O jornalista Luis Nassif escreveu ontem em seu blog:
“Artigo de Philllip Stephens, do Financial Times, na Folha de hoje (ver transcrição a seguir), apontando para o maior risco dessa crise: o fechamento dos países em defesa de suas posições.
Ele mostra como a ação coordenada dos governantes ajudou a segurar a peteca. Depois, vai listando as ações individuais, que induzem ao fechamento:
1. A posição do presidente francês Nicolas Sarkozy de montar o fundo soberano para impedir que as empresas estratégicas européias sejam adquiridas por árabes ou asiáticos.
2. A posição de sua colega alemã, Angela Merkel, de não utilizar dinheiro alemão para salvar bancos de outros países.
A velha lógica do “chutando a própria escada”. Como diz o jornalista, “eles todos (os países ricos) gostariam de uma nova ordem mundial mais inclusiva, desde que a adesão dos novos membros ao Clube, é claro, não diluísse em nada sua autoridade”.
Por isso mesmo, bati aqui na tecla de que as tentativas don Itamarati de salvar a rodada Doha não levava em conta o fato de que o mundo integrado daria lugar a um jogo pesado de interesses nacionais.
A seguir, o artigo de Philip Stephens do "Financial Times" de ontem, publicado na Folha de São Paulo:
GLOBALIZAÇÃO COLIDE COM "NEONACIONALISMO"
A ECONOMIA ATÉ PODE SER MUNDIAL, MAS A POLÍTICA CONTINUA LOCAL, COM OS PAÍSES DEFENDENDO SEUS PRÓPRIOS INTERESSES
“Estamos salvos. Em meio aos destroços dos mercados financeiros mundiais, é possível divisar as fundações de uma nova ordem internacional. A grande lição da crise foi aprendida: não é possível escapar à nossa dependência mútua. Mercados mundiais requerem regras multilaterais.
Por que estou otimista? Bem, ainda esta semana o presidente George W. Bush, aquele grande internacionalista, anunciou que estava convocando os líderes mundiais a Washington a fim de "promover a compreensão mútua" quanto às causas da crise. Nas palavras da Casa Branca, os líderes formularão "um conjunto comum de princípios para a reforma dos regimes regulatórios e institucionais dos setores financeiros mundiais". É uma frase um tanto desajeitada, eu sei. Mas, afinal, multilateralismo também é uma palavra longa.
Alguns leitores, suspeito, talvez estejam um tanto céticos quanto ao desfecho do que líderes europeus definiram, de forma emotiva, como "um novo Bretton Woods". E como, outras pessoas podem perguntar, o francês Nicolas Sarkozy e o britânico Gordon Brown dividirão os aplausos? Não é possível dois heróis na mesma história ao menos não quando um deles é francês e o outro é britânico.
Eu também seria o primeiro a admitir que o momento da conferência de cúpula, que começará 10 dias depois da eleição presidencial norte-americana, não é ideal. Bush terá chegado à volta final de uma presidência fracassada. E seu sucessor presumivelmente comparecerá como observador.
Barack Obama aprovou a idéia da reunião. Mas não estou inteiramente certo de que o candidato democrata compartilhe da visão do presidente quanto a um novo sistema mundial. Obama, afinal, fez campanha prometendo consertar os imensos estragos que Bush causou à posição norte-americana no mundo.
Se pensarmos bem, aliás, dadas as declarações hostis de McCain sobre o histórico do governo Bush durante a campanha, seria duvidoso que sua presença fosse bem-vinda, antes do dia da posse.
Pouco importa. Ao menos a lista de convidados demonstra que os países ricos despertaram para o fato de que o mundo deixou de ser um clube privado. Crises financeiras costumavam ser coisas que aconteciam a países pobres. Agora, os velhos luminares do Grupo dos 7 (G7) países mais industrializados contarão com a presença não só do sempre carrancudo líder russo Vladimir Putin como de uma dúzia de líderes das potências emergentes.
O chamado Grupo dos 20 pode ser desconfortável como grupo, mas ao menos oferece um espelho no qual o mundo pode se contemplar. Muitos desses países emprestaram às nações ricas o dinheiro com o qual elas financiaram o boom. Merecem participar quando é hora de discutir as lições do colapso.
