O jornal espanhol El Pais, em reportagem de Soledad Gallego-Díaz enviada da Costa do Sauípe, Bahia, ontem publicou (li no UOL em tradução de Luiz Roberto Mendes Gonçalves):
RAÚL CASTRO REUNIU-SE COM O MEXICANO CALDERÓN E COM O VICE-PRESIDENTE COLOMBIANO, SANTOS
“A presença de Raúl Castro na Costa do Sauípe (Brasil) marca a volta do presidente de Cuba às grandes cúpulas regionais, das quais esteve ausente durante oito anos (desde a cúpula Ibero-Americana do Panamá em 2000) e responde tanto ao esforço de Lula quanto ao novo desejo do regime cubano de "aumentar" seu nível de representação internacional. Lula não escondeu sua satisfação e em sua primeira intervenção pública, na inauguração da cúpula do Mercosul, com Raúl Castro como convidado-estrela, ressaltou que a presença do presidente cubano era muito importante "para todos nós". "Esta é a primeira de muitas reuniões em que vamos contar com sua presença", acrescentou. Castro, por sua vez, enfatizou que essa é a primeira ocasião em que todos os países "ao sul do rio Bravo" vão se reunir "sem exclusões" e sem presenças alheias à região.
Nos últimos anos, e sobretudo devido à doença de Fidel Castro, Cuba pareceu alimentar quase exclusivamente sua relação com a Alba, organização criada pelo presidente venezuelano, Hugo Chávez. Sua presença na Costa do Sauípe representa nesse sentido não só um sucesso indubitável para Cuba como também uma certa mudança estratégica. Ao integrar-se à Cúpula da América Latina e Caribe (CALC), o regime cubano dá a entender aos EUA que não se encontra tão isolada nem tão pouco reconhecida internacionalmente como Washington pretendeu, mas também reconhece que pertence a uma região que tem interesses comuns. O cenário da CALC pode ser especialmente atraente para o ressurgimento internacional de Cuba e de Raúl Castro porque não se encontrará isolado (também participam Chávez, o equatoriano Rafael Correa e o paraguaio Fernando Lugo, com os quais mantém boas relações) e porque Lula garante uma visão moderada e respeitosa. O Brasil também marca um tento importante.
Interrogado sobre se o presidente Lula se ofereceu para agir como mediador entre Cuba e o novo presidente americano, Barack Obama, Raúl Castro limitou-se a indicar que "há muitas propostas nesse sentido". "Se Obama quiser dialogar, falaremos. Se não, não falaremos. Isso é tudo." O Brasil conta a seu favor não só com seu formidável peso regional como também com a popularidade de Lula, um dirigente de esquerda que mantém excelentes relações com os EUA e com o entorno de Obama. Castro, que insistiu várias vezes que qualquer mediação deveria respeitar "até a última gota de soberania cubana", parece ainda não ter-se decidido por nenhum interlocutor concreto e aproveitou para manter conversações bilaterais com o mexicano Felipe Calderón e com o vice-presidente colombiano, Francisco Santos, entre outros.
Calderón, empenhado em recuperar uma maior conexão de seu país com o resto da América Latina, da qual se sente progressiva e injustamente excluído, ressaltou que a integração de Cuba no Grupo do Rio se faz sob a presidência temporária do México e anunciou que trocaram convites para que o presidente mexicano visite Cuba e Castro visite o México em 2009.
BRASILEIRO DEFENDE "IDENTIDADE PRÓPRIA"
Marco Aurélio Garcia, assessor da presidência brasileira para Assuntos Internacionais e um dos principais conselheiros de Lula, sorri e não responde diretamente quando perguntado se a cúpula da Costa do Sauípe dá por enterrada a famosa doutrina Monroe, segundo a qual a América Latina era o quintal dos EUA. "Em um mundo cada vez mais multipolar como o atual, a América Latina precisa manter uma identidade própria, e esta cúpula é um passo nesse caminho. Uma ocasião, a primeira, para reunirmos todos os países da América Latina e do Caribe, sem ninguém mais, e analisarmos nossas necessidades de integração e desenvolvimento." A presença de Cuba e sua integração ao Grupo do Rio salienta essa independência de critério. "É importante que nosso amigo Raúl Castro participe desses debates", afirma Garcia.
"MÍDIA EUROPÉIA NEGATIVA"
O secretário das Relações Exteriores da Argentina, Alfredo Chiaradía, um de seus principais negociadores na Rodada de Doha, não acredita que a megacúpula da Costa do Sauípe represente um acontecimento extraordinário, apenas o acúmulo de uma série de reuniões mais ou menos habituais. Ele dá muita importância ao encontro do Mercosul, um organismo que não considera absolutamente esgotado. Ao contrário, defende sua vigência e seu futuro. Na América Latina, explica, existem diferentes instrumentos de integração, de diversos calados e geometria variável, que, pouco a pouco, melhoram os mecanismos inter-regionais e cujos resultados não são suficientemente valorizados na Europa nem nos EUA.
"A mídia européia se esforça para ressaltar os aspectos negativos, mas a realidade é outra e avança em seu ritmo", afirma. Para Chiaradía, o importante é que a América Latina cresceu fortemente nos últimos anos (a Argentina 8 ou 9%, ele disse) e agora se encontra em melhores condições para enfrentar uma crise que é grande, mas que não nasceu nos países de economia emergente e sim nas economias mais poderosas do mundo.
A prioridade nas cúpulas da Costa do Sauípe, segundo ele, é encontrar meios para conter esses prejuízos "importados". Chiaradía dá ênfase ao grande aumento experimentado pelo comércio inter-regional na América Latina, um dado que lhe parece relevante para analisar a situação e a capacidade da América Latina para enfrentar a eventual queda da demanda exterior. Até que ponto afetará a economia de países como Argentina, Brasil ou Chile a queda nos preços das matérias-primas que constituem seu principal produto de exportação?
O secretário de Relações Exteriores admite que os preços das matérias-primas sofreram uma grande queda nos mercados internacionais, mas não crê que deva haver nervosismo a esse respeito. "Caíram muito em relação ao pico que representou o recorde de maio de 2008, mas comparados com a curva dos últimos anos os preços se situaram em um nível com o qual podemos funcionar adequadamente."
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