Se vivo, Santos-Dumont completaria hoje 135 anos. Ele foi um dos maiores gênios do mundo, e um dos menos reconhecidos por isso. Santos-Dumont foi um grande benfeitor para a humanidade e ser humano extraordinário. É o símbolo maior brasileiro de criatividade, de inovação tecnológica e de persistência no objetivo.
Há dois anos, foi comemorado o centenário do 1º vôo autônomo do homem com um aparelho "mais pesado que o ar", isto é, de um aparelho (mais tarde chamado de "avião"), que diferia dos já conhecidos "balões-dirigíveis". Do site da comissão governamental dedicada às comemorações daquele ano (2006), copiei um muito bom texto de Aluizio Weber datado de 22/09/2006, que enaltece o nosso grande herói da Pátria.
"SANTOS-DUMONT - UM BRASILEIRO
Como a maior parte do povo do Brasil, Alberto Santos-Dumont (1873-1932) era descendente de imigrantes. Um brasileiro típico.
Era neto de franceses, por parte de pai, e bisneto de portugueses, por parte de mãe.
Sempre evidenciou o seu orgulho de ser brasileiro. Considerava serem mérito do Brasil as suas conquistas ímpares para a humanidade.
A PRIMAZIA DO VÔO AUTÔNOMO
A principal conquista de Santos-Dumont foi ser o primeiro homem no mundo a voar em aparelho mais pesado que o ar utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho, sem auxílios externos.
Foi o primeiro a construir e pilotar avião que, usando apenas os meios de bordo, cumpriu todos os requisitos básicos de vôo: táxi, decolagem, vôo nivelado e pouso.
Além disso, foi o primeiro que isso demonstrou em público. Seu vôo pioneiro contou com o testemunho de multidão, a filmagem por companhia cinematográfica e o reconhecimento e a homologação dos órgãos oficiais de aviação da época, L’Aéro-Club de France e Fédération Aéronautique Internationale -FAI.
O vôo histórico aconteceu há cem anos, em 23 de outubro de 1906, com o 14-bis, em Bagatelle, Paris, França.
14-bis - DIMENSÕES E DETALHES
Por que esse nome estranho? Essa denominação adveio do fato de Santos-Dumont, na 1ª fase do desenvolvimento, ensaiar o novo aparelho acoplando-o ao seu balão-dirigível nº 14.
Como era o 14-bis? Seguem alguns dados técnicos sobre o histórico aparelho:
Envergadura: 12 m; comprimento: 10 m; altura: 4,80 m; superfície das asas: 80 m²; corda (largura) das asas: 2,5 m; separação entre os dois planos das asas: 1,5 m; conjunto estabilizador/profundor/leme de direção (simplificadamente, “lemes”): 3 m de largura, 2 m de comprimento e 1,5 m de altura; articulação dos “lemes” a 8 m da nacele; distância lateral entre as rodas: 0,70 m; hélice de 2 pás, peso de 8 kg, com 2,5 m de diâmetro; peso total do avião: 160 kg, não considerando o peso de Santos-Dumont (50 kg).
As asas eram formadas por seis “células de Hargrave”. Cada célula tinha a forma de cubo com duas faces vazadas. Os “lemes” compunham uma “célula de Hargrave”.
Todas as superfícies do 14-bis eram de seda japonesa; as armações, de bambu e pinho; as junções da estrutura e as hélices, de alumínio; e os cabos-de-comando, de aço.
Mais adiante, em “Vôos do 14-bis”, estão registrados detalhes sobre o motor.
“O 14-bis VOAVA DE COSTAS?”
Não. A forma do 14-bis, a qual veio a ser batizada em aviação como “canard” (pato, em francês), dá essa impressão, por apresentar os lemes na parte dianteira do avião. Ela, ressalta-se, foi bem escolhida por Santos-Dumont para vencer o desafio de alçar vôo.
Como a intenção principal de Santos-Dumont naquela fase era o 14-bis conseguir sair do chão e sustentar-se no ar, o ideal era obter o máximo de sustentação positiva (para cima), tanto na asa como no conjunto estabilizador/profundor (“leme horizontal”). A configuração “canard” propicia isso na decolagem. (OBS: “sustentação” significa a resultante das forças aerodinâmicas sobre uma superfície).
Se Santos-Dumont optasse por colocar o citado conjunto na traseira da fuselagem (como hoje é usual), haveria a necessidade de o leme horizontal ter sustentação negativa (para baixo) para fazer o avião “cabrar” (levantar o nariz) na decolagem. Desse modo, a soma das sustentações, a da asa e a do leme, seria menor do que a resultante obtida quando as duas referidas sustentações apontam para cima, como era o caso na configuração “canard” e, portanto, decolagem do 14-bis.
Assim, foi inteligentemente definida por Santos-Dumont a forma do 14-bis para aquele desafio de voar.
Contudo, a configuração “canard” não é a melhor para a estabilidade e o controle de um aeroplano, sendo por isso menos usada posteriormente. Nos seus inventos seguintes, como os aviões nº 15 e Demoiselle, Santos-Dumont não mais usou aquela configuração.
