A Folha de S.Paulo ontem entrevistou longamente o deputado Ciro Gomes, um dos mais cogitados para ser o indicado por Lula para a sua sucessão em 2010. Hoje, o jornal publicou-a.
Reproduzo a matéria da Folha:
"Agradeço a Deus por não ter sido eleito em 2002"
“Na vice-liderança da mais recente pesquisa Datafolha de intenção de voto para a sucessão de Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado federal Ciro Gomes (PSB-CE), (50 anos), agradeceu a Deus ontem, em sabatina da Folha transmitida ao vivo na internet pela TV UOL, por não ter sido eleito para o Planalto em 2002, quando concorreu ao cargo pela segunda vez.
"Eu não estava maduro", justificou ele, diante de quase 180 pessoas que acompanharam a entrevista de duas horas feita pelos jornalistas Mônica Bergamo (colunista do jornal), Fernando Canzian e Kennedy Alencar (repórteres especiais) e Fernando de Barros e Silva (editor de Brasil).
Ciro também respondeu perguntas da platéia sobre seus planos até 2010 e a relação com a mulher, a atriz Patrícia Pillar. E alfinetou um antigo desafeto, o governador paulista, José Serra, líder na pesquisa.
2010
"Quem tem a experiência que eu já acumulei, há de ter a maturidade de saber que qualquer vatícinio feito hoje para afirmar fatos de 2010 é bastante temerário. Fico bastante distinguido, honrado. Mas eu só decidirei se sou candidato se entender que a candidatura serve ao país. Essas foram as razões pelas quais eu me candidatei nas eleições anteriores. Eu não serei candidato de mim mesmo, não faz sentido isso.
A situação de 2010, vendo hoje, acho que o que vai estar em jogo é, de um lado, a institucionalização do avanço extraordinário que o país está experimentando. A grande tarefa é ajuizar diante da nação brasileira a tarefa de institucionalizar isso, fazer com que isso não dependa de boa-fé de canetada de fulano, de voluntarismo, de boa vontade, de personalismo.
Suponha que o PT tenha um candidato, é legítimo, o PT é o maior partido do Brasil, tem absoluta raiz na vida social brasileira. Mas, eventualmente, o PT pode lançar um candidato que não represente, a juízo do meu partido, de outras forças da opinião brasileira, essas graves questões que estão em jogo. Eventualmente, pode esse mesmo grupo de opinião pensar que eu posso melhor interpretar isso. Nesse caso, eu poderei ser candidato."
VICE DE AÉCIO
"Pode ser que o país precise que eu seja coadjuvante de uma chapa que, necessariamente, tem que ser encabeçada por alguém que vai servir ao país melhor que ninguém mais. Nenhum problema. Agora, eu solicito que se registre aqui que não estou dizendo que admito ser vice do Aécio. Admito examinar o assunto na ocasião própria. O que posso dizer é que o governador Aécio Neves é um belo produto da democracia brasileira. Falta a ele alguma vivência nacional, nada que ele não possa adquirir."
2002
"Foram tantos erros, foi que nem o Roberto Carlos. Eu passei por um processo... Eu estou de boa-fé, eu quero ser um cara decente, correto. Eu me aventuro muito, falo muito, não estou aqui? Quantos amigos não me disseram: "Você vai fazer o que lá?". Não tenho arrependimentos. Olhando no geral, a vida foi muito generosa comigo, mas eu digo hoje, honestamente, eu agradeço a Deus não ter sido eleito naquela ocasião.
Eu não estava maduro, não estava preparado, imagine eu, eleito presidente do Brasil, contra o PT e o PSDB, e com um apoio meio inorgânico com povão. Foi muito bom, o povo disse: vai andar um pouco mais, vai aprender um pouco mais. Aliás, tive uma conversa só eu o Lula e foi comovente, ele disse: "Eu sei o que você está dizendo, também agradeço a Deus não ter sido eleito em 1989"."
DESTEMPERO
"Qualquer destempero é uma atitude que não cabe a alguém que vai servir ao país como presidente da República. É preciso que alguém julgue o destempero. Uma criança bem-educada pode falar a palavra cocô, dependendo do contexto.
É evidente que eu poderia ter evitado [a discussão com a atriz Letícia Sabatella no Congresso por conta da transposição do rio São Francisco, na qual disse "eu, ao meu jeito, escolhi a opção de meter a mão na massa, às vezes suja de cocô, às vezes, mas minha cabeça, não, meu compromisso, não"], mas passamos mais de sete horas debatendo. Não houve bate-boca. Eu fiz uma figura. Poderia ter dito que Max Weber fala sobre a ética na política e identifica que ela é diferente da ética individual e familiar."
COLLOR E O PT
"Eu fico aborrecido porque o pacote é assim: pegam o jeitão do cara e insinuam que ele é desonesto, no meio de uma sociedade cansada de ver exemplos ruins.
Quando eu era mais jovem, tinha muito medo. Fiquei contra ele no primeiro e no segundo turno em 1989. Jamais apoiei ele. Apoiamos o Mario Covas [1930-2001] no primeiro turno, e no segundo eu votei no Lula, isso o PT decidindo se aceitava o meu apoio ou não."
GOVERNO LULA
"Tenho uma grande afeição pelo Lula, um grande respeito, que é antigo, mas que cresceu muito na constância de minha militância sob sua liderança no governo. Não quer dizer que o governo é impecável nem perfeito. Agora, todos os números brasileiros estão melhores."
