Li ontem no blog do Noblat o seguinte artigo de Rui Falcão. O autor é advogado e jornalista, deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores. Foi deputado federal, presidente do PT e secretário de governo na gestão no governo Marta Suplicy:
“Desde que a crise financeira internacional se agravou, a partir de 15 de setembro, quando da falência do banco Lehmann Brothers, o governo brasileiro reagiu prontamente. Várias medidas foram adotadas com vistas a reduzir o seu impacto sobre a economia nacional, de que são exemplo as sucessivas disposições do Banco Central destinadas a melhorar a liquidez do sistema bancário.
Na avaliação dos setores diretamente atingidos, as medidas foram consideradas como pertinentes e oportunas, e o governo brasileiro foi elogiado por toda parte - como se pode ler em jornais como Wall Street Journal e Financial Times e na revista The Economist –, pela presteza e determinação com que respondeu, pois, em se tratando de crise sistêmica, também o desempenho do Brasil, ainda que modesto, pode influir em algum grau para evitar que a recessão mundial se converta em depressão.
De fato, o BC do Brasil foi um dos primeiros bancos centrais a injetar dinheiro no mercado, no caso US$ 30 bilhões inicialmente, para desobstruir os canais da liquidez, prover crédito ao sistema bancário e irrigar a produção, a exemplo do que as autoridades monetárias e fiscais fizeram em outros países.
No geral, as medidas foram saudadas com entusiasmo pelo setor industrial.
A “Carta do Iedi” - como é conhecido o boletim semanal do Instituto de Estudos de Desenvolvimento Industrial, entidade que reúne um grupo seleto de indústrias brasileiras – assim comentou as medidas: “Parecem ter sido adequadas e oportunas as sucessivas medidas do Banco Central para melhorar a liquidez...”. E ainda: “No crédito para a agricultura, o governo adotou medidas prontas e adequadas...”. É verdade também que a “Carta do Iedi” faz alguns reparos: “ Ter demorado a intervir no câmbio (o Banco Central só passou a agir após o dólar ter alcançado a cotação de quase R$ 2,50) redundou em pontos adversos...”, para as empresas exportadoras.
Assim como a indústria, o sistema bancário – que é a outra parte diretamente atingida pelas medidas do BC – também reagiu positivamente, como pôde observar-se pela declaração do presidente do Bradesco, Márcio Cipriani, em resposta a uma pergunta sobre a autorização do governo a bancos públicos para adquirirem bancos privados: “É um instrumento para o governo agir se necessário, mas não acredito que a medida vai ser implementada, pois o setor está bastante sólido”. Juntam-se ao coro de vozes anuentes os sindicatos de trabalhadores, que viram na firme decisão do governo de manter o nível de atividades a confirmação da tendência ao crescimento do emprego.
Toda essa longa introdução para dizer ao leitor o seguinte. Se pretende estar informado sobre a qualidade da conduta atual do governo no manejo dos instrumentos de política econômica, recomenda-se que, além de ir buscar diretamente nas fontes, vá ao Diário Oficial da União, pois a grande mídia se tem prestado unicamente a confundir a opinião pública com o propósito de desqualificar a ação das autoridades econômicas.
A estratégia de desmoralização consiste em fazer alusões ligeiras e claudicantes sobre as medidas, transcrever declarações oficiais fora de contexto, imputar às autoridades supostas afirmações, para, no dia seguinte, anunciar que essas mesmas autoridades voltaram atrás – tudo com o propósito de caracterizar a ação da autoridade como omissa, vacilante, incapaz, insegura, atabalhoada, leviana e contraditória.
Intenta-se assim envolver a sociedade num clima artificial de desconfiança e incerteza, o que somente contribui para desestimular ainda mais consumidores e produtores e infirmar a capacidade política do Estado de intervir positivamente para prevenir o pior.
A grande mídia, açulada pela oposição, não se conforma em ver o Brasil do governo Lula preparado para enfrentar a crise, motivo por que seria impossível infligir-lhe, como gostaria, a pecha da imprevidência, do despreparo e da irresponsabilidade.
Desde 15 de setembro, um jornal da capital paulista exige reiteradamente, em editorial, a destituição do ministro da Fazenda, por “incompetência”, o mesmo ministro que zela pela solidez dos fundamentos macroeconômicos, mais sólidos do que nunca; o mesmo ministro que lançou a idéia do fundo soberano, agora aclamado pelo setor produtivo e financeiro como de utilidade inestimável. Por isso, e para a infelicidade dos inconformados do “terceiro turno”, o projeto conduzido pelo governo Lula muito dificilmente irá naufragar, no que depender de sua responsabilidade.
Contrariam-se assim as expectativas da oposição, associada à grande mídia, que, incapaz de oferecer uma proposta alternativa de governo, há seis anos espera que Lula seja abatido por si próprio ou por uma eventual crise. Para ambas - que se dão as mãos na prática do oportunismo político -, parece não haver outra possibilidade de desqualificar o governo senão uma “vitória” caída do céu – uma crise de proporções alarmantes que se abatesse sobre o País e fizesse Lula e seu partido baterem em retirada, desmoralizados na sua suposta “incompetência e gastança”, nos termos de um editorial divulgado na semana passada.