VÔOS DO 14-bis
Os Prêmios Archdeacon e do Aeroclube de França, noticiados desde março de 1904, estimularam os inventores do mundo para a realização do primeiro vôo autônomo de mais de 25 m com aparelho mais pesado que o ar. Era a primeira etapa. O prêmio completo veio a compreender um vôo de um quilômetro em circuito fechado.
Santos-Dumont, que até então se destacara com os “mais leves que o ar” (balões livres e balões-dirigíveis), aceitou o desafio e em 02/01/1906 se inscreveu na competição. Segundo a imprensa da época, ele inicialmente pensava em competir com o seu projeto nº 12, um helicóptero com duas hélices, que não chegou a voar.
Em 18/07/1906, concluiu o 14-bis, cuja concepção e desenvolvimento estava sendo por ele maturada sem publicidade há algum tempo. Em 23 de julho, ensaiou em público, em Bois de Boulogne, Paris, o novo avião preso ao balão-dirigível nº 14. Em seguida, experimentou-o deslizando em um cabo inclinado, sendo o 14-bis levado até a parte mais alta do cabo puxado por um burrico. A partir de 21 de agosto, passou a experimentar o aeroplano separado do dirigível e fora do cabo, em campo aberto.
O 14-bis estava, inicialmente, equipado com um motor de apenas 24 Hp, a gasolina, tipo Antoinette, com 8 cilindros (4x4, em “V”), construído por León Levavasseur. Santos-Dumont percebeu estar o avião submotorizado.
VÔOS DO 14-bis EM SETEMBRO DE 1906
No mês seguinte, em setembro do mesmo ano de 1906, Santos-Dumont utilizou no 14-bis o mesmo motor Antoinette, porém por ele aperfeiçoado, com menos peso (total de 72 kg) e um carburador (de carro Fiat), alcançando 50 Hp. A hélice girava a 1500 rpm.
Naquele mês, ocorreram os seguintes ensaios, no Campo de Bagatelle, Paris:
• 07/09/1906 (17h00): tentativa de vôo de Santos-Dumont, no aniversário da Independência do Brasil. O 14-bis realizou apenas um salto de 2 m;
• 13/09/1906 (08h40): voou a distância de 7,8 m; à altura de menos de 1 m. Esse vôo, para alguns, também foi somente um pulo. Não conquistou nenhum prêmio (para isso, o vôo deveria ser de mais de 25 m). Contudo, ata do Aeroclube da França de 13/09/1906 e o jornal L’Illustration de 22/09/1906 se referiram a esse feito do 14-bis, e a essa data, como o primeiro vôo autônomo no mundo de aparelho mais pesado que o ar.
VÔO DO 14-bis EM 23 DE OUTUBRO DE 1906
CONQUISTA DO PRÊMIO “ARCHDEACON”
Esse dia veio a ser de grande significado para a humanidade.
Em 23/10/1906 (16h45), após corrida no solo de 200 m, o 14-bis voou a distância de 60 m, à altura de 2 a 3 m, em 7 segundos (s).
Santos-Dumont conquistou, com esse vôo, o prêmio estabelecido pelo capitalista francês Ernest Archdeacon ao “primeiro aviador que conseguisse voar distância de 25 m com ângulo máximo de desnivelamento de 25 %”.
A notícia rapidamente espalhou-se e foi muito publicada nos jornais do planeta. Por exemplo, o “The Illustrated London News”, de Londres, em 03/11/1906, publicou: “The first flight of a machine heavier than air: Mr. Santos-Dumont winning the Archdeacon Prize”. Na mesma ocasião, o norte-americano Gordon Bennet, fundador e proprietário do famoso “New York Herald”, escreveu no seu jornal sobre a façanha de Santos-Dumont: "The first Human mechanical flight". Assim também foram as manchetes de vários outros grandes jornais em todo o mundo.
Além do Aeroclube da França, a Federação Aeronáutica Internacional (FAI) reconheceu a conquista do prêmio, pois o 14-bis voara muito mais do que o limite mínimo de 25 m. Todavia, aquele vôo de 60 m em 23/10/1906 não teve todas as precisas medições pela FAI para formal homologação de recorde, a qual veio a ocorrer em outra experiência duas semanas após, em 12 de novembro de 1906.
VÔO DO 14-BIS em 12 DE NOVEMBRO DE 1906:
a
CONQUISTA DO PRÊMIO AEROCLUBE DA FRANÇA
e do
PRIMEIRO RECORDE OFICIAL DE AVIAÇÃO
O Prêmio do Aeroclube da França, de 1500 francos foi destinado ao primeiro homem no mundo que realizasse, com os próprios meios do aparelho, vôo de mais de 100 m de distância com ângulo máximo de desnivelamento de 10 graus.
Vinte dias após o seu grande feito de 23 de outubro, Santos-Dumont prosseguiu em 12 de novembro na tentativa de também vencer aquele desafio lançado pelo Aeroclube da França.
O 14-bis, nessa data, apareceu aperfeiçoado com a novidade tecnológica “ailerons”, superfícies móveis colocadas nas asas, uma em cada lado, para melhorar o controle lateral do avião (em “rolamento”).
