sexta-feira, 31 de outubro de 2008

FREI BETTO: CUBA, O FURACÃO CHAMADO BLOQUEIO

O site “vermelho” ontem publicou o artigo a seguir transcrito, de autoria de Frei Betto. O autor, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 64, frade dominicano e escritor, é autor de "Calendário do Poder", ''A mosca azul – reflexão sobre o poder'' (Rocco) entre outros livros. Foi assessor especial da Presidência da República (2003-2004). O texto foi originalmente publicado no Boletim da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj):

“A Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) aprovou, nesta quarta-feira (29), pela 17ª vez consecutiva, uma resolução que condena os Estados Unidos pelo bloqueio imposto contra Cuba há 47 anos. Dias antes, o escritor Frei Betto escreveu um artigo no qual descreve essa ação imposta pelo governo norte-americano e mostra seus efeitos sobre a população cubana”.

CUBA, O FURACÃO CHAMADO BLOQUEIO

No próximo 29 de outubro, a Assembléia Geral da ONU, após ouvir o informe apresentado pelo secretário-geral, Ban Ki Moon, votará o projeto de Cuba visando à suspensão do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto à ilha do Caribe pelo governo dos EUA desde 1959.

Será a 17ª vez que a ONU tratará deste tema. Em 2007, dos 192 países-membros das Nações Unidas, 184 votaram a favor do projeto que pedia a suspensão. Infelizmente, suas resoluções não têm caráter obrigatório, exceto as do Conselho de Segurança.

O fato de a maioria dos países condenarem, por 16 vezes, o bloqueio representa um gesto de solidariedade à Ilha e uma derrota moral para a Casa Branca, cuja prepotência se evidencia por não ter a menor consideração para o que pensa a comunidade internacional, que repudia a hostilidade usamericana.

O bloqueio é o principal obstáculo ao desenvolvimento de Cuba. Ano passado, representou, para o país, prejuízo de US$3,775 bilhões. Ao longo dos 50 anos de Revolução, calcula-se que o total do prejuízo chegue a US$224,6 bilhões, levando em conta a desvalorização do dólar e suas flutuações no decorrer do tempo.

O bloqueio é um polvo com tentáculos extraterritoriais, violando o direito internacional, em especial a Convenção de Genebra, que o qualifica de genocídio. Empresas, bancos e cidadãos que mantêm relações econômicas, comerciais ou financeiras com Cuba sofrem perseguições. A exemplo do que fez a China durante as Olimpíadas, também o governo usamericano bloqueia sites da Internet relacionados com Cuba.

A muito custo o governo cubano tem conseguido abrir pequenas brechas no bloqueio, como ao comprar alimentos dos EUA. As empresas vendedoras enfrentam gigantesca burocracia, sobretudo porque a comercialização tem de passar pela intermediação de um terceiro país, já que o bloqueio proíbe relações diretas entre EUA e Cuba. O comprador é obrigado a pagar adiantado e não pode vender seus produtos aos usamericanos; os navios retornam vazios aos portos de origem.

Os recentes furacões Gustav e Ike provocaram muitos danos à Ilha. Áreas agrícolas foram devastadas, 444 mil moradias afetadas, das quais 67 mil totalmente destruídas.

Com a alta dos preços dos alimentos no mercado internacional, Cuba só não está com a corda no pescoço graças à solidariedade internacional, inclusive da União Européia e do Brasil.

O governo cubano solicitou à Casa Branca uma trégua no bloqueio nos próximos seis meses, por razões humanitárias. Até agora, Bush mantém completo silêncio. Contudo, a máquina publicitária da Casa Branca trata de camuflar a omissão presidencial com uma série de mentiras, como a oferta de US$ 5 milhões aos cubanos vítimas dos furacões.

Ora, o que representa essa ninharia diante dos US$ 46 milhões que a Usaid recebeu este ano para financiar grupos mercenários dedicados ao terrorismo anticubano? E outros US$40 milhões foram liberados para manter as transmissões de rádio e TV contra o regime de Cuba.

Apesar de o bloqueio causar mais danos que todos os furacões que já afetaram Cuba, a nação resiste e, agora, se mobiliza em amplos mutirões para consertar os estragos causados pela natureza e aprimorar a produção agrícola, graças às recentes medidas que facilitam aos camponeses acesso às terras onde, outrora, se cultivava cana-de-açúcar. Além de ter no Estado um comprador seguro, os agricultores cubanos poderão vender diretamente ao consumidor.

Sem olhar para o próprio umbigo, Cuba reitera sua solidariedade internacional e envia médicos às vítimas dos furacões no Haiti, e mantêm médicos e professores em mais de 70 países, a maioria pobres.

A história é uma velha senhora que nos surpreende a cada dia: quem imaginaria, há um ano, que o socialismo cubano veria a crise financeira de Wall Street, e o Estado mais capitalista do mundo contradizer todos os seus discursos e intervir no mercado para tentar salvar bancos e empresas? Como fica o dogma da imaculada concepção de que fora do mercado não há salvação?"

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