Um tal oportunismo encontra-se estampado, por exemplo, em página de jornal onde, ao mesmo tempo em que se celebra a decisão do governo Serra de manter os investimentos previstos para o Estado de São Paulo, denuncia-se a “leviandade” do governo Lula em manter os investimentos federais no PAC. E assim por diante. Total desfaçatez e absoluta ausência de princípios.
Nessa empreitada, alucinada pela frustração e pela impotência, oposição e grande mídia não se dão conta do ridículo a que se expõem – e ao Brasil também - aos olhos do mundo todo, ao pleitearam para o País, com a sua falta retórica, a adoção de medidas contracionistas, rejeitadas liminarmente por todos os países desenvolvidos, sem exceção; por todos os países emergentes, sem exceção; e por todos os organismos multilaterais, sem exceção, quais sejam, medidas que venham a contribuir para lançar a economia mundial numa depressão.
A retórica da mídia e da oposição brasileira, mundialmente isolada no extremo do espectro ultraliberal, torce pelo pior e exige do Brasil de Lula que dê um tiro no próprio pé, arrastando no torvelinho a economia de outros países, apenas para a complacência criminosa dos que sonham com desacreditar o governo. Isso lembra a apologia do cinismo, num episódio de Machado de Assis, no qual um bêbado tresloucado festeja a tragédia humana de um grande incêndio domiciliar, por lhe ter propiciado a oportunidade de colher uma brasa para acender o charuto.
Inspirados no mesmo cinismo macabro, os editoriais, em vitupérios, clamam ao governo para que contenha o gasto público, reduza os investimentos e segure a demanda, enquanto o mundo todo é exortado a tomar a direção oposta, para se evitar uma hecatombe.
Assim, por exemplo, o presidente Myungbak Lee, da Coréia do Sul, na esteira do que propõem a totalidade dos países desenvolvidos, apoiado pela imprensa local anuncia o lançamento de um conjunto de medidas fiscais com vistas a conter a queda do nível de atividade e conclama os consumidores a que não deixem de comprar.
Na mesma linha, a chanceler Ângela Merkel, da Alemanha, propõe ao Banco Mundial que lance um programa internacional de investimentos, dirigido especialmente aos países emergentes, afim de reduzir os efeitos da crise financeira. “Temos de impulsionar os investimentos em escala internacional”, declarou Merkel.
Imbuído do mesmo propósito, o diretor-gerente do ultraconsevador FMI, Dominique Strauss-Kahn, escreve: “A crise financeira criou uma forte queda na demanda...Expansões fiscais são sempre arriscadas, já que aumentam a dívida (pública)..., mas dadas as circunstâncias em que nos encontramos, os benefícios dessa expansão excedem os custos em países com dívidas saudáveis”. Em outras, palavras, é hora de os governos gastarem, até mais do que poderiam, em investimentos e programas que estimulem o consumo, a geração de renda e a criação de empregos.
As mesmas recomendações, já adotas ou previstas pela administração Lula, ouvem-se por toda parte – e, dentre as mais abalizadas, estão as do economista Paul Krugman, recém-laureado com o Prêmio Nobel de Economia, que, em artigo intitulado “É hora de gastar”, publicado no New York Times, escreve: “´É recomendável agora fornecer à economia o apoio de que ela precisa.
Não está na hora de nos preocuparmos com o déficit”. Mas importante agora é o governo agir na direção oposta à da lógica privada - que se retrai por cautela e insegurança -, e passe a estimular os investimentos. Ou, como afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Base, Paulo Godoy, juntamente com os dirigentes do Iedi, “é hora de o governo orientar o crédito para os grandes projetos de infra-estrutura, nas áreas de energia, estradas e ferrovias, além de petróleo e gás”.
Sobre a suposta “gastança”, sugere-se aos interessados em saber da realidade irem às fontes, às contas nacionais, ao Tesouro, ao Banco Central. Aí se poderá verificar que poucos países no mundo se encontram em posição tão sólida como Brasil, ainda que não imune aos efeitos de grandes borrascas.
Quem se der ao trabalho irá verificar que, enquanto a União Européia estabelece, para tempos normais, um déficit nominal como proporção do PIB de 3%, o Brasil apresenta um déficit/PIB de 0,58%, ou cinco vezes menor.
Quanto ao superávit primário – que é a parte da receita governamental reservada para o pagamento dos juros da dívida -, observa-se que em 2008 atingiu 5,8%, tendo superado a meta fiscal de 4,24%; que, nos primeiros oito meses do ano, o governo reduziu as despesas correntes a 24,3% do PIB, em comparação com 25,3% em igual período do ano passado; que com pessoal e encargos, o governo gastou 4,37% do PIB de janeiro a agosto, menos do que os 4,45% despendidos no ano passado; que, em suma, o governo tem feito a sua parte de maneira operosa e adequada, ciente da necessidade de se estimular os investimentos públicos e privados, principalmente nesta hora.
Desde a Grande Depressão de 1929, essa é a única maneira conhecida de se fazer frente às crises de realização do capital – e o governo do presidente Lula ficará na história pela maneira lúcida e resoluta com que terá sabido debelar a atual. A mídia e a oposição que busquem outra”.
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