Registram-se as cinco tentativas de Santos-Dumont naquele dia:
• 10h00: na primeira experiência, o 14-bis voou por 5 segundos a distância de 40 m, a 40 cm de altura, hélice a 900 rpm;
• 10h25: realizou dois vôos em uma mesma corrida, um de 40 m e outro de 60 m.
• 16h09: vôo de 50 m;
• Pouco após o vôo anterior: voou 82,6 m, em 7 s e 1/5, à velocidade média de 41,292 km/h;
• 16h45: diferentemente de todos os vôos anteriores, Santos-Dumont decolou contra o vento. O 14-bis voou a distância de 220 m, à altura de 6 m; duração: 21 s e 1/5; velocidade média de 37,4 km/h.
Santos-Dumont conquistou, com esse vôo de 220 m, o prêmio do Aeroclube da França, a ser concedido ao “primeiro aeroplano que, levantando-se por si mesmo, voasse distância de 100 m com desnivelamento máximo de 10 %”.
Aquele último vôo de 12 de novembro foi mais alto do que os anteriores, a 6m de altura, com ligeira curva à direita. O próprio Santos-Dumont escreveu que o vôo foi assim mais alto e não foi mais longo por conta da multidão que, ovacionando-o, correu perigosamente para perto do aparelho, obrigando o piloto a reduzir o motor e ao rápido pouso. A aterrisagem ocorreu com a asa direita tocando levemente o solo antes de o trem-de-pouso tocá-lo, sem maiores danos para o avião.
A CONQUISTA DOS PRIMEIROS RECORDES DA AVIAÇÃO MUNDIAL
O vôo de 220 m foi homologado pela Federação Aeronáutica Internacional (FAI) como o primeiro recorde mundial de aviação. Recorde mundial de distância de vôo, sem escala, de aparelho mais pesado que o ar. A FAI também considera o penúltimo vôo do 14-bis naquela data como o primeiro recorde mundial de velocidade em vôo, 41,292 km/h.
A revista norte-americana “National Aeronautics” (nº 12, volume 17, de 1939), órgão oficial da “National Aeronautics Association” sediada em Washington-EUA, também registrou aquele vôo de 220 m de Santos-Dumont como o primeiro recorde de aviação do mundo. A revista descreveu os posteriores recordes de distância de vôo. Somente em oitavo lugar aponta o recorde de Wilbur Wright, dois anos após, em 21/09/1908, na França, comentado em outro tópico deste texto, a seguir.
QUEBRA DOS RECORDES DE SANTOS-DUMONT
Os recordes de Santos-Dumont alcançados em 12/11/1906 foram suplantados por outros somente um ano depois.
O recorde de velocidade foi superado em 24/10/1907 pelo francês Henri Farman (avião de Gabriel Voisin), com 52,7 km/h. Com o mesmo avião, dois dias após, H. Farman voou 771 m em 52 s, superando pela primeira vez o recorde de distância de Santos-Dumont. Em 13/01/1908, Farman, com um biplano Voisin, conquistou o “Prêmio Deutsch-Archdeacon” (50.000 francos) estabelecido em 1904, ao voar mais de um quilômetro em circuito fechado em Issy-les-Molineaux, sudoeste de Paris.
Posteriormente, 22 meses depois dos recordes pioneiros de Santos-Dumont e 9 meses após a conquista do prêmio Deutsch-Archdeacon por Farman, o público e as comissões oficiais viram, pela primeira vez, nos Estados Unidos e na Europa, vôo dos irmãos Wright.
1907- ÚLTIMO VÔO DO 14-bis
Após os históricos vôos de 23 de outubro e de 12 de novembro de 1906, Santos-Dumont ainda realizou outros pequenos vôos com o 14-bis. Cinco meses depois, encerrou os ensaios com o famoso aparelho. Em 4 de abril de 1907, no campo da Escola Militar, em Saint Cyr, Paris, depois de vôo da ordem de 30 m, pousou bruscamente, tocando com a asa esquerda no solo e danificando definitivamente o famoso avião. Uma semana antes, 27 de março, Santos-Dumont já havia sofrido no mesmo local outro sério acidente com o seu novo projeto de biplano, o nº 15, equipado com motor de 100 HP, asas de madeira compensada e leme de direção na cauda, configuração não mais “canard”. Esse novo avião não voou. Foi destruído em uma tentativa de decolagem.
O REVOLUCIONÁRIO AVIÃO “DEMOISELLE”
Santos-Dumont não esmorecia. Continuou em 1907 apresentando ao mundo novos inventos. O de nº 16 foi uma mistura de avião e dirigível. O de nº 17 foi um aperfeiçoamento sem sucesso do acidentado nº 15. O projeto nº 18 foi um deslizador aquático; grosso modo um hidroavião sem as asas. Uma invenção genial foi o modelo de nº 19.
