O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Charles Tang. O autor é presidente da Câmara de Comércio & Indústria Brasil-China, membro do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial e fundador do Instituto de Pesquisa e Estudo de Desenvolvimento Econômico:
“APESAR DA INVEJÁVEL RESERVA EM DIVISAS, A ECONOMIA CHINESA NÃO PODE, POR ORA, SUBSTITUIR A GIGANTESCA ECONOMIA AMERICANA “
“A atual crise, causada por gastos excessivos, endividamento gigantesco e especulação financeira sem regulamentação por parte dos EUA fez com que países emergentes fossem convidados para a festa dos ricos para pagar a conta.
Foi para isso que se convocou a reunião do G20, na qual a China e a Arábia Saudita foram o centro das atenções pelos bolsos cheios que possuem.
Como única economia com crescimento expressivo e com mais de US$ 2 trilhões de reservas em divisas, a China teve seu papel bem definido: salvar o mundo capitalista, mais uma vez. Em 1997 já coubera à China assegurar a estabilidade da Ásia para que a crise asiática não contaminasse o resto do mundo. Na época, a China fortaleceu sua economia com um aumento das exportações e dos investimentos.
Ante a crise atual, mais séria e mais profunda, a China não poderá mais contar com o crescimento de suas exportações. O pacote chinês de 4 trilhões de yuans (US$ 590 bilhões) combina investimentos, empréstimos e redução da carga fiscal para fortalecer sua economia. Mas o objetivo principal dessas medidas é alterar o hábito de poupança do povo chinês e incentivá-lo a gastar, a fim de estimular o mercado interno. A criação de um sistema previdenciário efetivo e de um sistema de saúde realmente acessível pretende levar o povo a poupar menos e gastar mais.
As práticas econômicas e financeiras chinesas, duramente criticadas até a eclosão da crise, são as mesmas que o mundo capitalista agora espera da China. Revertendo políticas recém-adotadas para frear o crescimento, a China volta a reduzir sua taxa de juros, faz cair a taxa de redesconto bancário para criar liquidez, libera verbas para obras públicas e reverte o corte feito recentemente na devolução fiscal às exportações dos setores mais afetados. A moeda chinesa terá sua valorização retardada -dessa vez com o aplauso dos críticos da véspera.
A necessidade americana de financiar os pacotes de ajuda a seus bancos, estimular e reparar sua economia deve se aproximar da sua atual dívida externa de US$ 4 trilhões. Certamente, países emergentes com grandes reservas serão mais reticentes em absorver promissórias americanas dessa grandeza. Até que ponto o povo chinês estará disposto a trabalhar e poupar a fim de financiar o padrão de vida superior dos norte-americanos?
Cada cidadão dos EUA já carrega uma dívida quase US$ 30 mil.
Como a China não é uma ilha de prosperidade no mundo globalizado, ela também é atingida pelos efeitos da recessão global. Pequenas e médias empresas de vários setores foram duramente atingidas: brinquedos, calçados, porcelana, revestimento, têxteis e até aço. O fechamento em massa dessas indústrias acarreta um nível de desemprego da mesma proporção.
Em recente entrevista, o vice-governador do Banco Central da China, Yi Gang, deixou claro que o governo chinês participará ativamente das operações de salvamento da crise financeira. Todavia, a China e demais emergentes reclamam mudanças no sistema econômico mundial estabelecido após a 2ª Guerra Mundial, na conferência de Bretton Woods e com a criação do FMI, a fim de melhor refletir a ordem econômica atual.
As nações ricas que fixaram o acordo de Bretton Woods estão endividadas, enquanto algumas nações então pobres são hoje grandes credoras.
Uma nova moeda de reservas deve ser discutida para desacoplar o enfraquecido dólar como base das reservas mundiais e como padrão global de comércio e operações financeiras.
A política de desvalorizar o dólar para promover suas exportações poderá custar aos EUA a facilidade de gerar grandes dívidas. Sem créditos automáticos e ilimitados, atualmente possíveis como senhor da moeda padrão, os EUA terão que viver conforme suas receitas. Até suas aventuras globais poderão ser reduzidas, respeitando mais o consenso mundial de seus financiadores.
Esta crise significa não só o fim do capitalismo da forma recém-praticada mas também sinaliza o encaminhamento ao fim da era de domínio da ordem econômica e financeira pelos países do G7 e do mundo unipolar.
Embora com invejável reserva em divisas, a economia chinesa não pode, por ora, substituir a gigantesca economia americana. Em números absolutos, ela representa só uns 6% da economia mundial. Mesmo considerando a paridade de poder aquisitivo, que multiplica seu PIB por quatro, a China dificilmente poderá, sozinha, salvar o mundo capitalista e, ao mesmo tempo, enfrentar problemas internos. O que a China pode fazer é acolchoar a queda da economia mundial, sobretudo dos países que lhe fornecem os produtos estratégicos de que necessita para seu crescimento sustentado e para alimentar seu povo.”
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