O jornal espanhol El País publicou hoje uma boa entrevista de Juan Jesús Aznárez com o Ministro da Justiça Tarso Genro. Ela foi realizada em Madri, onde o ministro participou do seminário organizado pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) sobre educação, cooperação e segurança civil na Ibero-América.
Transcrevo a reportagem postada no site UOL com tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves. Este blog, visando a maior facilidade na leitura, inseriu subtítulos entre colchetes:
"O PAÍS PRECISA DE UMA PROFUNDA REFORMA POLÍTICA", AFIRMA TARSO GENRO
[CRESCIMENTO DA CLASSE MÉDIA NO BRASIL]
“A emergência de uma nova classe média no Brasil - uma notícia feliz na América Latina, periodicamente em crise - é conseqüência direta da estabilidade desfrutada pela maior economia da região, cujo PIB (Produto Interno Bruto) cresce 4,5% ao ano em média.
"Hoje há 25 milhões de pessoas, cerca de 8 milhões de famílias, que [saindo da pobreza] entraram na sociedade formal através do emprego e adquiriram um poder aquisitivo superior", salienta Tarso Genro (nascido em 1947), ministro da Justiça do governo Luiz Inácio Lula da Silva. "É uma nova classe média que tem uma renda familiar notável para o Brasil, de US$ 800 a 1.000, e que vive uma vida digna porque teve acesso ao mercado e ao consumo de bens fundamentais."
[O FORTALECIMENTO DA ECONOMIA BRASILEIRA]
O ministro, que participou em Madri do seminário organizado pela Organização de Estados Ibero-americanos (OEI) sobre educação, cooperação e segurança civil na Ibero-América, destaca que a economia brasileira prospera de maneira sustentada porque se afastou da vulnerabilidade do passado, quando sofria gravemente os efeitos das crises internacionais. "Com tudo o que temos hoje no sistema financeiro mundial, e os preços dos alimentos, o impacto em nosso país é muito pequeno."
Essa maior resistência aos embates externos foi obtida, entre outros fatores, pela abertura nacional aos biocombustíveis, entre eles o etanol; a pujança dos negócios derivados da agricultura, pelo acúmulo de reservas cambiais (cerca de 130 bilhões de euros).
"A agricultura familiar, por exemplo, produz 80% dos alimentos que o país consome", indica Genro, que a imprensa brasileira situa como um dos políticos melhor colocados para suceder Lula. "Hoje todos sofrem o bom e o ruim do que acontece em uma economia global integrada, mas deve-se julgar um processo pelos efeitos que tem quando a coisa está ruim. E nós estamos bem."
A Bolsa de São Paulo cresceu quase 350% desde 2003, o Brasil reduziu o serviço de sua dívida externa e o rápido crescimento da China ativou suas exportações de minério de ferro, soja e combustíveis alternativos.
[PROBLEMAS A RESOLVER]
Mas os problemas a resolver são numerosos, entre eles a injusta distribuição de renda: as diferenças entre ricos e pobres são abissais.
"As diferenças foram reduzidas. No último trimestre, a redução da diferença entre o salário mais baixo e o mais alto no Brasil foi de 7%. Isso é importante, mas ainda temos muito a fazer."
[A NECESSÁRIA REFORMA POLÍTICA]
O ministro da Justiça cita a reforma política como assunto fundamental, já que de sua aprovação decorreria um funcionamento mais moderno e justo da nação americana, com cerca de 190 milhões de habitantes e uma estrutura federal com sérios problemas na hora de integrar programas e orçamentos.
O Brasil é uma República federativa com 26 Estados e um Distrito Federal, onde se situa Brasília, a capital do país. Os Estados são muito heterogêneos: o de São Paulo tem tantos habitantes quanto a Argentina; outros, menos de 200 mil e alguns, como o Amazonas ou o Pará, são maiores que vários países europeus juntos.
