sábado, 14 de junho de 2008

EVO MORALES ANALISA A NOVA REJEIÇÃO DA EUROPA AOS IMIGRANTES

O blog “Carta Maior” publicou hoje uma carta aberta de Evo Morales, Presidente da República da Bolívia, sobre a nova política européia de endurecimento das condições de detenção e expulsão de imigrantes. Essa nova postura dos europeus abrange também os brasileiros para lá emigrados. Portanto, o tema tratado por Evo Morales também nos interessa.

No site Wikipedia, obtive os seguintes dados adicionais sobre o autor:

“Juan Evo Morales Ayma, nascido em Orinoca, Oruro, em 26 de outubro de 1959, foi líder do movimento esquerdista boliviano cocalero, uma federação de agricultores que tem por tradição o cultivo de coca para atender um costume milenar da nação que é mascar folhas de coca.

Nas eleições de Dezembro de 2005 venceu com maioria absoluta, tornando-se o primeiro presidente de origem indígena. Foi o primeiro mandatário boliviano a ser eleito Presidente da República em primeiro turno em mais de trinta anos.

Morales fala como língua materna o aimará e, como segunda língua, o castelhano, à semelhança de muitos dos habitantes do planalto ocidental boliviano.

Morales terminou sua educação secundária e trabalhou também como pastor de lamas, pedreiro e músico.

Morales tem declarado o seu apoio às políticas dos presidentes de esquerda da América Latina: Fidel Castro, Luiz Inácio Lula da Silva, Néstor Kirchner e, em especial, do presidente venezuelano Hugo Chávez.”

Transcrevo a carta de Evo Morales, traduzida por Naila Freitas:

CARTA ABERTA

O PAPEL REAL DOS IMIGRANTES

“Até o final da Segunda Guerra Mundial, a Europa foi um continente de emigrantes. Dezenas de milhões de europeus partiram rumo às Américas para colonizar, escapar da fome, das crises financeiras, das guerras ou dos totalitarismos europeus e da perseguição às minorias étnicas.

Hoje, estou acompanhando com preocupação o processo da chamada "diretriz de retorno". O texto, validado no passado 5 de junho pelos ministros do Interior dos 27 países da União Européia, deve ser votado no dia 18 de junho no Parlamento Europeu. Sinto que endurece de maneira drástica as condições de detenção e expulsão aos imigrantes indocumentados, qualquer que seja seu tempo de permanência nos países europeus, sua situação laboral, seus laços familiares, sua vontade e suas tentativas de integrar-se.

Os europeus chegaram massivamente aos países da América Latina e da América do Norte, sem vistos nem condições impostas pelas autoridades. Foram sempre bem-vindos. E continuam sendo, em nossos países do continente americano, que absorveram, naquela época, a miséria econômica européia e suas crises políticas.

Vieram ao nosso continente para explorar riquezas e para transferi-las para a Europa, com um altíssimo custo para as populações originais da América. Como no caso do nosso Cerro Rico de Potosí e suas fabulosas minas de prata, que permitiram dar massa monetária ao continente europeu do século XVI até o século XIX. As pessoas, os bens e os direitos dos imigrantes europeus sempre foram respeitados.

Hoje, a União Européia é o principal destino dos imigrantes do mundo, o que é conseqüência de sua positiva imagem de espaço de prosperidade e de liberdades públicas. A imensa maioria dos imigrantes vem para a UE para contribuir com esta prosperidade, não para aproveitar-se dela. Ocupam os empregos de obras públicas, construção, nos serviços a pessoas e hospitais, que não podem ou não querem ocupar os europeus.

Contribuem para o dinamismo demográfico do continente europeu, para manter a relação entre ativos e inativos que torna possível seus generosos sistemas de seguridade social e dinamizam o mercado interno e a coesão social. Os imigrantes oferecem uma solução aos problemas demográficos e financeiros da UE.

Para nós, nossos imigrantes representam a ajuda para o desenvolvimento que os Europeus não nos dão - uma vez que poucos países alcançam realmente o mínimo objetivo de 0,7% de seu PIB na ajuda para o desenvolvimento. A América Latina recebeu, em 2006, 68 bilhões de dólares em remessas, ou seja, mais do que o total dos investimentos estrangeiros em nossos países. No nível mundial, chegam a 300 bilhões de dólares, que superam os 104 bilhões concedidos como ajuda para o desenvolvimento. Meu próprio país, a Bolívia, recebeu mais de 10% do PIB em remessas (1,1 bilhões de dólares) ou um terço das nossas exportações anuais de gás natural.

Ou seja, que os fluxos migratórios são benéficos tanto para os europeus e, de modo marginal, para nós, do Terceiro Mundo, uma vez que também perdemos contingentes que somam milhões da nossa mão de obra qualificada, na qual, de um modo ou de outro, nossos Estados, mesmo pobres, investiram recursos humanos e financeiros.

