Sobre esse assunto, li um bom artigo publicado ontem no “Monitor Mercantil”, o “Jornal do Empresário”, de autoria de Manuel Cambeses Jr., coronel-aviador da reserva da Força Aérea, conferencista especial da ESG, membro do Instituto de Geografia e História Militar do Brasil e vice-diretor do Instituto Histórico-Cultural da Aeronáutica.
EUA: expressão militar versus expressão psicossocial
"No dia 6 de fevereiro do ano passado, o polêmico Secretário de Defesa norte-americano apresentou, ao Congresso de seu país, o Informe de Defesa Quadrienal. Nele, aparecem listadas as prioridades de seu Departamento para os próximos quatro anos.
Como elemento central, dentro dessa lista, está a luta contra o terrorismo. No informe, se enfatiza os novos desenvolvimentos em matéria de armamentos, bem como as áreas que deverão ser privilegiadas em termos de prioridade.
Nesse mesmo dia, foi tornado público o orçamento para o ano de 2008, no qual os gastos militares atingem a expressiva marca de US$ 439,9 bilhões. Estes dados, certamente, merecem algumas considerações.
Em primeiro lugar, vale a pena citar o desmesurado orçamento destinado à área militar. Apenas quinze nações no mundo dispõem de um Produto Interno Bruto superior aos gastos bélicos estadunidenses. Entre aqueles que não dispõem de um PIB que alcance esse montante, se encontram a Rússia (antiga rival), Suíça, Bélgica, Suécia e Noruega (The Economist, World in Figures, London, 2006).
Em segundo lugar, se encontra a absoluta desproporção entre o seu orçamento militar e os do resto do mundo. Seus gastos bélicos representam mais de 40% dos gastos mundiais de defesa e equivalem ao orçamento combinado das seguintes nove potências militares que a seguem. E mais, seu poder bélico é duas vezes e meia superior ao de seus nove possíveis adversários combinados, ou seja, países como Rússia, China, Coréia do Norte, Irã, etc. (Ziauddin Sardar, Merryl Wyndavies, Why do People Hate America?, London, 2003).
Em terceiro lugar, está o absurdo de seguir desenvolvendo novos sistemas armamentistas, a custos gigantescos, quando os atuais lhes garantem uma vantagem militar esmagadora. Um só exemplo pode justificar esta afirmativa. Os Estados Unidos dispõem de mais de mil aviões F-15, um dos mais avançados da parafernália militar existente. Entretanto, segundo explicitou o The Economist de 11 de fevereiro de 2006, se planeja investir US$ 61,3 bilhões para o desenvolvimento de sistemas ultra-sofisticados como as armas espaciais, os caças F-22 e os armamentos robóticos, que tornariam os F-15 obsoletos.
Em quarto lugar, poderíamos citar a falta de correlação entre as prioridades de defesa e o que se considera como a maior ameaça à segurança norte-americana. Enquanto esta última é identificada com o terrorismo, sua ênfase armamentista está no desenvolvimento de sistemas altamente sofisticados, como as armas espaciais e as aeronaves F-22. Estes, entretanto, servem muito pouco ou nada para combater os terroristas dentro do contexto de uma confrontação assimétrica.
Em quinto lugar, é facilmente detectável a existência de uma desconexão entre o que a simples vista aparece como uma de suas maiores necessidades e o que está efetivamente explicitado nos planos de governo.
O furacão Katrina, por exemplo, evidenciou que a Guarda Nacional da Louisiana não pôde ser acionada a tempo, pois significativa parcela de seu contingente se encontrava no Iraque.
A guerra no país mesopotâmico demonstra, claramente, a insuficiência de tropas americanas para controlar integralmente a situação. Não obstante, o Informe de Defesa Quadrienal sugere a redução, de forma paulatina, de mais de cem mil soldados, como fórmula para reduzir os altos custos da ocupação.
Em sexto lugar, aparece a irracionalidade de gastos como os delineados dentro do contexto dos reais problemas do país. O gasto militar não somente é diretamente responsável pelo déficit fiscal, que supera 3% do PIB, o que, evidentemente, pressupõe tremendos cortes em seguridade social.
Ainda de acordo com a citada edição do The Economist, o gasto militar conduz a uma redução obrigatória de quase US$ 40 bilhões no sistema de atendimento médico a menores de idade, conhecido como Medicaid, e conduzirá, fatalmente, a cortes orçamentários na ordem de US$ 65 bilhões, nos próximos cinco anos, no plano de atendimento aos pobres, intitulado Medicare.
Do anteriormente exposto, depreende-se que, ao privilegiar o poder militar com orçamento tão vultoso, os Estados Unidos correm o risco de comprometer, seriamente, a médio prazo, a expressão psicossocial do poder nacional, criando um generalizado clima de insatisfação, acarretando sérios prejuízos às camadas menos favorecidas da sociedade estadunidense, o que poderá desdobrar-se em nocivo clima de instabilidade e, conseqüentemente, no indesejado esgarçamento do tecido social.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário