segunda-feira, 30 de junho de 2008

PARA DIMINUIR DESIGUALDADE, RICO PRECISA PAGAR IMPOSTO!

Apresento o texto que obtive no blog “Conversa Afiada”, sobre o programa “Entrevista Record”, da Record News, que foi transmitido na última terça-feira, dia 24. Nele, o jornalista Paulo Henrique Amorim entrevistou o presidente do IPEA, o economista e professor Marcio Pochmann.

O IPEA é o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. É uma fundação pública federal vinculada ao Núcleo de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Suas atividades de pesquisa fornecem suporte técnico e institucional às ações governamentais para a formulação e reformulação de políticas públicas e programas de desenvolvimento brasileiros.

O entrevistado, Marcio Pochmann, é graduado em Economia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (1984) e doutor em Ciência Econômica pela Universidade Estadual de Campinas (1993). É Professor Livre Docente da Universidade Estadual de Campinas. Tem experiência com ênfase em Politicas Socias e do Trabalho. É o atual presidente do IPEA.

Segue abaixo a íntegra da entrevista com o professor Marcio Pochmann, publicada no blog “Conversa Afiada” (este blog acrescentou pequenos adendos entre colchetes, para facilitar a leitura):

Paulo Henrique Amorim – Professor Pochmann, o índice que mede a concentração de renda no Brasil mostra que, de 2002 para 2007, houve uma queda de 5,7% na concentração de renda do país. A que se deve isso, basicamente?

Marcio Pochmann – Bom, nós temos vários fatores que nos ajudam a entender essa queda de desigualdade mais recente. Mas não há como separar o papel que vem tendo a elevação do salário mínimo como proteção e a ampliação do poder aquisitivo da população de menor renda, principalmente das categorias que se encontram com remuneração próxima ao salário mínimo.

Também, tem papel importante todas as políticas voltadas para a transferência de renda, como é o caso do Bolsa Família e os benefícios da Previdência e Assistência Social.

Salário mínimo e transferência de renda estão ajudando muito a população de baixa renda, de tal forma que ela reduz a diferença que tem aos níveis de renda mais altos.

Paulo Henrique Amorim – Mesmo assim, além dessas explicações, seria importante se observar, e se observa aqui na tabela que o IPEA distribuiu, que está no site do IPEA, há uma queda acentuada do aumento da desigualdade, sobretudo, a partir de 2004, quando se acelera, de certa maneira, o crescimento da economia. Existe, portanto, uma relação entre a economia crescer e a renda melhorar. Ou melhor, a distribuição de renda melhorar. O que tem a ver uma coisa com a outra, professor?

Marcio Pochmann – Esse dado é bastante importante, [deve] ser considerado, porque, infelizmente, a experiência passada do Brasil de crescimento econômico não permitiu combinar com a melhor distribuição dos frutos dessa expansão.

Nesse período [mais recente], que começa em 2004 e vem se aprofundando em 2007 e 2008, de maior expansão da atividade econômica com maior expansão do emprego formal, sobretudo, nós estamos verificando que a expansão da atividade econômica permite agora a ampliação da renda dos mais pobres, permitindo assim que a desigualdade caia.

E, a se manter essa trajetória, o segundo governo do Presidente Lula apresentará para o país o menor índice de desigualdade de renda desde 1694, quando começaram a se medir os indicadores de desigualdade.

Paulo Henrique Amorim – Segundo essa projeção feita pelo próprio estudo de vocês do IPEA, em 2010 a previsão é de que o Índice de Gini, que mede a concentração de renda, cairá para 0,49. O Presidente Lula herdou do Governo Fernando Henrique um Índice de Gini de 0,54. O índice 0,49, como o senhor mencionou é o melhor resultado desde 1960, quando o Brasil começou a medir desigualdade de renda. Eu pergunto: comparado com outros países, o que significa esse Gini de 0,49? Devemos nos orgulhar disso ou ainda devemos ter vergonha desse índice?

Marcio Pochmann – De um lado, há motivos para nos orgulharmos quando a gente compara a rápida queda do índice de desigualdade de renda no Brasil. Nós estávamos há um longo período sem saber o que era redução da desigualdade. Mas mesmo em 2010, com um Índice de Gini em 0,49, ainda nos coloca no conjunto de países que não sabem o que é uma distribuição menos selvagem da renda. Podemos dizer que, em países mais civilizados, em que há uma distribuição mais justa da renda, o Índice de Gini se encontra abaixo de 0,45.

