O jornal norte-americano "The New York Times" publicou ontem o seguinte artigo de Thomas L. Friedman. Li no UOL em tradução de George El Khouri Andolfato:
“Eu passei a tarde de domingo remoendo um grande artigo no "New York Times" de autoria de Eric Dash e Julie Creswell sobre o Citigroup. Talvez remoendo não seja a palavra certa. O artigo de primeira página, intitulado "Citigroup paga por Corrida ao Risco", na verdade me deixou totalmente indignado.
Por quê? Porque em dolorosos detalhes ele expôs - usando o Citigroup como Prova A - como alguns dos banqueiros melhor remunerados de nosso país eram estúpidos superestimados que não tinham idéia do que estavam vendendo, ou cínicos gananciosos que sabiam e fizeram vista grossa. Mas não foram apenas os banqueiros. Este colapso financeiro envolveu uma ampla falência nacional de responsabilidade pessoal, regulamentação do governo e ética financeira.
Pessoas demais estiveram envolvidas nisso: pessoas que não podiam comprando uma casa, sem nada como entrada e sem precisar pagar nada por dois anos; pessoas que não podiam rolando essas hipotecas e ganhando fortunas fazendo isso; pessoas que não podiam reunindo esses empréstimos em papéis e os vendendo para terceiros, como se fossem títulos AAA, e ganhando fortunas fazendo isso; pessoas que não podiam classificando esses empréstimos como AAA, mas ganhando fortunas para fazer isso; e pessoas que não podiam comprando esses títulos e os lançando em seus balancetes para que pudessem obter um rendimento um pouco melhor, mas ganhando fortunas fazendo isso.
O Citigroup esteve envolvido, e ganhou dinheiro, em quase todos os elos dessa cadeia. E os executivos do banco, incluindo tristemente o ex-secretário do Tesouro, Robert Rubin, totalmente sem idéia dos instrumentos financeiros imprudentes que estavam criando, ou envolvidos pela camaradagem entre os gerentes de risco do banco e os tomadores de risco (e comprados pelos seus bônus) e que não tinham interesse em impedi-los.
Essas são as pessoas que os contribuintes socorreram na segunda-feira com o que podem ser mais de US$ 300 bilhões. Nós provavelmente não tínhamos escolha. Simplesmente deixar o Citigroup falir poderia ser catastrófico. Mas quando o governo elabora um resgate que chega a centenas de bilhões de dólares em 48 horas, você pode apostar que haverá conseqüências não intencionais -muitas, muitas, muitas.
Também confira o soberbo ensaio de Michael Lewis, "The End of Wall Street's Boom" (O fim do boom de Wall Street) em Portfolio.com. Lewis, que primeiro narrou os excessos de Wall Street em "Liar's Poker" (pôquer de mentiroso), traça um perfil de algumas das pessoas decentes em Wall Street que tentaram expor a farra do crédito -incluindo Meredith Whitney, uma pouco conhecida analista do setor bancário que declarou, há mais de um ano, que o "Citigroup administrou tão mal seus negócios que precisaria reduzir pela metade seus dividendos ou declarar falência", escreveu Lewis.
"Essa mulher não estava dizendo que os banqueiros de Wall Street eram corruptos", ele acrescentou. "Ela estava dizendo que eram estúpidos. A mensagem dela era clara. Se você quiser saber o que estas firmas de Wall Street realmente valem, olhe atentamente para os ativos pobres que compraram com somas imensas de dinheiro emprestado, e imagine o que renderiam em uma venda em liquidação (...) Há mais de um ano, Whitney tem respondido às alegações de banqueiros e corretores, de que resolveram seus problemas com um redução do valor contábil dos ativos ou com levantamento de capital, com uma alegação própria: vocês estão errados. Vocês ainda não perceberam quão mal administraram seus negócios."
Lewis também apontou Steve Eisman, o investidor em fundo hedge que desde cedo percebeu as hipotecas subprime e reduziu sua exposição às empresas envolvidas nelas, como a Long Beach Financial, de propriedade do Washington Mutual.
"A Long Beach Financial", escreveu Lewis, "estava distribuindo dinheiro o mais rápido que podia, sem fazer muitas perguntas, na forma de empréstimos criados para se autodestruírem. Ela se especializou em pedir aos proprietários de imóveis com crédito ruim e sem comprovação de renda que não dessem entrada e adiassem o pagamento de juros pelo máximo de tempo possível. Em Bakersfield, Califórnia, um trabalhador rural mexicano com renda anual de US$ 14 mil e sem saber inglês recebeu o empréstimo que precisava para comprar uma casa de US$ 720 mil".
Lewis prosseguiu: Eisman sabia que os emprestadores subprime podiam ser de má reputação. "O que ele subestimou foi a cumplicidade totalmente despudorada da elite do capitalismo americano (...) 'Nós sempre fazemos a mesma pergunta', diz Eisman. 'Onde estão as agências de classificação de crédito em tudo isso? E sempre obtenho a mesma reação. Um sorriso afetado.' Ele telefonou para a Standard & Poor's e perguntou o que aconteceria com as taxas de inadimplência se os preços dos imóveis caíssem. O homem da S&P não soube dizer; seu modelo para preços de imóveis residenciais não era capaz de aceitar um número negativo. 'Eles simplesmente presumiam que os preços dos imóveis continuariam subindo', disse Eisman."
Foi assim que chegamos aqui - um colapso quase total da responsabilidade em todos os elos de nossa cadeia financeira, e agora ou resgatamos as pessoas que nos deixaram assim ou corremos o risco de um crash do sistema. Esse é o preço de nossos pecados.
Eu costumava dizer que nossos filhos pagariam caro por isso. Mas na verdade é nosso problema. Nos próximos anos todos nós trabalharemos mais arduamente por menos dinheiro e por menos serviços do governo - se tivermos sorte.”
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