Em 16 de novembro de 1907, em Bagatelle, apenas sete meses depois do último vôo do 14-bis, Santos-Dumont já fazia o vôo inaugural (200 m) do seu revolucionário nº 19, o “Demoiselle”, minúsculo, simples e leve. O Demoiselle tinha área alar de 10 m² (oito vezes menor que a do 14-bis), envergadura de ínfimos 5,60 m e pesava somente 60 kg (68 kg nos modelos nº 21 e 22), quase 1/3 do peso do já levíssimo 14-bis. Era avião muito avançado, de alto desempenho, veloz e extremamente simples e compacto. Decolava em pista de somente 70 m.
Nos diversos modelos de Demoiselle desenvolvidos de 1907 a 1909, modelos nº 19, 20, 21 e 22, Santos-Dumont foi introduzindo aperfeiçoamentos e inovações técnicas. Neles, utilizou motores de 20 a 35 Hp.
Com o modelo “Demoiselle nº 22”, estreado em Issy em 06/03/1909, Santos-Dumont voou, em 06/04/1909, a distância de 3 km. Em 13/09/1909, voou 8 km em cinco minutos, alcançando velocidade impressionante para a época: 96 km/h. Chegou a realizar vôos de até 18 km de distância, como o ocorrido em 17/09/1909. Na véspera, 16 de setembro, havia estabelecido um recorde mundial, ao decolar após uma curta corrida de apenas 70m, em 6 segundos.
No dia seguinte, em 18/09/1909, aos 36 anos de idade, após 12 anos de intensos, ininterruptos, perigosos e estressantes trabalhos, Santos-Dumont realizou o seu último vôo como piloto. Em Saint Cyr, Paris, sobrevoou o público com os dois braços abertos e fora dos comandos, um lenço em cada mão. Soltou os lenços em vôo, aplaudido. Foi a sua despedida.
Santos-Dumont colocou esse modelo de avião à disposição pública, com todos os detalhes e especificações, para livre reprodução, sem nenhum direito comercial para o seu inventor.
O Demoiselle foi o primeiro avião fabricado em série no mundo. No final de 1909, mais de 40 já haviam sido construídos e vendidos (ao preço de 5.000 a 7.500 francos, valor na época de automóvel de tamanho médio).
Alguns livros registram já terem sido até hoje construídos mais de 300 Demoiselles, e com a surpreendente marca de não ter ocorrido com o modelo um só acidente fatal.
OS PRIMEIROS MONUMENTOS EM HOMENAGEM A SANTOS-DUMONT
Em 1910, com a presença de Santos-Dumont, foi inaugurado em Bagatelle, Paris, por iniciativa do Aeroclube da França, o marco de granito de 3 m de altura o qual assinala os primeiros recordes de aviação do mundo estabelecidos por Santos-Dumont: “Ici, le 12 novembre 1906, sous le controle de L’Aero-Clube de France, Santos-Dumont a etabli les premiers recordes d’aviation du monde: durée 21 s 1/5; distance 220 m”.
Três anos depois, em 19/10/1913, foi inaugurado em Saint-Cloud, Paris, na praça batizada “Santos-Dumont”, o monumento conhecido como “Ícaro de Saint-Cloud”, com os dizeres: “Este monumento foi erigido pelo Aeroclube da França para comemorar as experiências de Santos-Dumont, pioneiro da locomoção aérea. 19 de outubro de 1901 e 23 de outubro de 1906”. Foi a primeira vez que Paris homenageou alguém em vida com um monumento.
Santos-Dumont assistiu ao ato muito emocionado, não conseguindo concluir o seu discurso. Uma réplica do monumento, presenteada pela França, repousa sobre o seu túmulo, no cemitério São João Batista, Botafogo, Rio de Janeiro.
A PRIMAZIA DE SANTOS-DUMONT e os IRMÃOS WRIGHT
Os irmãos Wright conseguiram em 21/09/1908, em Anvours (França), voar publicamente e até superar em muito as marcas de Santos-Dumont com o 14-bis.
Porém, isso ocorreu dois anos após Santos-Dumont já ter conquistado os primeiros recordes aeronáuticos oficiais do mundo. Em 1908, o nosso pioneiro já voava há um ano o seu genial e avançado Demoiselle, e a aviação já demonstrava progresso acelerado em várias partes do mundo.
Ainda mais, o avião “Flyer” dos Wright voado na França ainda dependia de lançamento por grande catapulta, de vento forte e de trilho em ladeira para poder decolar. O trilho poderia ficar na horizontal se houvesse vento frontal superior a 36 km/h, explicou a instituição norte-americana “National Aeronautics Council” (livro de N. H. Randers-Pehrson, pág. 35, Biblioteca do Congresso, EUA, 1944).
O que era a catapulta? Era uma grande estrutura que, por meio de queda de 5 m de altura de um grande peso de mais de 300 kg, tracionava violentamente o avião sobre um trilho e, assim, o lançava no ar em decolagem.
Essa dependência da catapulta perdurou até 1910. Anatole France publicou em 1909: “Wright détient le record de la distance, seul ou à deux. Il ne s’est point encore envolé par ses propres moyens” (Whright detém o recorde de distância, só e em dupla. Ele ainda não voou por seus próprios meios).
Na prática, o “Flyer” era muito bom planador e um avião com insuficiente motorização para decolar sem auxílio externo.