GOLPE CONTRA LULA
"Eu lembro bem quando se instalou, na minha opinião, um golpe contra o Lula, para arrastar o filho dele para uma CPI. Eu tomei a linha de frente. Isso quer dizer o quê? Que eu perdôo o que aconteceu? Absolutamente não perdôo. Mas não era causa para impedir um presidente da República, e, impedindo um presidente com uma origem popular como a do Lula, passar para a sociedade brasileira que havia uma trama de elite para melar o jogo de quem estava fazendo o salário mínimo galopar, de quem estava fazendo o Bolsa Família...
Quando foi eleito o Severino [Cavalcanti, ex-presidente da Câmara dos Deputados], aquilo era um passo do golpe, para ele poder receber o pedido de impeachment.
O antigolpe que acabou com tudo foi a eleição do Aldo [Rebelo, do PC do B], que acabou com o golpe.
Ele (Severino) foi eleito para derrotar o Lula e começar a instalar o golpe, acabou não recebendo porque aderiu."
MENSALÃO
"Por tudo quanto eu pude observar, o presidente Lula não sabia e tinha o direito de não saber. O problema se deu na conformação de uma parte da antiga direção do PT no financiamento de campanha."
JOSÉ SERRA
"Ele era [em 1994], sem favor [meu], o deputado de maior valor na bancada do PSDB. E a bancada inteira não votava nele para líder. Isso é bem exemplar. Conseguimos fazer do Serra líder da bancada na marra. Pelo valor. Não demorou, ele tira o tapete do Fernando Henrique Cardoso, que, para fazer o real, precisava que o Brasil restaurasse seu fluxo de crédito internacional.
O Serra, sem conversar com ninguém, na condição de líder do partido do ministro da Fazenda, dá a seguinte entrevista, que o PSDB é contra a revisão constitucional.
Aí me liga o então ministro da Fazenda, Fernando Henrique, do hotel em Nova York, dizendo: "Estou aqui trancado, não posso botar a cara na rua, porque esse aquilo, esse aquilo outro, quer tirar o meu tapete, quer sabotar o plano e só tem um cara que vai dar jeito nisso: você". Ele [Serra] desdisse [sob pressão de Ciro]. Mas nunca me perdoou. É um homem de valor, com aquelas questões outras."
ALIANÇAS
"Na eleição municipal, o principal motor é a questão local. Não tem quem faça uma eleição municipal se conformar às diretrizes das questões nacionais. A gente tenta atenuar, mas a contradição é absoluta.
O governador Aécio quer evitar um confronto precoce com o PT, onde pode sair derrotado. E isso interrompe um caminho de ascensão que ele vem cultivando. O Pimentel [Fernando, prefeito petista de Belo Horizonte], por seu lado, é um quadro emergente na política de Minas e ele não quer confrontar com o Aécio e ser derrotado precocemente.
Aqui em São Paulo nós temos a companheira Luiza Erundina que é um dos quadros pelos quais eu tenho o maior respeito. E temos um talento extraordinário que é o líder da nossa bancada, o deputado Márcio França. Eu já disse a ele que, aqui em São Paulo, o que ele e os companheiros do nosso grupo fizerem eu apóio."
COMPLEMENTAÇÃO DA FOLHA ON LINE DE ONTEM
Acrescento alguns trechos ontem (22/04) publicados à tarde na Folha On Line, porém suprimidos, por algum motivo, na versão impressa do jornal:
[O DOSSIÊ]
(...) Sobre o dossiê com informações sobre as despesas do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e sua equipe, Ciro seguiu o discurso de integrantes do governo Lula e disse que crime é vazar informações sigilosas, e não a confecção de dossiê.
"Consta que quem vazou o dossiê a revista 'Veja' foi o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). Vazar é crime. Não sou eu que diz, é a lei. Ele nega [o vazamento]. Pode negar. Tem muitas evidências [contra ele]."
Para Ciro, a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) não tem nenhuma responsabilidade com o dossiê. "Conheço a Dilma. Sei da sua seriedade, da sua compostura, da sua ética. Sei que ela está dedicada 24 horas por dia a servir ao país."
[TAXA DE JUROS]
"A taxa de juros [de 11,75% ao ano] é ruim. O [Henrique] Meirelles [presidente do Banco Central] sabe disso. A despeito do juro alta, é o menor juro real dos últimos 30 anos".
[JOSÉ SERRA]
"Ele era o deputado de maior valor da bancada do PSDB e a bancada inteira não votava nele para líder. Aí ele me liga. Saio ligando deputado pra deputado, que me dizem: ele é sem escrúpulo, passa por cima da mãe, é arrogante. Os deputados que diziam, não eu. Fizemos ele líder da bancada pelo valor."
[CID GOMES]
"Acho francamente que governador do Estado do Ceará deve se explicar. Deve chamar imprensa e se explicar. Ele deve uma explicação [sobre a carona que o irmão deu para a sogra num jatinho que foi para a Europa em viagem oficial]."
[FARCS]
"Eu abomino a violência. Para mim, as Farc perderam a noção há muito tempo. "Não há pretexto ideológico que justifique seqüestrar uma mulher e deixá-la confinada por anos", disse, em referência à franco-colombiana Ingrid Betancourt, refém da guerrilha.
[TERCEIRO MANDATO]
"Esse pseudo fato [terceiro mandato] prejudica o país. O Lula já disse que não quer e no Senado [o governo] não tem nem maioria simples [para aprovar a proposta]. Não quero nem comentar uma coisa que não faz bem para o país", afirmou.“
Nenhum comentário:
Postar um comentário