Paulo Henrique Amorim – E o que faz admitir-se que, quando chegarmos a 2010, poderemos chegar a esse 0,49 que ainda não é abaixo de 0,45, mas já é mais perto do que estávamos? O que precisa acontecer para que a gente chegue lá?

Marcio Pochmann – Certamente o país precisa continuar crescendo a 5% ou 6% ao ano. Se nós tivermos uma redução do nível de atividade, isso pode ter um impacto no emprego e até mesmo na capacidade de os sindicatos negociarem salários de acordo com a produtividade. É fundamental que a política de salário mínimo e de transferência de renda se mantenha firme como se encontra atualmente.

E poderíamos também pensar em políticas de combate a desigualdade, como é o caso da tributação da renda, especialmente dos segmentos mais enriquecidos da população, uma vez que os ricos do Brasil não pagam impostos. E nós teríamos um campo novo para reduzir a desigualdade através da tributação progressiva.

Paulo Henrique Amorim – Bom, o senhor acaba de depositar uma bomba atômica nessa discussão, que é a idéia de aumentar os impostos dos ricos. E já existe por parte dos ricos, especialmente quando se discutiu agora a questão da renovação da CPMF, uma reação muito grande. Reação que se concentrou a partir da FIESP, aqui em São Paulo. O senhor acredita que existam condições políticas para se aumentar os impostos dos mais ricos?

Marcio Pochmann – Eu acredito que essa condição política precisa ser construída. A população não sabe, de maneira geral, que são justamente os mais pobres que mais impostos pagam. Os 10% mais pobres da população pagam 50% a mais de tributos do que os mais ricos.

O Brasil não tem impostos sobre grandes fortunas, por exemplo. E a tributação de vários impostos diretos, como o IPTU – Imposto Predial Territorial e Urbano, o próprio Imposto de Renda, não aproveitam a potencialidade que possuem, especialmente num país em que os 10% mais ricos da população concentram 75% da riqueza.

Paulo Henrique Amorim – Quer dizer que, apesar dessa melhoria na desigualdade, esses 10% mais ricos da população, esses cuja a renda terá subido alguma coisa perto de 5% ou 6% nesses anos do Governo Lula, eles ainda têm 75% da renda do país?

Marcio Pochmann – Eles têm 75% do estoque de riqueza, que são os ativos, são as propriedades, imóveis, títulos da dívida pública, títulos financeiros, enfim, é um conjunto de direitos de riqueza, que não apenas estão mencionados e mensurados por pesquisas como essa que o IBGE faz, que basicamente menciona a renda e não o estoque de riqueza.

Paulo Henrique Amorim – Uma outra questão que eu gostaria de tocar com o senhor, professor Pochmann, é a questão do alargamento da classe média ou o alargamento do que se chama, para falar na linguagem da televisão, na linguagem do Ibope, o alargamento da classe C. Observa-se pelo estudo que está no site do IPEA que a melhoria é mais significativa, é mais acentuada, exatamente nos segmentos intermediários dos mais pobres. O que o senhor tem a dizer sobre isso?

Marcio Pochmann – Bom, de um lado nós estamos vendo a expansão dos empregos basicamente assentados na faixa de dois a quatro salários mínimos, que é basicamente que comporia essa classe média emergente. Que de um lado vem potencializada pela expansão do emprego assalariado e de outro vem também potencializado por ocupações autônomas, ocupações por conta própria de pequenos negócios, que vêm crescendo muito em função do maior dinamismo da economia nacional.

Paulo Henrique Amorim – E com relação ao emprego assalariado? O senhor já estudou esse problema, uma boa parte do seu trabalho que se acompanha pela sua já vasta bibliografia é em cima dessa questão de quem é empregado assalariado, de quem não é empregado assalariado. O que se pode dizer sobre isso? O crescimento econômico no Brasil se dá hoje com emprego de pessoas com carteira assinada ou não?

Marcio Pochmann – Bom, ao contrário das teses dos anos 90 que diziam que o Brasil não teria condições de gerar emprego assalariado porque o custo trabalho era elevado, entre outros argumentos dessa natureza, nós estamos observando que o crescimento da economia nacional vem implicando expansão do emprego assalariado, especialmente o assalariado formal, com carteira assinada. E de cada dez postos de trabalho abertos atualmente no país, oito são aberto atualmente com carteira assinada. Nós devemos ter este ano a geração de 2,5 milhões de empregos, cerca de 2 milhões serão de empregos assalariados com carteira assinada.

