Irã terminada pouco antes. Durante uma década, o Iraque fora um aliado do Ocidente naquela guerra (1980-1988).
Dois anos após o término daquele conflito, Saddam Hussein caiu em uma armadilha, como lembrarei mais adiante, e invadiu o Kuwait em 2 de agosto de 1990.
Com o ótimo pretexto presenteado para os EUA com aquela invasão, houve o respaldo legal da ONU e o apoio da opinião pública mundial para os EUA começarem a bombardear Bagdá na noite de 17 de janeiro de 1991. Vários países, Inglaterra, Itália e outros, aproveitaram para também bombardear o Iraque.
Foi um espetáculo transmitido em tempo real para a maioria dos países (via CNN e outras). Tudo dantesco, pirotécnico, sangrento, com muitas centenas de civis iraquianos mortos já na primeira noite dos intensos ataques à capital iraquiana.
AS RAZÕES HISTÓRICAS DAS REIVINDICAÇÕES TERRITORIAIS DO IRAQUE SOBRE O KUWAIT
O Kuwait nasceu por decisão inglesa. Sob os auspícios britânicos, um tratado assinado em 1913 por eles com os otomanos definiu a região do Kuwait como casa autônoma do Império Otomano.
Após a Primeira Guerra Mundial, o Império Otomano caiu e os britânicos anularam o tratado anglo-otomano. A Inglaterra declarou o Kuwait um território independente, mas sob proteção britânica.
Em 1922, o alto-comissário britânico de Bagdá, Percy Cox, pelo “Protocolo de Uqair”, definiu novas fronteiras entre Iraque e o Najd (na Arábia Saudita), e entre Kuwait e Najd.
Em 19 de abril de 1923, o governo britânico impôs outros novos limites entre o Iraque e o Kuwait, ampliando ainda mais o território kuwaitiano.
Essa decisão prejudicou muito o acesso iraquiano ao Golfo Pérsico. Restaram apenas 58 km em áreas predominantemente pantanosas. O rei iraquiano Faisal I não reconheceu os novos limites, mas, como o Iraque estava sob controle britânico, nada pôde fazer.
O trauma daquela perda territorial ficou sempre presente nos iraquianos.
RAZÕES IMEDIATAS DA INVASÃO DO KUWAIT
(fontes: Wikipédia e “O Pragmatismo do Petróleo”, de Seme Taleb Fares, UNB, 2007)
Além daquelas razões históricas, os motivos que aceleraram o conflito Iraque x Kuwait foram os seguintes.
O Iraque estava muito enfraquecido economicamente após a guerra com o Irã. Para a sua recuperação, era importante manter o preço do barril de petróleo em níveis elevados.
Entretanto, por pressões do mercado ocidental, especialmente dos EUA, o Kuwait e outros países dos Golfos Pérsico e Arábico aumentaram as respectivas produções, causando a queda dos preços e fortes protestos do Iraque e prejuízos à sua economia.
O Iraque pediu por isso as seguintes compensações ao Kuwait:
a) cancelamento da dívida de empréstimos ao Iraque (feitos para a guerra contra o Irã, também inimigo do Kuwait);
b) cessão de duas ilhas que permitiriam ao Iraque melhor saída para o mar;
c) ajuda de US$ 10 bilhões;
d) indenização de US$ 2,4 bilhões pela exploração, pelo Kuwait, do campo petrolífero de Rumailah, considerado iraquiano.
As reivindicações iraquianas não foram aceitas pelo Kuwait, despertando a semente da invasão.
O ESTOPIM: SADDAM CAIU NA ARMADILHA DOS EUA
Em julho de 1990, em reunião com Saddam Hussein, a Embaixadora dos EUA no Iraque, April Glaspie, afirmou que os EUA “não tinham qualquer opinião sobre aqueles conflitos árabes”. Traduzindo essa linguagem diplomática para o coloquial, aquelas palavras significaram que o Iraque poderia prosseguir na idéia de invasão do Kuwait e que os EUA não iriam interferir.
O Iraque invadiu o Kuwait poucos dias depois, em 02/08/1990. Caiu na armadilha.
Os EUA reprovaram violenta e formalmente a invasão, a Arábia Saudita pediu a intervenção militar estrangeira e a Rússia aprovou a decisão norte-americana de intervir com as suas forças armadas. Nos meses seguintes, houve uma intensa campanha de demonização de Saddam Hussein em todas as mídias, internacionais e nacionais.
A INVASÃO E A GUERRA
Autorizado pelo Conselho de Segurança da ONU, tropas de 34 países lideradas pelos norte-americanos lutaram a “Guerra do Golfo Pérsico” e a “Operação Tempestade no Deserto”.