Com tantas disparidades, se impôs o modelo federal, embora imperfeito, segundo o ministro. "Está em construção, não somente na relação horizontal entre os entes federados, mas também na relação vertical do Executivo federal com os entes da federação, que são três: o município, o Estado e a União federal." A reforma política incidirá sobre seu futuro.
A questão pendente é, portanto, capital. Por isso, o presidente Lula encomendou a Genro, junto com José Múcio, ministro de Relações Institucionais, uma proposta formal de reforma política, que deverão lhe apresentar até o fim de julho.
"É preciso uma profunda reforma política que organize o sistema de partidos e que faça algumas transformações importantes no sistema eleitoral, por exemplo, com financiamento público das campanhas eleitorais e com a votação não tanto no indivíduo quanto na chapa."
Para o titular da Justiça, a votação dos candidatos individualmente, com pouca ou nenhuma informação sobre sua filiação partidária, deve ser substituída pela votação em listas abertas. "É um dos elementos chaves. Quando você concorre com uma votação nominal para ser deputado, seu inimigo é o companheiro de seu partido porque tem de ter uma votação maior. E qual é a conseqüência no comportamento parlamentar? Há pressões de todo tipo sobre o orçamento do Executivo." Nesse sentido, como o Brasil é um país muito grande, os partidos políticos estão excessivamente regionalizados.
"Não se preocupam de maneira adequada com as graves questões nacionais, e sua relação com a estrutura estatal é em função de seus problemas locais e regionais, e isso determina uma confusão programática e uma ausência de clareza ideológica nos partidos", salienta Tarso Genro, um homem essencial no Partido dos Trabalhadores (PT) e nos dois governos Lula, pois conhece como poucos os mecanismos políticos e sociais. Também foi ministro da Cultura e das Relações Institucionais.
[A LUTA CONTRA O CRIME E A CORRUPÇÃO]
O delegado de Lula não oculta que o crime e a corrupção oficial, contra os quais "lutamos sem quartel", são outros graves problemas. Este ano lançou um programa, apoiado com US$ 800 milhões, para modificar drasticamente o modelo de relação entre os Estados e o governo federal. "Agora integramos as polícias e os corpos de inteligência. Até hoje a relação é: me dê dinheiro para mais carros, mais munições e mais armas, sem nenhum projeto unido nacional sobre a questão da segurança pública."
[AS FAVELAS E O NARCOTRÁFICO]
As favelas são inexpugnáveis? "Há uma preocupação especial com essas áreas, a ausência de normas do Estado. Mas é preciso compreender que sua criminalização é apenas uma parte da questão, porque o mercado da droga é um mercado da classe média alta e superior. Há um pacto perverso entre a pobreza da favela e a capacidade de consumo de droga das classes superiores, e é preciso romper essas vias de comunicação."
[O MOVIMENTO SEM TERRA]
E as pressões desde as bases do governo, setores eclesiásticos, o PT ou os sem-terra? "O Movimento Sem Terra, que tem relações estreitas com a Igreja, produz tensões fortes dentro do Estado de direito, preservando os direitos dos cidadãos, das organizações sociais, mas sem poder atender a todas as suas demandas", reconhece o ministro. Pedem terra, mas a reforma agrária "só pode ser feita com desapropriações pagas, e isso a torna excessivamente cara".
[MEIO AMBIENTE: DESENCONTROS POLÍTICOS]
O ministro da Justiça, membro da direção do PT, diz que 90% do partido está unido em torno do governo porque as políticas do Executivo anterior permitiram estabilidade, crescimento e distribuição de renda.
A demissão em maio da popular ministra Marina Silva, do Meio Ambiente, irritou os que rejeitam os negócios agrícolas à custa do desflorestamento da Amazônia. "Ela foi substituída por uma pessoa [Carlos Minc, fundador do Partido Verde do Brasil] com a mesma visão das questões ambientais. Houve desencontros políticos com a base do governo, e não por seus erros, mas por suas virtudes."
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