Aquele vôo dos irmãos Wright comprovado em público em Anvours foi realizado com o “Flyer” diferente do que teria sido o “Flyer 1” de 1903. Os irmãos Wright noticiaram que até então utilizavam motor desenvolvido por eles, que pesava 109 kg e alcançava apenas 12 Hp (16 Hp máximos, por alguns instantes).
Diferentes registros da época apontam que o novo motor do “Flyer 3”, voado em 1908, desenvolvia até 50 Hp. Aquela versão mais potente de motor surgira tão logo os Wright foram a França, no final de 1907. A “Société Française Bariquand et Marre” (oficina na rua Oberkampf em Paris) modificou o motor original, principalmente o sistema de ignição, elevando a sua potência para mais de 30 Hp. Em três meses, o novo motor “Bariquand et Marre” foi redesenhado, construído e ensaiado, permitindo os vôos do Flyer em setembro de 1908.
Mesmo assim, os irmãos Wright diziam terem realizado sigilosamente o primeiro vôo de avião no mundo cinco anos antes, com o “Flyer 1”, em 17/12/1903. Disseram que tal avião não foi mostrado a terceiros, nem poderia, pois teria sido completamente destruído logo após o alegado vôo secreto de dezembro de 1903. Somente em 1908, apresentaram alguns supostos restos do “Flyer 1” de 1903 e, como respaldo, o nome de cinco testemunhas das redondezas de Kitty Hawk, algumas delas seus contratados. Está no museu Smithsonian (Washington-EUA) o resultado da reconstrução imaginada sobre aqueles hipotéticos pedaços do “Flyer 1”.
As “provas” dos vôos que teriam sido feitos desde 1903 foram apresentadas pelos irmãos Wright extemporaneamente. Somente em 1908 mostraram: uma foto sem data do Flyer (sem rodas, a alguns palmos de altura sobre o trilho lançador); o diário deles, onde diziam terem voado “n” metros por “t” segundos nas datas “x”, “y”, “z”; e um telegrama passado por eles mesmos ao pai “Quinta-feira, de manhã, tivemos sucesso em quatro vôos, graças a ventos de 40 km/h”.
Essas “evidências” eram consideradas insubsistentes pelos órgãos oficiais de aviação e pela imprensa em geral, inclusive a norte-americana, que então divulgava a primazia de Santos-Dumont desde 1906.
A suspeita de embuste dos Wright era generalizada. Por exemplo, o “Illustration”, de Paris, em 6 de julho de 1908, publicou: “Ce document est une épreuve sur papier photografique. Mais est-ce une photografie? L’aspect est bien equivoque et on y remarque tous les caractéres d’un truc”.
Especialistas em engenharia aeronáutica calculam que, mesmo com toda a atual tecnologia, seria impossível, com a potência de somente 12 Hp a 16 Hp, fazer decolar o “Flyer 1”, que pesava 340 kg de acordo com os dados fornecidos pelos Wright.
Um detalhe intrigante. É incompreensível os Wright não se terem interessado por competir pelo grande prêmio oferecido na Exposição de Saint Louis-EUA, em 1904, para quem realizasse vôo com aparelho mais pesado que o ar. Eles já estariam voando há um ano, e St. Louis era relativamente próxima de Dayton, não era tão distante como a França (a 10.000 km) onde eles foram pela primeira vez demonstrar vôo quatro anos mais tarde (1908) sob a atração de prêmio de valor idêntico ao oferecido nos EUA em 1904.
A imprensa norte-americana havia sido acionada pelos dois irmãos para uma demonstração em abril de 1904. Porém, após cinco dias de tentativas, o que os repórteres viram os fez descrer da capacidade de vôo do Flyer. Em 1905, a imprensa foi novamente convidada à fazenda “d’Huffman Prairie”, Dayton. Contudo, como nada aconteceu de interessante, os jornalistas apenas publicaram comentários muito sucintos (segundo o livro “Chronique de l’Aviation”, de Edouard Chemel, pág. 39, Editora Jacques Legrand, Paris, 1991).
O próprio War Departement dos EUA ainda não dava crédito em 1905, por falta de provas, às alegações dos Wright. As poucas notícias que surgiram naquela época em jornais e revistas norte-americanas e européias foram decorrentes de matérias enviadas pelos próprios Wright. Por exemplo, a revista “Aerophile” publicou relatório por eles enviado a Gerge Besancon. Igualmente, enviaram em outubro de 1905 relatos dos seus vôos para a Royal Aeronautical Society (a Patrick Alexander) e para o correspondente americano da revista “Illustrierte Aeronautische Mitteilungen”. Esses relatos dos Wright foram publicados e muito comentados.
Todavia, não há registro de algum vizinho dos Wright, ou de qualquer dos transeuntes da estrada próxima de intenso movimento, que ligava Springfield a Dayton, ter visto ao menos um dentre as centenas de vôos que eles afirmaram ter realizado de 1903 a 1908. Nem uma única reportagem comprovando aqueles vôos havia sido, até 1908, publicada pela perspicaz, eficiente e já mundialmente atuante imprensa norte-americana. Nem mesmo em Kitty Hawk, North Carolina, e em Dayton, Ohio, onde eles teriam realizado os alegados pioneiros, surpreendentes, fantásticos e longos vôos.