Paulo Henrique Amorim – E quais são os setores da economia que mais estão puxando trabalhadores e assinando a carteira deles?

Marcio Pochmann – Certamente é o setor terciário, o setor vinculado a serviços e comércio. Mas não podemos descartar o papel que a indústria de transformação vem tendo junto com a construção civil, de impacto muito importante na formalização do emprego.

Paulo Henrique Amorim – Uma outra questão, professor Pochmann, pode-se dizer, por esses dados aqui do Ipea, que está havendo um estrangulamento da classe média brasileira?

Marcio Pochmann – Não, não acredito. Os dados são muito positivos na medida em que eles mostram que nos últimos quatro anos todos os segmentos de renda vêm ampliando a sua participação, vêm crescendo acima da inflação e, portanto, ampliam o poder de consumo de todos os segmentos sociais.

Apenas a redução da desigualdade vem se dando pelo fato de que os menores salários sobem mais rapidamente do que os mais altos. Nós tivemos, entre 2002 e 2003, por exemplo, uma redução da desigualdade. Mas ela se deu, fundamentalmente pela queda do poder aquisitivo do segmento de maior renda. A classe média, sobretudo, perdeu nesses anos. Agora, a classe média voltou a se recuperar e a desigualdade não se dá mais por prejuízo de uma categoria em relação a outra, mas pelo crescimento de todas, apenas com uma velocidade mais rápida para os segmentos de menor renda.

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, todos crescem?

Marcio Pochmann – Exatamente. Apenas alguns sobem através da escada e outros pegam o elevador e sobem mais rápido.

Paulo Henrique Amorim – Uns de elevador e outros de escada. Agora, uma última questão, professor Pochmann, e a participação do salário, no conjunto da riqueza brasileira, ou seja, a massa salarial, a renda do trabalhador, no conjunto da riqueza brasileira, isso tem aumentado com esses estudos que o senhor fez aqui?

Marcio Pochmann – Nós ainda não conseguimos observar uma ampliação na renda nacional. Embora os salários venham crescendo acima da inflação, nós percebemos que os juros, os lucros, os aluguéis, renda da terra, crescem numa velocidade equivalente à dos salários. De tal forma que não há uma alteração na distribuição da renda funcional, que nós chamamos, que é aquela que mede a participação dos salários na riqueza do país.

Paulo Henrique Amorim – Ou seja, os salários e os trabalhadores ainda têm um longo caminho a percorrer?

Marcio Pochmann – Sem dúvida alguma. E é essa a experiência internacional: quando há democracia, quando há instituições fortes, sindicatos e políticas públicas, certamente o resultado é a melhor participação dos salários na renda, crescimento do mercado interno e o melhor bem-estar de todos.

Paulo Henrique Amorim – Professor, os sindicatos estão conseguindo obter aumentos de salários significativamente acima da inflação ou os dissídios têm vindo apenas empatando com a inflação?

Marcio Pochmann – Bom, ao contrário do que ocorreu nos anos 90, em que os sindicatos não conseguiam fazer com que os salários dos seus trabalhadores acompanhassem a inflação, num período mais recente nós estamos observando, e quem mede isso é o DIEESE, que permite perceber justamente que os trabalhadores estão tendo algum sucesso nas negociações. A maior parte das categorias consegue não só empatar com a inflação passada, mas também incorporar ganhos de produtividades que estão sendo obtidos por setores produtivos nacionais.

Paulo Henrique Amorim – Uma última, última, questão. Nós estamos assistindo agora um aumento da inflação, sobretudo na área de alimentos, uma política de juros mais agressiva do Banco Central. Esse conjunto de situações pode vir a prejudicar a distribuição da renda?

Marcio Pochmann – Eu acredito que tanto a inflação pode prejudicar a renda e a própria desigualdade, porque a gente sabe que a capacidade de se proteger frente à inflação é desigual por níveis de renda, mas também precisamos nos atentar para o fato que, dependendo da política anti-inflacionária, o efeito desse remédio pode ser também muito prejudicial aos próprios trabalhadores, à população de menor renda.

Tanto é verdade que o próprio Governo Federal está discutindo a possibilidade de reajustar, por exemplo, os valores do Bolsa Família, que é uma tentativa de proteger a população de menor renda.”

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