O jornalista, escritor e editor Miguel do Rosário ontem postou em seu blog “Óleo do Diabo”:
“Os dias passam muito rápido e as notícias, ainda mais velozes, se perdem nos desvãos da memória. Mas deixam rastros. As notícias deixam rastros, e formam consciências. Por isso não podemos permitir que elas, as notícias, passem incólumes à nossa frente, sem destrinchar-lhes o significado oculto. Listarei alguns fatos que gostaria de comentar:
1) ONIPRESENÇA DE GILMAR MENDES E A DETERIORAÇÃO MORAL DE SEU DISCURSO.
Esta semana, Mendes fez um ataque gravissimo não apenas à Polícia Federal, mas sobretudo à luta contra a corrupção. Falando sobre as inúmeras operações da PF realizadas nos últimos anos, ele tentou desmerecê-las, dizendo: quantas condenações ocorreram, efetivamente?
Entendo que as operações da PF podem não resultar nas condenações que a sociedade espera. O mais importante, contudo, não é prender ou condenar pessoas, e sim desmantelar as quadrilhas e, com isso, interromper aquela sangria específica do dinheiro público. Se o seu filho for sequestrado, qual o seu interesse maior: reencontrá-lo vivo, intacto fisica e psicologicamente, ou matar o sequestrador?
Naturalmente todos queremos ver os ladrões de colarinho branco na cadeia, mas eles possuem advogados muito bons, e que além de ser bons são amicíssimos do sr.Gilmar Mendes.
O discurso de Mendes constitui, portanto, um ataque indesculpável aos servidores públicos que arriscam a sua vida no combate ao crime organizado. Indicado por Fernando Henrique Cardos, Gilmar Mendes tem atuado exclusivamente no sentido de obstruir e desmoralizar a luta contra a corrupção no Brasil.
2) OS "GABEIRISTAS", O NOVO UDENISMO E A MODA "GLOBAL"
Observação importante: o gabeirismo é um conceito meu, particular, não-científico e sei que obviamente muitos amigos, e maioria deles votou no Gabeira, que votaram no verdugo não se enquadram nesse perfil e, mesmo que se enquadrem, continuo achando que são seres humanos normais, merecedores de respeito, impostos de renda e descontos em supermercados. E digo mais: em troca de algumas cervejas, escutarei atentamente seus pontos-de-vista.
Dito isto, vamos ao que interessa.
Respeito muito quem optou em votar em Fernando Gabeira. Eu mesmo pensei em votar nele num primeiro momento. Mas logo verifiquei que estava sendo enganado, e continuo achando que a maioria dos que votaram no candidato verde foram iludidos pela mídia e por uma campanha enganosa e superficial.
Ontem conversei com uma moça inteligente, uma "gabeirista" e pude tirar algumas conclusões. Note que nem todos que votaram em Gabeira são gabeiristas, e nem todo gabeirista o é puramente. O gabeirismo é um conceito abstrato e as pessoas são mais ou menos gabeiristas. Continuemos. Os gabeiristas são arrivistas políticos.
Pretendem entender de política, mas não lêem blogs ou sites políticos. Sua leitura resume-se exclusivamente ao jornal O Globo. E, sinceramente, quem SÓ lê o Globo não pode querer discutir política.
Sem informação, não existe política. E Globo, meus caros, não é informação. Quer dizer, pode até ser, mas apenas se contraposto a um obrigatório mergulho na blogosfera. Eu argumentei com esta moça que Gabeira era aliado ao PSDB e PV, além de seu próprio partido, o DEM, os mesmos partidos que formavam a base partidária do César Maia.
Então? Qual a grande mudança que Gabeira representava? Barack Obama representa uma mudança não por seus belos olhos e sua bela pigmentação, mas porque vem amparado por alianças políticas novas, além de ser um democrata, partido adversário da sigla a qual pertence o presidente Bush.
O gabeirismo é, sobretudo, um fenômeno global. Todos os colunistas agora estão referindo-se direta ou indiretamente ao candidato e atacando Eduardo Paes, o novo prefeito. O engraçado é que Paes, até pouco tempo o bonitinho da mídia, transformou-se num monstro.