Em 17 de janeiro de 1991, às 3h da madrugada em Bagdá, começou um ataque maciço de mísseis sobre a capital iraquiana.
Em 19 de janeiro, o Iraque lançou três mísseis Scud contra Israel, em Tel Aviv. Os EUA anunciaram o uso de antimísseis Patriot para defender Israel. George Bush (o pai) pediu que Israel não entrasse na guerra para não perder o apoio dos países árabes.
A Arábia Saudita tornou-se base temporária para as “forças de coalizão” dos EUA, do Reino Unido, da França, do Egito, da Síria e de outros países. Foram enviadas para a Arábia Saudita e para o Golfo Pérsico forças aliadas de cerca de 750.000 homens e milhares de carros blindados, aviões, mísseis, munição e navios.
Após várias semanas de bombardeios aéreos em várias partes do Iraque e Kuwait, as tropas aliadas assaltaram por terra e, em 23 de fevereiro de 1991, removeram as forças iraquianas do Kuwait. O Iraque se rendeu em 27 de fevereiro.
O número estimado de mortos durante a guerra foi de 100 mil soldados e 50 mil civis iraquianos, 30 mil kuwaitianos e 510 homens das “forças da coalizão”.
Os poços de petróleo incendiados pelas tropas iraquianas em retirada do Kuwait e o óleo jogado no golfo provocaram um grande desastre ambiental.
A MÍDIA E A GUERRA DO GOLFO
As TV de todo o mundo transmitiam como espetáculo (e propaganda) os ataques a Bagdá, ao vivo. Até mesmo eu, que não era assinante de TV a cabo, passei a receber a CNN, sem pedir, gratuitamente.
A propaganda de armamentos norte-americanos louvava o emprego de “ataques cirúrgicos, que conseguiam acertar o alvo militar sem causar danos a civis próximos” com bombas guiadas a laser. Não foi assim. Mais de 80% das bombas lançadas no Iraque foram “burras”, não guiadas eletrônicamente, despejadas por grandes aviões B-52, que atingiam indiscriminadamente muitos alvos civis.
A propaganda mostrava tanques e outros veículos blindados moderníssimos que tinham visores x, y e z que enxergavam no escuro graças a detectores de radiação infravermelha ou a sensores capazes de ampliar até a luz das estrelas. Mas o maior destaque era o avião norte-americano F-117, o “caça invisível”, projetado para minimizar sua detecção pelo radar inimigo.
A guerra foi um show para os vendedores de armamentos modernos. Foi um investimento que rendeu bons frutos.
Tudo não passava de muita propaganda não comprometida com a verdade. Os mísseis “patriotas” eram idiotas, não interceptaram os Scud incursores. Um ano após a guerra, já era do conhecimento público que quase 40% das baixas dos aliados fora por “fogo amigo”, isto é, eles mesmos se mataram por erro de mira ou de informação. Onde estava a “precisão cirúrgica”?
GANHOS FINANCEIROS DOS EUA
Em termos puramente financeiros, aquela primeira invasão ao Iraque foi muito lucrativa para os EUA. Para eles, resultou, segundo divulgado pela imprensa norte-americana, um saldo positivo de mais de dez bilhões de dólares. O custo da guerra foi da ordem de US$ 70 bilhões.
O referido lucro da ordem de 10 bilhões de dólares foi auferido após o balanço de despesas militares por um lado e, por outro, de contribuições financeiras recebidas de seus aliados (principalmente da Alemanha e Japão), somadas aos imediatamente posteriores ganhos com exportações pelos EUA de armamentos lá empregados e que foram objeto de muita propaganda “combat proven”.
Acima de todo esse ganho econômico e financeiro, o principal, mas oculto, objetivo foi atingido, mas não totalmente. Houve a necessidade de outra guerra em 2003 para alcançá-lo. A real razão para atacar o Iraque em 1991 estava longe de ser “a nobre defesa da integridade do indefeso Kuwait”. Foi afirmar o poder e a presença norte-americana no Oriente Médio, rico em petróleo essencial para a economia dos EUA e de seus aliados.
GANHOS PSICOLÓGICOS DOS EUA
Depois das guerras já relatadas nas postagens anteriores, o orgulho americano subiu mais alto ainda com aquela guerra. Ela foi por eles julgada uma magnífica, rápida e estrondosa vitória militar sobre o Iraque. Jactaram-se de ter sido um grande feito das potências mundiais e da ONU, porém todos liderados e armados pelos EUA.
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