domingo, 30 de novembro de 2008

CHINA E BRASIL: UM GRANDE ENCONTRO PARA AS PRÓXIMAS DÉCADAS

Li ontem no site Carta Maior o seguinte texto de Luis Alberto Gómez de Sousa. O autor é sociólogo e ex-funcionário das Nações Unidas, diretor do Programa de Estudos Avançados em Ciência e Religião da Universidade Cândido Mendes:

Se a China aparece como a grande potência emergente, poderíamos tomar distância da tutela americana e européia a abrir-nos ao futuro chinês. Não estará aí o grande desafio que nos espera neste século XXI?

“Giovanni Arrighi escreveu um livro desafiante: Adam Smith em Pequim: origens e fundamentos do século XXI (2007, trad. bras. Boitempo 2008). Deixando de lado as receitas neo-liberais que em boa hora se dissolveram na crise atual, vítimas de suas ilusões tresloucadas, o autor vai diretamente ao pai do liberalismo, que se perguntava em 1776:

“No futuro talvez, os nativos desses países (não europeus), se tornarão mais fortes, ou os da Europa mais fracos, e os habitantes de todas as diversas partes do mundo poderão chegar àquela igualdade de coragem e de força que, por inspirar o temor mútuo pode, por si só, transformar a injustiça das nações independentes numa espécie de respeito uns dos outros” (A Riqueza das Nações).

Hoje incluiríamos os Estados Unidos ao lado da velha Europa; o texto foi publicado no mesmo ano da declaração da independência norte-americana. Arrighi cita Martin Wolf: “A Europa foi o passado, os Estados Unidos são o presente e a Ásia dominada pela China será o futuro da economia global. Esse futuro parece fadado a se realizar. As grandes perguntas são quando e quão suavemente ele se dará” (pp. 18-19).

Para além da receita “tamanho único” do Consenso de Washington, “cada vez mais desacreditado”, Arrighi traz, com Joshua Cooper Ramo, a hipótese de um Consenso de Beijing, com duas possíveis características: o reconhecimento da importância de ajustar o desenvolvimento às necessidades locais e o multilateralismo, com base na interdependência entre os Estados, mas respeitando diferenças políticas e culturais, em contraste com o unilateralismo das políticas norte-americanas (p. 383). E lança a aposta: um novo Bandung, não político-ideológico como o primeiro, mas bem mais sólido em bases econômicas (p. 388).

Não por acaso Brasil e China se encontram na linha emergente dos BRICs. Trata-se de economias continentais, com crescente mercado interno de amplo fôlego potencial. É verdade que a China ainda representa uma parte pequena nas relações comerciais com o Brasil (9% de nossas exportações). Mas, num momento de retração dos Estados Unidos e da União Européia, esses dois mercados, eles e nós, não poderíamos crescer em intercomunicação? Pelo momento há um nítido desequilíbrio. Exportamos basicamente soja e minério de ferro e importamos produtos industriais.

Enquanto países de industrialização mais antiga têm desenvolvimento decrescente ou mesmo negativo, a China, que cresceu nos últimos anos em assombrosos 10%, encolhe, nas previsões do Banco Mundial para 2009, em “apenas” 7,5%, na verdade uma taxa menor do que a necessária para integrar e enorme mão de obra que deixa a produção rural para a urbana. O governo brasileiro, por sua vez, acena com 4% para o ano próximo, abaixo dos 4,5% atuais. Porém, mesmo com essa redução, e em parte por causa dela, no bojo de uma crise mundial, poderia ser hora de repensar o intercâmbio entre China e Brasil, como nova prioridade para nós.

O desenvolvimento industrial do Brasil se deu durante a crise dos anos trinta, com o processo de substituição de importações, quando as ofertas dos países industriais despencaram, o que obrigou a responder internamente às demandas. Hoje temos, no panorama internacional, a China, com um bilhão e trezentos milhões de habitantes ávidos e sempre com novas necessidades. E no Brasil, o resultado das políticas sociais recentes e de uma economia em estabilidade, está criando um mercado aberto a demandas em aumento, especialmente de bens de consumo popular. Não poderíamos dirigir, aos poucos, nossa produção, tanto para o mercado interno que se amplia e que pode minorar o impacto da crise global, quanto para o imenso mercado chinês?

Isso não se faz da noite para o dia, mas há que programá-lo num processo de médio prazo, firme e cuidadoso.

Se a China aparece como a grande potência emergente, poderíamos tomar distância da tutela americana e européia a abrir-nos ao futuro chinês. Não estará aí o grande desafio que nos espera neste século XXI? Como lembrou recentemente Immanuel Walerstein, o Brasil, “líder presumido do bloco sul-americano”, tem diante de si “um imenso terreno para alianças”, num sistema mundial que entra num estado de caos, mas que irá mais adiante gestar a solução de sua crise, numa “ordem emanada do caos” (Ilya Prigogine) (“Construir um outro mundo em meio à tempestade”, Le Monde Diplomatique Brasil, 18-7-2008, IHU, 19-7-2008).

Os dois outros países do BRIC, com amplos mercados, estão enredados em estruturas de castas rígidas a Índia e na corrupção, em guerras localizadas e terrorismos a Rússia. Por que, no caso do Brasil, não priorizar o encontro com a China, por cima das geografias que separam, no fôlego potencial que nos aproxima? O eixo da economia mundial passou do Mediterrâneo para o Atlântico norte e agora chega ao Pacífico. Mas a planetarização supera barreiras geográficas e, embora de costas para o Pacífico, poderemos encontrar este último, na saída para ele através de nossos vizinhos andinos, articulados com o Brasil numa política sul-americana ambiciosa. A América do Sul, com o Brasil, por sua dimensão, como um eixo vigoroso do lado de cá, deveria ir desenhando, aos poucos, uma política de intenso intercâmbio com a China. Para isso, na área sul-americana, precisaríamos desde já superar mal-entendidos e desconfianças, afastando a sombra de uma tentação de hegemonia de segunda instância auto-destruidora.

A Ásia ocidental está em chamas e a potência atualmente dominante ali se empantanou.

De nosso extremo ocidente ao sul, ao extremo oriente, deveriam ser criadas pontes de intercâmbio em vários níveis, do econômico ao cultural. Isso exige fôlego e bastante ambição. Saberemos planejar essas novas políticas? Nosso Plano de Aceleração do Crescimento teria que levar em conta, aos poucos, as potencialidades do grande salto da economia chinesa, que vai passando do terceiro lugar para o segundo e em um tempo mais para o primeiro, num posicionamento das nações mais vigorosas. Possivelmente nessa aliança repousa a possibilidade de sermos um país emergente com boa margem de êxito, na multipolaridade de um milênio que está nascendo”.

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