O site “Agência Carta Maior” publicou sábado o seguinte artigo de Flávio Aguiar. O autor é professor de Literatura Brasileira na Universidade de São Paulo (USP) e editor da TV Carta Maior:
“McCain representa tudo o que foi derrotado nesta eleição de novembro de 2008: um sistema obsoleto de representação política, baseado nos truques eleitorais golpistas que levaram o jovem Bush ao poder em 2000. Mas há sobreviventes políticos entre os republicanos, como Sarah Palin e Condoleezza Rice, que vem sendo citada como a grande opositora a Obama”.
“Richard Nixon entrará para a história como o inábil presidente que perdeu o cargo por causa do escândalo de Watergate. Já Henry Kissinger, que ganhou o prêmio Nobel, é freqüentemente citado com o diplomata que encerrou a guerra do Vietnã. As pessoas esquecem (e muitas de propósito) que Kissinger foi a sombria máscara que governou a política externa norte-americana durante muitos anos, levando ao golpe no Chile, aos desaparecimentos na Argentina, etc.
Agora estamos assistindo um fenômeno semelhante. Bush filho vem sendo citado como um dos maiores desastres para os Estados Unidos. É um semeador de ruínas. Não só enterrou os EUA no Iraque e no Afeganistão, como enterrou a própria população num poço de pobreza e miséria. Milhões de norte-americanos estão sem seguro saúde; outros milhões estão arriscados de perder suas casas. O sistema – disso ninguém duvide – se sairá bem. Os Estados Unidos poderão manter sua hegemonia monetária, sem o lastro ouro, porque agora tem o lastro China. Quando Henry Kissinger foi à China, e fez Nixon lá ir, na década de 70, ele sabia o que estava fazendo. Ele era um apostador, mas sabia no que estava apostando. Nixon não. O resultado aí está. Odiado por todos os lados, Kissinger é um sobrevivente. Nixon é um afogado.
Entre as perdas de Bush, o semeador de desastres, duas exceções despontam, ao lado de um acompanhante na catástrofe. McCain é o acompanhante. Perdeu a eleição e a vez.
Não terá outra, está idoso demais. Ele de fato representa tudo o que foi derrotado nesta eleição de novembro de 2008: um sistema obsoleto de representação política, baseado nos truques eleitorais golpistas que levaram o jovem Bush ao poder em 2000.
Mas em todo esse mundo, há os sobreviventes. Sarah Palin é uma sobrevivente.
Agressiva, a política do Alaska conseguiu firmar seu nome entre os grandes da política norte-americana. Valeu-se de tudo: acusou Obama gratuitamente, chamou a atenção sobre suas roupas, fez-se a líder da extrema direita. Pode ser que dê resultados.
A outra sobrevivente, e assim vem sendo citada na imprensa européia, é Condoleezza Rice.
Estranha figura. Começou sua carreira política no Partido Democrata. Rompeu com este durante a gestão de Jimmy Carter, e aparentemente por discordâncias com relação à sua política externa. Aderiu aos republicanos, e ao subir na hierarquia, levou a extremos o que aprendeu no outro partido.
Explico.
Os democratas sempre foram mais protecionistas e intervencionistas (no resto do mundo) do que os republicanos. Por quê? Talvez por hábito: os democratas tiveram que administrar duas guerras mundiais, sempre estiveram em contato com outras forças políticas, mundo a fora. Eram mais cosmopolitas. Os republicanos eram mais paroquiais, e mais ligados ao big business. Acreditavam na força das granas, não das armas.
Parece mentira, mas George Bush filho, em seu debate com Al Gore, defendeu menos intervenção dos EUA na política externa do que aquele. É claro que numa idéia de que “nós” temos que cuidar da “nossa” casa, o mundo que se vire. Ao assumir o governo, depois do golpe de estado que o levou ao poder, Bush tinha como líderes de sua política externa gente como Wolfowitz e Zoellick, ou seja, os então economistas ideólogos do livre-mercado, do laissez-faire.
Foi com o 11 de setembro (e há aí uma estranha coincidência de pontos de vista entre a administração de Bush e a Al Qaeda) que a política de Bush mudou. E quem formulou a mudança foi Condoleezza Rice. A idéia – formulada em grupos de discussão por ela organizados ou liderados, como o “grupo Vulcano” - passou a ser a de construir em terras alheias governos pró-americanos, vulgarmente conhecidos e propagandeados como pró-democracia. Neste sentido, Condoleezza foi o fruto pós-moderno de uma construção antiga, e performada no ambiente universitário. Ou seja: nenhum compromisso com a história; nenhum respeito pelas particularidades, a não ser, de certo modo, as do próprio ego, concentradas na certeza de que elas empalmam uma verdade de algum modo universal; destruição do que antes havia, para a construção de novos regimes favoráveis ao western way of life, ou seja, o regime de “farinha pouca, meu pirão primeiro”, pois é disto que se vem tratando, faz tempo.
Condoleezza vem sendo citada como a grande opositora a Obama. Até porque ela tem uma visão de mundo muito bem estruturada, como Henry Kissinger tinha. Este último era esperto o suficiente para tirar os Estados Unidos do atoleiro da derrota no Vietnã e ao mesmo tempo atola-los não só nos golpes de estado na América Latina como na própria operação Condor. Condoleezza foi capaz de sobreviver à administração desastrada e desastrosa de Bush, saindo incólume dos desastres que sua visão de mundo provocou.
Sarah Palin que se cuide.”
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