Caso houvesse crédito sobre a realização dos aludidos vôos, eles teriam merecido, inevitável e imediatamente, gigantescas manchetes nos jornais dos EUA e do mundo inteiro.
Uma das poucas testemunhas citadas, o telegrafista Alpheus W. Drinkwater, que trabalhava na estação do local dos supostos vôos dos Wrights, e que expediu o já citado telegrama dos dois irmãos para o pai em 17/12/1903, declarou que, naquela data, os Wright apenas planaram e que o primeiro vôo somente aconteceu em 06/05/1908, isto é, cinco anos depois (entrevista publicada no “The New York Times” de 17/12/1951, na data de comemoração do cinqüentenário do suposto vôo pioneiro).
Em 12 de março daquele ano de 1908, aconteceu em Hammondsport-New York-EUA o vôo que foi na época considerado nos Estados Unidos como o primeiro vôo oficial realizado naquele país de um aparelho mais pesado que o ar. Foi com o aparelho “Red Wing” da “L’Aerial Experiment Association” de Graham Bell, projetado por Selfridge, pilotado por Casey Baldwin sobre o lago Keuka congelado. Foi um vôo de 97,3 metros confirmado por 25 testemunhas oficiais.
Os irmãos Wright, que então muito divulgavam seus vôos, mas não demostravam, haviam se recusado a participar do desafio lançado pelo jornal “Scientific American” porque as regras estipulavam que o aparelho deveria decolar sem auxílio externo (“Chronique de l’Aviation”, de Edouard Chemel, págs. 54 e 57, Editora Jacques Legrand, Paris, 1991).
O primeiro vôo dos Wright realmente testemunhado nos EUA foi em 4 de setembro de 1908 (Fort Myer, Virginia). O fotos e filmes desse vôo em Fort Myer ainda hoje são muitas vezes repetidos nas televisões do mundo como sendo do suposto primeiro vôo de 1903.
Curiosamente, sem reivindicar o pioneirismo, por muitos anos eles acompanharam em silêncio os retumbantes feitos de Santos-Dumont em 1906, fartamente publicados como os primeiros vôos do mundo também na imprensa norte-americana. Pediram, todavia, ao seu correspondente na França (Cap Ferber) detalhes técnicos do 14-bis. Esperaram de 1903 a 1908 para demonstrar em público algum vôo. Assim mesmo, quando apareceram em 1908, fizeram grande vôo somente parcial (com lançamento no ar por catapulta), e na ocasião em que muitos (Santos-Dumont, Farman, Blériot e outros) já realizavam vôos completos, partindo do solo utilizando somente a força do próprio motor da aeronave.
Estranho, também, é terem os irmãos Wright requerido na Inglaterra, em 19/03/1904 (portanto, meses depois de seus alegados vôos motorizados de 17/12/1903) patente apenas para planador, sem motor (patente nº 6.732/1904). Da mesma forma incompreensível, em 22/05/1906, três anos após terem, diziam, desenvolvido o avião, os Wright obtiveram nos EUA a patente nº 821.393, mas somente para outro planador aperfeiçoado!...Eles nunca obtiveram patente para qualquer avião.
Observa-se que apenas voar e pousar (sem decolar pelos próprios meios) não era novidade na época. Otto Lilienthal já o fizera com êxito na Alemanha desde 1891 com planadores. Lilienthal não tivera sucesso com a motorização. Experimentou motor (a vapor) sem resultados positivos.
O francês Clément Ader também já havia tentado em 1897 voar o seu “avion”, equipado com motor a vapor. A tentativa não alcançou sucesso, atestou relatório, antes secreto, que foi tornado público pelo Ministro da Guerra francês (Gen Brun) após polêmica sobre pioneirismo surgida com o feito de Santos-Dumont. O debate fora alimentado publicamente até pelo General Mensier, do Exécito francês, um dos membros da comissão que antes registrara, sigilosa e oficialmente, o insucesso da tentativa de vôo de Ader.
Houve menções na imprensa, também, de que o romeno Trajan Vuia já teria voado em público 12 m, a 0,5 m de altura, em Montesson, perto de Paris, em 18/03/1906, utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho. Contudo, não houve controle oficial, nem testemunhas ou registros críveis para tal vôo.
Uma grande corrente de partidários da primazia dos Wright baseia-se no conceito de que o Flyer 3, mesmo decolando com ajuda externa, era um avião “mais prático”, mais manobrável e com maior autonomia do que o mais instável 14-bis. Porém, comparam o 14-bis de 1906 com o avião norte-americano demonstrado apenas em 1908. Omitem o fato de que, em 1907 e 1908, Santos-Dumont já voava o seu avançado e genial Demoiselle.
Recentemente, em 17 de dezembro de 2003, na comemoração oficial do centenário do reivindicado primeiro vôo do “Flyer 1”, perante o presidente dos EUA e milhares de pessoas, a réplica fiel não conseguiu decolar, caindo pouco após o dispositivo lançador. Foi então divulgado que aquela réplica não voara porque, diferentemente, o suposto “Flyer 1” de 1903 decolara beneficiado por campo (e trilho) pendente com 9° de inclinação e por vento frontal de 40 km/h.
