quinta-feira, 30 de outubro de 2008

PARA MARIA DA CONCEIÇÃO, 2010 SERÁ O AUGE DA CRISE

Li ontem no site “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte texto de Claudio Leal, sobre entrevista com Maria da Conceição Tavares:

“Sem cair em previsões catastrofistas, a economista e professora-emérita da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Maria da Conceição Tavares, estima que, em 2010, o mundo viverá o auge da crise financeira. Por má coincidência, ano eleitoral no Brasil.

"Quando trocarmos de governo, devemos estar vivendo o auge da crise. Não é agora, é em 2010", diz Conceição. Espera que a gestão do presidente Lula não seja politicamente afetada, pois reconhece "que há realmente um avanço" no País.

DÍVIDA EXTERNA.

É a primeira vez que nós pegamos uma crise internacional e não estamos endividados até as orelhas. Em todas as demais, fomos à moratória.

Filiada ao PT, a professora participou ontem à noite de um seminário sobre a crise mundial na visão da esquerda, organizado pelo ex-deputado federal Vivaldo Barbosa, no Salão Nobre da Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro. Na mesa de debates, o ex-presidente do BNDES Carlos Lessa e o economista Reinaldo Gonçalves. A platéia de cerca de 40 ouvintes reunia representantes do PSB, PSOL, PDT e PCdoB.

O agravamento da crise internacional tem feito a economista intensificar sua participação nos debates econômicos. Com a mesma paixão e voz rascante, ironiza na largada: "Não tenho saída de esquerda para a crise".

- Não sei o que a esquerda espera ouvir hoje. Não ouvi palpites da esquerda pra recessão brasileira no ano que vem. Agora, 2010 não dá pra prever. Porque tudo depende de como a gente consiga se safar em 2009. E de como se resolva ou não parte dos galhos mundiais - analisa.

Em sua avaliação, a "China é um país-dólares. Está suportando o dólar". Ao longo da palestra, Maria da Conceição Tavares fez uma análise histórica da crise e pontuou paralelos com outras precedentes. Pode se desenhar um mundo multipolarizado.

- Eu acho que esta crise é mais parecida com a de 1890. Quem investiu muito mais rápido e passou a ter muito mais poder depois da perda do poder econômico do mundo pelos ingleses? Os americanos, os alemães... É claro, os que eram potências. E hoje está acontecendo a mesma coisa. O que vai acontecer no mundo? Os chineses, os hindus... Lógico, todo mundo quebrando, "vamos poder crescer um pouquinho..."

Estamos caminhando para uma multipolaridade.

"KEYNESIANOS DE BOCA"

Na visão da economista, quem leva a pior, no momento, é o Leste Europeu. "Eles é que estão levando porrada. O pau canta dos dois lados (no Ocidente e na Rússia)." E faz uma radiografia dos convertidos, repentinamente, ao keynesianismo (de John Maynard Keynes, economista britânico, defensor do papel regulatório do Estado).

- Entre os que estão corrigindo, os que têm poder pra corrigir a situação, não houve uma troca de cabeças... Agora, eles são keynesianos de boca, e não só de boca, de interesse.

Conceição vê barreiras para "uma reformulação, uma refundação do capitalismo". Nesse debate, sente-se obrigada a rever uma antiga resistência ao presidente da França, Nicolas Sarkozy.

- Paradoxalmente, o mais à direita, que é o (Nicolas) Sarkozy, prega isso. Quando Sarkozy ganhou as eleições, eu odiava o Sarkozy. Um fascistão! Mas a verdade é que ele está nessa (de defender uma refundação). O que não é tão espantoso porque os partidos de centro defendem a intervenção do Estado. Em relação à crise (de 30), quem entrou com o Estado? Os nazistas e os fascistas. Não há tanta contradição. Os fascistas autoritários não têm nada contra o Estado intervencionista.

Segundo a professora, a atual crise não é mais complexa porque desregularam o mercado financeiro. Há outros tipos de complexidades na jogatina.

- Desregular, eles desregularam no século 19. Não é só por isso. É porque eles inventaram uma porrada de inovações que contaminam tudo. Esses derivativos de crédito, de câmbio...Tudo que se possa imaginar. Como isso contagia o sistema inteiro, nós temos que ser mais cuidadosos. Todos estão metidos.

Confira outros momentos da palestra de Maria da Conceição Tavares:

PETROBRAS E PAC

"A Petrobras não vai parar de investir. Ela pode dizer que não vai investir no pré-sal, de imediato; esperar um pouco pra ver o que vai dar o preço internacional. Mas os programas que já estavam postos não vão parar. O mesmo é a Eletrobras. E, dessa vez, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) vai ser pra valer, não tem brincadeira.

Agora é pau no lombo e superávit primário caindo. Sendo assim, a expectativa é que a gente não passe uma recessão. No ano que vem, uma recessão é praticamente impossível. Basta crescer um ponto, um ponto e meio, pra chegar a três, três e meio, que é mais ou menos o que o Fundo Monetário espera de todo mundo. Dos malucos, não, mas eu também não vou levar a sério malucos."

PROJETO PARA O BRASIL

"No meio dessa crise, era bom começarmos a pensar a sério, a sério não mais apenas na conjuntura, mas num projeto pro Brasil que não está nem de longe construído. Nem pela esquerda, que dirá pela centro-esquerda. Porque se nós não tivermos alguma... acho que há apenas um consenso, que a direita também aderiu: não se deve matar por fome os pobres. Parece que isso a direita encampou. Não há consenso nenhum sequer sobre o salário mínimo. Porque vem com o papo do déficit da previdência. Não há nenhum consenso sobre as reformas."

REFORMAS NEOLIBERAIS

"Fracassou o neoliberalismo, sim. Mas as reformas que estão em pauta são todas neoliberais. Essa reforma fiscal que foi enviada ao Congresso é uma reforma neoliberal.

Já assinei manifesto, eu e todo mundo que é medianamente interessado no assunto.

Porque ela é neoliberal. Ninguém aqui é pelo neoliberalismo, o que significa que ninguém acredita mais que o mercado se auto-regule.

Todo mundo agora é a favor da intervenção do Estado, para que o Estado salve. Agora, reformas. Continuam neoliberais. Não ouvi ninguém... Eu não conheço nenhum keynesiano no mundo que tenha proposto reformas neoliberais. E, no entanto, é óbvio que o capitalismo vai ter que se reformar. Não adianta dizer: "Vou refundar." Não adianta refundar. Já fizemos refundações. Mas não é essa questão. Tem que reformar."

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