Lamentavelmente, o projeto da "diretriz de retorno" complica terrivelmente esta realidade. Apesar de que concebemos que cada Estado ou grupo de Estados pode definir suas políticas migratórias com toda soberania, não podemos aceitar que os direitos fundamentais das pessoas sejam negados aos nossos compatriotas e irmãos latino-americanos.

A "diretriz de retorno" prevê a possibilidade de prisão dos imigrantes indocumentados por até 18 meses antes de sua expulsão - ou "afastamento", segundo o termo da diretriz. 18 meses! Sem julgamento nem justiça! Tal como está hoje, o projeto de texto da diretriz viola claramente os artigos 2, 3, 5, 6, 7, 8 e 9 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. Especialmente o artigo 13 da Declaração, que diz:

1. Toda pessoa tem o direito de circular livremente e de escolher sua residência no território de um Estado.
2. Toda pessoa tem o direito de sair de qualquer país, inclusive do próprio, e de voltar para o seu país".

E, o pior de tudo, existe a possibilidade de encarcerar mães de família e menores de idade, sem levar em consideração sua situação familiar ou escolar, nestes centros de internação, nos quais sabemos que ocorrem depressões, greves de fome, suicídios.

Como podemos aceitar sem reagir que sejam concentrados em campos compatriotas e irmãos latino-americanos indocumentados, dos quais a imensa maioria está há anos trabalhando e se integrando? De que lado está hoje o dever de ingerência humanitária? Onde estão a "liberdade de circular", a proteção contra prisões arbitrárias?

Paralelamente, a União Européia tenta convencer a Comunidade Andina de Nações (Bolívia, Colômbia, Equador e Peru) de que assinem um "Acordo de Associação" que inclui em seu terceiro pilar um Tratado de Livre Comércio, da mesma natureza e conteúdo que os impostos pelos Estados Unidos. Estamos sob intensa pressão da Comissão Européia para aceitar condições de profunda liberalização para o comércio, os serviços financeiros, propriedade intelectual ou nossos serviços públicos.

Além disso, em nome da proteção jurídica somos pressionados pelo processo de nacionalização da água, do gás e das telecomunicações realizados no Dia Mundial dos Trabalhadores. Pergunto, nesse caso, onde está a "segurança jurídica" para nossas mulheres, adolescentes, crianças e trabalhadores que buscam melhores horizontes na Europa?

Promovem a liberdade de circulação de mercadorias e finanças, enquanto vemos à frente encarceramento sem julgamento para nossos irmãos que tentaram circular livremente. Isso é negar os fundamentos da liberdade e dos direitos democráticos.

Sob estas condições, caso for aprovada esta "diretriz de retorno", estaríamos na impossibilidade ética de aprofundar as negociações com a União Européia e nos reservamos o direito de adotar com os cidadãos europeus as mesmas obrigações de visto que são impostas aos Bolivianos desde primeiro de abril de 2007, segundo o princípio diplomático de reciprocidade. Não o exercemos até agora, justamente por esperar bons sinais da UE.

O mundo, seus continentes, seus oceanos e seus pólos conhecem importantes dificuldades globais: o aquecimento global, a contaminação, o desaparecimento lento mas certo de recursos energéticos e biodiversidade, enquanto aumenta a fome e a pobreza em todos os países, fragilizando nossas sociedades.

Fazer dos imigrantes, quer sejam documentados ou não, os bodes expiatórios destes problemas globais, não é nenhuma solução. Não corresponde a nenhuma realidade. Os problemas de coesão social que a Europa está sofrendo não são culpa dos imigrantes, mas o resultado do modelo de desenvolvimento imposto pelo Norte, que destrói o planeta e desmembra as sociedades dos homens.

Em nome do povo da Bolívia, de todos os meus irmãos do continente e de regiões do mundo como o Maghreb, Ásia e os países da África, faço um chamado à consciência dos líderes e deputados europeus, dos povos, cidadãos e ativistas da Europa, para que não seja aprovado o texto da "diretriz de retorno".

Tal como a conhecemos hoje, é uma diretriz da vergonha. Chamo também a União Européia a elaborar, nos próximos meses, uma política migratória respeitosa dos direitos humanos, que permita manter este dinamismo proveitoso para ambos os continentes e que possa reparar, de uma vez por todas, a tremenda dívida histórica, econômica e ecológica que os países da Europa têm com grande parte do Terceiro Mundo, que feche de uma vez as veias ainda abertas da América Latina. Não podem falhar hoje em suas "políticas de integração" como fracassaram com sua suposta "missão civilizadora" do tempo das colônias.

Recebam todos vocês, autoridades, europarlamentares, companheiras e companheiros, saudações fraternas desde a Bolívia. E, especialmente, nossa solidariedade com todos os "clandestinos".”

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