O fato é que os EUA resolveram, mais fortemente a partir dos anos quarenta, elevar os irmãos Wright à condição de primazia no mundo e aquelas “provas”, antes depreciadas, passaram a ser citadas como documentos históricos comprovadores dos vôos pioneiros. Fruto de grande esforço institucional e de mídia, as desacreditadas alegações pouco a pouco viraram “fatos verdadeiros” para o povo norte-americano e para muitos outros em todo o mundo.
Enfim, não se coloca em dúvida, neste texto, a relevante participação dos irmãos Wright, e de tantos outros precursores, no grande e rápido desenvolvimento da ciência aeronáutica acontecido naquele final do século XIX e início do século XX. Trata-se de, por justiça, devolver a Santos-Dumont o devido lugar ímpar de primazia e de destaque na história.
Evitando-se ampliar a desnecessária polêmica sobre quem fez o que primeiro, e até admitindo-se, hipoteticamente, a veracidade da alegação dos irmãos Wright, ainda assim as seguintes verdades permanecem indiscutíveis:
• Santos-Dumont foi o primeiro homem que comprovadamente voou aparelho mais pesado que o ar (o 14-bis) utilizando unicamente os recursos do próprio aparelho.
• Foi o primeiro que comprovadamente cumpriu todos os requisitos básicos de vôo de avião usando apenas os meios de bordo: táxi, decolagem, vôo nivelado e pouso.
• Foi o primeiro homem a isso demonstrar oficial e publicamente. Sua vitória ocorreu com o testemunho de multidão, da imprensa, de filmagem por companhia cinematográfica e de comissão oficial previamente convocada.
• Sua conquista mereceu o reconhecimento e a homologação como primeiro vôo autônomo no mundo pelos órgãos oficiais de aviação da época, L’Aéro-Club de France e Fédération Aéronautique Internationale -FAI.
A distorção da história por motivações nacionalistas, mesmo que conduzida mundial e persistentemente pela mídia, não poderá apagar esses fatos históricos oficialmente registrados, que certificam e glorificam os feitos pioneiros de Santos-Dumont.
2006 – CEM ANOS - O RECONHECIMENTO NORTE-AMERICANO DA PRIMAZIA DE SANTOS-DUMONT
Neste ano em que se comemora o centenário do grande feito de Santos-Dumont com o 14-bis, ocorreu o registro em monumento do reconhecimento feito pelo renomado Instituto Americano de Aeronáutica e Astronáutica (American Institute of Aeronautics and Astronautics – AIAA) da primazia do vôo de Santos-Dumont, utilizando somente os meios próprios da aeronave.
O AIAA é uma entidade norte-americana, sem fins lucrativos. Tem 35.000 membros em todo o mundo. Conduz conferências técnicas e publica sete jornais e dezenas de livros anualmente. O AIAA reconhece os “Sítios Históricos Aeroespaciais”. Mais de 30 sítios já foram eleitos, a maioria nos Estados Unidos. Quatro encontram-se em outros países.
O AIAA, este ano, homenageou Santos-Dumont. Foi a primeira vez que uma pessoa, além de um local, foi escolhida pelo AIAA para ser homenageada. A homenagem a Santos-Dumont incluiu uma placa de bronze, de aproximadamente 60 x 42 cm, com os seguintes dizeres:
“Born 20 July 1873 in state of Minas Gerais, Alberto Santos Dumont moved to Paris in 1891 but never forgot his birthplace. He soon began experimenting with flying, and designed his first balloon, the Brasil, in 1898. He later built and flew 11 dirigibles, including the prize-winning Number 6. He flew his first airplane, the 14-bis, on October 1906, the first aircraft to take off and land without any external assistance (*). His many other contributions to aviation included his 1907 Demoiselle, the precursor to modern light airplanes. He returned definitely to Brazil in 1931 and died in 1932”.
(*) o primeiro avião a decolar e pousar sem qualquer auxílio externo.
Essa placa foi colocada sobre pedestal erigido em frente à casa natal de Santos-Dumont, em Cabangu, município de Santos Dumont-MG, e descerrada pelo representante norte-americano do AIAA em bonita e singela solenidade, em 13/09/2006.
PRÊMIO “DEUTSCH DE LA MEURTHE”
É oportuno também relembrar outro grande feito anterior de Santos-Dumont. Ele já havia granjeado a glória e a fama em todo o planeta, cinco anos antes do vôo do 14-bis. A idolatria por Santos-Dumont já era tanta que ele ditava a moda masculina em Paris e no mundo. Copiavam o seu modelo de chapéu, de colarinho, de bainha de calças, de penteado. Até lançou e popularizou o uso masculino civil do relógio de pulso (tal modelo de relógio foi por ele concebido e usado, mas o relógio de pulso não foi uma “invenção” sua).