Aí ele nomeia Jandira Feghali para a secretaria de Cultura e o circo se arma. Que experiência ela tem em cultura?, denunciam os missivistas do Globo, e o grito se espalha pelas ruas. Ora, Serra tinha experiência com saúde quando exerceu o cargo de ministro da Saúde? Palocci, médico, não foi um excelente ministro da Economia? Quando César Maia nomeou um banqueiro para a pasta da Saúde alguém protestou?
O irônico é que essas mesmas pessoas que protestam contra a nomeação de Jandira Feghali nem sequer sabem quem era o secretário de cultura do Rio. Vou confessar: nem eu sei. O secretário de Cultura do Rio é um fantasma que ninguém sabe quem é, nem o Globo jamais se interessou em informar. Sei que Miguel Falabella é diretor dos teatros. Miguel Falabella!
O cara tem vinte e cinco empregos, dirige trinta e cinco peças, participa de quinhentos e quarenta e dois comerciais de TV e ainda encontra tempo para ser o diretor dos teatros do Rio de Janeiro! E não é só isso. Miguel Falabella representa o lado mais caricatural, reacionário, e pobre da dramaturgia carioca. Ele é um excelente comediante, um cara excepcionalmente criativo e engraçado. Mas não tem, definitivamente, o perfil e a isenção para exercer um cargo dessa importância.
Ao nomear Jandira Feghali para a pasta da Cultura, Paes nomeou uma PESSOA. Não temos mais um fantasma à frente. As pessoas falam que queriam alguém ligado à área artística. Quem? Um ator? Um escritor? Ora, escritores têm que escrever, e não ser secretários de cultura. Atores tem que atuar e não serem políticos. Casos como Gilberto Gil são raríssimos, um em milhões, e não servem de exemplo. Além disso, alguém ligado à classe artística estaria amarrado às suas próprias panelinhas, já que ninguém pode ter arrogância de representar a totalidade da classe artística carioca.
Ademais, a secretaria de cultura não é um feudo "dos artistas", já que a cultura é uma dimensão que ultrapassa o segmento artístico. Artistas devem se preocupar em fazer boa arte. Se a arte carioca sobreviveu ao César Maia e a seus fantasmagóricos secretários de cultura, certamente não sofrerá com Jandira Feghali, uma mulher cuja inteligência, idoneidade e independência de espírito é reconhecida até por seus mais ferozes adversários.
Digo isso sem esperar nada em troca de Jandira. O que vier dela, agradeço. Apoio Jandira porque entendo o significado político e ideológico de sua escolha.
Representou um gesto de Paes muito claro de que ele quer se aliar a esquerda, mesmo contra a vontade dos sacerdotes globais. Foi um gesto de coragem.
O problema do gabeirismo é de alienação, uma doença que atinge as pessoas mais inteligentes e bem-intencionadas. Não adianta. Se você ler apenas o Globo, não conhecerá nada sobre a realidade política, social e econômica do Rio, do Brasil e do mundo.
Por exemplo, a mídia fala na Colômbia como única ilha de liberdade capitalista na América Latina, depois do furacão de presidentes de esquerda que varreu o continente nos últimos anos. Mas não falam que, na Colômbia, as "aguardientes", ou cachaças, são monopólio do Estado. Não falam que a produção de café é controlada por uma poderosa organização, a Federación Nacional de Cafeteros. Quer coisa mais socialista que isso?
Não escrevem editoriais sobre o envolvimento de Uribe com o narcotráfico e o paramilitarismo, nem sobre a acusação de extermínio de inocentes e adversários políticos, denunciado recentemente pela Human Rights Watch.
Qualquer notinha contra a Venezuela lançada pela organização não-governamental mais insignificante vira primeira página nos jornalões, e tema para longos editorais, entrevistas, debates.
E quando uma das principais organizações de direitos humanos do mundo (que inclusive tem conhecido pendor anticomunista) denuncia extermínio de inocentes na Colômbia, ninguém fala nada.”
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