Caso Obama vença em 4 de novembro e as pesquisas de opinião parecem apontar para uma vitória esmagadora-, um de seus primeiros atos deveria ser cimentar essa mudança com um ato de multilateralismo unilateral. Ele deveria anunciar que, como presidente, deixará de lado a aconchegante presunção do G7 e do G8, mas estará disposto a participar das reuniões do G13 ou do G20.
Tenho de confessar que esse é o ponto em que meu otimismo começa a recuar. Isso nada tem a ver com Obama. Como presidente, ele teria melhor chance que qualquer de seus predecessores de liderar um esforço que reformule a ordem mundial. E ele também dá impressão de que compreende que essa pode ser a última chance de conferir valores norte-americanos ao novo sistema.
Não, é quando observamos de perto como a maioria dos líderes se comportou em resposta às tormentas nos mercados que surge a disparidade entre as elevadas expressões de solidariedade e as intenções mesquinhas. A visão de Bush quanto a uma nova ordem financeira é a de que os Estados Unidos ditam ordens e as demais nações as seguem. Aliás, Brown também tem opinião parecida sobre o papel britânico.
SOLUÇÃO GLOBALIZADA?
O lema, ao menos na Europa, vem sendo o de que problemas mundiais requerem soluções mundiais. Como declaração factual, não se pode contestá-la: o mundo recuou da beira do abismo financeiro apenas quando os governos das grandes economias enfim concordaram em agir de maneira coordenada.
Mas observe o que eles vêm dizendo desde então. Sarkozy deseja que a Europa estabeleça um fundo soberano a fim de adquirir participações em empresas européias durante a recessão. O objetivo, desnecessário dizer, é proteger os campeões da indústria européia, e francesa, contra tomadas de controle por estrangeiros. E estrangeiro no caso quer dizer árabe ou asiático.
O presidente francês propôs essa idéia, incidentalmente, logo depois de exigir que líderes estrangeiros fossem convidados para a conferência de cúpula. Já outros dos chefes de governo, como o italiano Silvio Berlusconi, perceberam uma oportunidade de construir um novo capitalismo de Estado que proteja as indústrias de seus países contra os estrangeiros. Não demorará muito para que Berlusconi esteja liderando a campanha para que a Europa impeça a entrada de imigrantes.
O governo de Angela Merkel na Alemanha criticou algumas dessas idéias. Mas, em termos gerais, Berlim vem relutando em contemplar qualquer coisa que vá além do mais estreito interesse nacional. Merkel insistiu, por exemplo, em que não seja usado um euro de dinheiro alemão para ajudar a resgatar bancos em outros países. É a isso que ela chama de solidariedade européia.
O problema subjacente aqui é a grande desconexão entre uma análise que vê todos esses governos concordando em que deveriam trabalhar juntos e uma situação política que os leva a preservar zelosamente suas prerrogativas nacionais. A economia e as finanças podem ser mundiais, mas a política continua local.
Se recuarmos para mais longe do vórtice, o que a crise financeira e suas conseqüências causaram (e não estou certo de que tenha acabado) foi iluminar as forças que dão forma ao mundo moderno. A globalização agora coexiste e ocasionalmente colide com os nacionalismos em ascensão.
Esses nacionalismos surgem em formas diferentes. De um lado temos as potências emergentes China, Índia e as demais-, que jamais se sentiram parte de uma ordem multilateral criada e dominada pelo Ocidente. Por que, no momento em que estão se tornando grandes potências, deveriam ceder soberania a terceiros?
Ao lado delas temos os países ricos que, embora falem a língua do interesse e dependência mútuos, zelam imensamente pelas posições privilegiadas que hoje detêm.
Eles todos gostariam de uma ordem mundial mais inclusiva desde que a adesão de novos membros ao clube, claro, não diluísse em nada a sua autoridade.
A essa altura, como vocês podem ter adivinhado, meu otimismo mais ou menos se esvaiu. A crise financeira descreveu uma colisão muito maior entre a dependência mútua da globalização e a ascensão dos nacionalismos. Até agora, ninguém admitiu o perigo. A conferência de cúpula seria um sucesso caso os líderes conseguissem no mínimo começar a compreender”.
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