Aquele ápice da celebridade ele alcançara em 19/10/1901. Conquistara desde então a fama ao realizar a primeira viagem no mundo de balão dirigível em circuito fechado e dentro de trajeto (11 km, que abrangia rodear a Torre Eiffel) e de tempo (limite de 30 minutos) pré-estabelecidos, tudo testemunhado por multidão e pela comissão oficial previamente convocada, merecendo o vultoso prêmio “Deutsch de la Meurthe” (total de 129.000 francos da época; distribuiu esse prêmio entre os seus mecânicos e os pobres de Paris). O seu feito significou o domínio completo e prático da dirigibilidade dos balões.
O GÊNIO
Santos-Dumont foi um gênio em múltiplas atividades. É impressionante Santos-Dumont ter sido, ao mesmo tempo, o genial inventor, o inteligente construtor dos próprios inventos surpreendentemente simples, eficientes e leves, o corajoso piloto de provas de seus artefatos futuristas inusitados e o competidor vencedor. Competiu em corridas de carros, de triciclos, em provas de balões livres, em desafios de dirigibilidade de balões e de vôo do mais pesado que o ar.
Santos-Dumont, na persistente busca da realização do seu objetivo maior, voar, tornou-se homem culto. Com boa base de conhecimentos gerais adquirida na infância e na adolescência, dedicou-se aos estudos de física, eletricidade, química, mecânica.
Dominava os idiomas francês, inglês, espanhol, além do português. Em 1931, pelo valor da sua obra literária sobre seus inventos e experiências, foi eleito membro da Academia Brasileira de Letras (na vaga de Graça Aranha; cadeira nº 38), não tomando posse do cargo.
Em cerca de doze anos de atividades intensas (1898 a 1909), Santos-Dumont produziu um invento importante a cada seis meses, em média. Sua rapidez de concepção e de produção de inovações tecnológicas foi extraordinária e ainda seria impressionante nos dias atuais.
Naquele período, concebeu, projetou, construiu (com recursos próprios), testou (com reais e constantes riscos de morte) dois balões, doze dirigíveis e três tipos de aviões, entre outros inventos e pesquisas, como a do helicóptero e a do deslizador aquático.
Em cada um dos projetos, incorporou muitas de suas invenções, como mecanismos de controle de vôo, equipamento auxiliar de partida do motor, e muitas outras criações. Pela primeira vez em aviação, utilizou o motor a petróleo e materiais como o alumínio e cordas de piano (em lugar de cordas de fibra vegetal, então usadas).
Concebeu e construiu, em 1899, o primeiro hangar do mundo. Esse hangar trazia a inovação de um simples e preciso sistema deslizante de movimentação de suas grandes e pesadas portas, mais de 4 toneladas cada uma. Uma criança as abria com facilidade.
Para alcançar maiores potência e leveza em seus inventos, projetou, desenvolveu e construiu motores inovadores, como o de dois cilindros superpostos em apenas uma biela e um cárter, que utilizou no balão-dirigível nº1, e o de cilindros horizontais e opostos, configuração hoje comumente utilizada, que empregou no “Demoiselle”.
Para construir esse motor do Demoiselle, Santos-Dumont usou instalações e maquinários da fábrica francesa Darracq. Essa empresa quis usufruir da patente. Santos-Dumont, pela primeira e única vez, entrou na Justiça reivindicando os seus direitos de autoria. Ganhou a causa e também colocou aquela sua invenção para o domínio público.
Santos-Dumont presenteou a todos, sem nada cobrar, todas as suas dezenas de invenções. Esse altruísmo era apenas uma das muitas e belas facetas do seu caráter exemplar. Com princípios puros, dedicou sua obra à Humanidade. Santos-Dumont é herói brasileiro irrepreensível nos campos ético e moral.
O OCASO
Por tudo isso, sacrificou a sua vida. Tardiamente, pensou nele mesmo. Gabriel Voisin na revista francesa “Pioniers” (jan/1967), relatou que em 1926 Santos-Dumont, com 53 anos, apaixonado pela filha daquele seu grande amigo, pediu-a em casamento. A diferença de idade (a moça tinha 17 anos) inviabilizou a união.
Desde os 40 anos de vida, envelhecido prematuramente, pouco a pouco ficou mais evidente que Santos-Dumont padecia de doença não muito conhecida na época. Cada vez mais recluso, com tristeza, angústia, remorso, sentia-se culpado da guerra aérea, dos acidentes aeronáuticos. Hoje, com o avanço da medicina, provavelmente sua moléstia seria diagnosticada como depressão, tratável inclusive com medicamentos. Na maioria dos casos, a depressão resulta da interação entre uma predisposição genética e fatores ambientais, como traumas emocionais e o estresse, os quais, por certo, estiveram fortemente presentes na sua obcecada, tensa, destemida e acidentada vida. É comum o suicídio em sofredores dessa doença, quando não medicados. Santos-Dumont assim morreu em 23 de julho de 1932, aos 59 anos.
CONCLUSÃO
Em resumo, Santos-Dumont foi um grande benfeitor para a humanidade e ser humano extraordinário. É o símbolo maior brasileiro de criatividade, de inovação tecnológica e de persistência no objetivo.
Tudo isso em um homem só. “É Santos-Dumont, um Brasileiro!” (refrão de modinha popular, em 1902, de Eduardo das Neves)."
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