quarta-feira, 27 de agosto de 2008

KOSOVOS BRASILEIROS

Li no “Correio Braziliense” de ontem o seguinte artigo de Luiz Eduardo Rocha Paiva, General da reserva do Exército, sobre um tema que está em debate no mídia: índios e Amazônia.

“A história ensina que cenários semelhantes, mesmo em episódios distintos e distantes no tempo, podem ter desfechos análogos. O tempo estratégico não se conta ano a ano, portanto, erros de hoje produzem conseqüências décadas adiante.

A Bolívia vendeu o Acre, em 1903, por não tê-lo ocupado com seu povo após o Tratado de Ayacucho, de 1867, que lhe fora favorável. Quando quis fazê-lo, em 1898, o Acre estava ocupado por brasileiros desde 1877. Eram nordestinos liderados por seringalistas brasileiros que exerciam, de fato, o poder local no vazio deixado pelo governo boliviano. Os seringalistas tinham outros interesses e não eram comprometidos com a nação andina. O tempo estratégico passou de três décadas.

Na província sérvia do Kosovo, cerca de 90% da população é albanesa. Em 1974, o Kosovo recebera autonomia, que foi cassada em 1999, levando aquela população à revolta. Ante a violenta reação da Sérvia e não tendo seu aval para entrar com suas forças “de paz” na região, a Otan moveu uma campanha aérea arrasadora, que acabou por dobrar aquele país. A ofensiva poupou o alto custo em baixas de uma operação terrestre. O direito de soberania não foi suficiente para a Sérvia manter sua integridade territorial, pois o Kosovo se declarou independente em 2008.

Os exemplos evidenciam que num país onde determinada região rica seja um vazio de poder, sem população nacional, ocupada por população segregada e sob liderança alienígena, ligada a outros países, projeta-se um cenário de perda de soberania e integridade territorial a despeito do direito internacional. Esse é o cenário desenhado em Roraima, com potencial de expansão até o Amapá.

Desde 1991, o Brasil demarca extensas terras indígenas, inclusive na faixa de fronteiras, o que impede a vivificação dos limites nacionais. O país trocou a política de integração pela de segregação do índio. Os grupos indígenas passaram a ser chamados “povos” e, ao receberem territórios, a constituir “nações” para setores nacionais e internacionais que defendem sua autonomia.

A Amazônia é rica, não integrada e cobiçada — um vazio de poder. O Estado se deixa substituir por ONGs e outras organizações, muitas das quais defendem interesses e recebem recursos de governos estrangeiros. Em terras indígenas, não podem viver, nem circular sem permissão, brasileiros de outras etnias. Em algumas décadas, haverá grandes populações indígenas autônomas, segregadas da sociedade e em imensos territórios.

Em 2007, a declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas concedeu-lhes, entre outros, os direitos de autogoverno; livre determinação, inclusive de sua condição política; constituir instituições políticas e sistemas jurídicos próprios; pertencer a uma nação indígena vetar atividades militares em terras indígenas; e aceitar ou não medidas legislativas ou administrativas que os afetem.

O artigo 46 da declaração, que aparentemente preserva a integridade e unidade política dos Estados, é inócuo, pois os artigos 41 e 42 “justificariam” a intervenção internacional em conflitos entre governos e “povos indígenas”. Como ficará a governabilidade no Brasil, considerando a quantidade de terras indígenas com direito a uma autonomia superior à dos estados da Federação? Povo, território, nação e instituições políticas são as bases de um estado-nação.

A declaração, inexplicavelmente, teve voto favorável do Brasil. Um absurdo! Embora a segurança da Amazônia dependa mais de ações no campo político, a liderança nacional tem um discurso ilusório de que sua defesa será assegurada pelo aumento do efetivo militar na área. Se fosse uma questão de quantidade, o Kuweit talvez estivesse ocupado, desde 1991, pelo então numeroso Exército iraquiano. No futuro, não sendo suficiente, como tem sido, a pressão nos campos político e econômico, para impor seus interesses, uma coligação de potências ameaçará áreas sensíveis como, por exemplo, a Bacia de Campos e Itaipu. Se o governo não ceder, ela paralisa e apaga o país, para evitar um confronto terrestre.

Existe a ameaça, ela é muito grave e o tempo estratégico aproxima-se de duas décadas. A liderança nacional vem criando condições objetivas para a perda da soberania e integridade territorial na calha norte do Amazonas, sem que o oponente precise disparar um tiro. Na realidade, a ameaça não é o índio e sim a liderança nacional, inconseqüente e sem visão estratégica.”

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