Li no jornal “O Estado de São Paulo” de hoje a reportagem de Roberto Godoy sobre o avanço brasileiro no enriquecimento do urânio, passo indispensável para assegurar energia elétrica para o Brasil nas próximas décadas.
“Criado por pesquisadores da Marinha, modelo avançado de ultracentrífuga já está em funcionamento em Resende”
“O discreto e bem-sucedido programa de pesquisa nuclear brasileiro tem um novo segredo para guardar: entre março e maio entrou em funcionamento o novo modelo de ultracentrífuga, a avançada máquina de enriquecer urânio criada pelos pesquisadores da Marinha, no Centro Aramar, em Iperó, a 130 quilômetros de São Paulo.
É uma façanha: as unidades, designadas Geração 1/M2, são pelo menos 15% mais eficientes que as anteriores - que, aperfeiçoadas, já apresentam rendimento 50% superior ao do começo da produção, há 20 anos.
As Indústrias Nucleares do Brasil (INB) receberam e montaram o segundo conjunto desses equipamentos na sua fábrica de combustível, em Resende, na divisa entre os Estados do Rio e São Paulo. As entregas foram sigilosas, feitas em comboios sem identificação, protegidos por fuzileiros.
Uma terceira cascata com as mesmas especificações deve entrar em atividade na INB no final de 2009. Enquanto isso, no Centro Tecnológico da Marinha (CTMSP), um tipo inteiramente novo de ultracentrífuga, ainda em testes de validação, deve estar disponível em 2011 - e será 40% mais eficaz.
Projeto e construção são nacionais. O urânio é enriquecido a 4%, nível adotado pelo País, e alimenta reatores de energia. Armas atômicas exigem graus superiores a 90% de beneficiamento. A agência de pesquisa fica no campus da USP e cuida dos planos de criação dos sistemas de propulsão nuclear para submarino de ataque.
É um objetivo de longo prazo que ganhou fôlego com a liberação de recursos determinada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva depois de uma visita a Aramar, em julho de 2007. Com dinheiro em caixa, “o plano foi retomado como um todo”, explica o capitão de fragata e engenheiro naval André Luis Ferreira Marques, do grupo de especialistas do CTMSP. Prova prática: estão abertos concursos para provimento de vagas - de engenheiros especializados a pessoal administrativo, cerca de 400 funcionários.
O submarino, de 6 mil toneladas, com 96,6 metros de comprimento e 100 tripulantes, exige cerca de 11 anos de trabalho. Antes disso, porém, será necessário testar e completar um reator PWR (de água pressurizada) de 48 MW. O dispositivo está pronto em Iperó, as grandes peças armazenadas em ambiente de gás inerte para evitar a deterioração. Aguarda a conclusão das obras do Laboratório de Geração Nucleoelétrica, o LabGene. O complexo teve as obras civis retomadas. Fica pronto no final de 2010.
O reator que permanece desmontado vale US$ 130 milhões. Expandido, ele servirá ao submarino e à produção de eletricidade de usinas regionais de 300 megawatts.
O Centro Tecnológico da Marinha vai receber R$ 1,040 bilhão em parcelas anuais de R$ 130 milhões. O dinheiro está sendo empregado no ciclo do combustível, geração de energia, propulsão e infra-estrutura. Marques estima que o processo exigirá sete anos, no mínimo, para ser completado.
O investimento no programa nuclear tem sido feito principalmente pelo Comando da Marinha, com recursos próprios. Desde 1979, as aplicações somam US$ 1,117 bilhão - só US$ 216 milhões vieram de outras fontes governamentais.
A ultracentrífuga é o produto mais sensível do processo. Os inspetores da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) não têm acesso às cascatas. As verificações previstas no acordo de salvaguardadas, firmado pelo governo brasileiro e renovado há pouco mais de dois anos, abrangem complexa contabilidade. “O que interessa à AIEA é saber o quanto de gás de urânio entrou no sistema, o quanto saiu de urânio enriquecido, o U235, e também de urânio empobrecido, o U238 - é uma equação que tem de fechar sem erro”, explica o almirante Carlos Bezerril, diretor-geral do CTMSP.
A regra de preservação do conhecimento sensível vale desde 2003, quando a Marinha e a INB passaram a cobrir com painéis todas as ultracentrífugas, permitindo aos peritos internacionais a observação apenas do circuito de entrada e saída. Em Iperó, a cascata de beneficiamento é monitorada ininterruptamente por câmeras blindadas guardadas em caixas que foram lacradas pela AIEA. As ultracentrífugas do Brasil utilizam a flutuação magnética para evitar o atrito entre partes móveis. Assim, duram mais e têm maior capacidade.
Os fundos liberados pelo presidente Lula permitirão o funcionamento, em dois anos, de uma central semi-industrial, para produzir até 40 toneladas por ano de gás de urânio, a última etapa do complexo ciclo do combustível nuclear que o País não executa, embora domine o conhecimento. A produção atenderá às necessidades do Comando da Marinha. A Força utiliza o hexafluoreto de urânio para ensaios científicos e para enriquecimento do mineral.
Estão sendo investidos cerca de R$ 40 milhões nas obras em Iperó. A Financiadora de Projetos e Pesquisas (Finep) destinou R$ 23,60 milhões para o projeto desde 2007. Atualmente, o urânio transformado em yellow-cake é enviado em tambores de 400 quilos para a empresa Cameco, do Canadá, que realiza, sob contrato, a conversão para o gás.”
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