terça-feira, 16 de dezembro de 2008

DIÁRIO DA NOVA CHINA: O GATO E O RATO

O filósofo e cientista político Emir Sader escreveu ontem em seu “blog do Emir” (li no site “Carta Maior”):

Parto para minha primeira viagem à China, a um seminário que comemora os 30 anos do começo da política de Reforma e Abertura, iniciada em 1998, a que foram convidados 17 intelectuais estrangeiros, quase todos dos EUA e da Europa.

Os chineses comemoram, em grande estilo, o sucesso de um processo que já ocupa mais tempo na história da Revolução Chinesa do que o período anterior – 1949-1998 -, marcado pela direção de Mao-Tse-Tung. Claro que a figura de Mao se projeta sempre muito acima das dos outros dirigentes posteriores, tanto porque dirigiu o processo revolucionário chinês desde a Grande Marcha, no começo dos anos 1930, como, além disso, porque dirigiu o povo chinês nas lutas que levaram à derrota dos ocupantes japoneses e norte-americanos, desembocando na vitória revolucionário de 1949.

Porém, dois anos depois da morte de Mao, Deng-Ziao-Ping assombrava o mundo - e especialmente a esquerda, ainda mais a maoísta – com a declaração que abria este período: “Não importa a cor do gato, contanto que ele cace o rato”. A referência era claramente ao uso da tecnologia. Aqueles sentimentos eram ainda mais fortes, porque a declaração se situava em contradição mais antagônica possível com os princípios que haviam norteado a Revolução Cultural, viva até poucos anos antes. Esta se caracterizava, entre outros aspectos, pela tentativa de desmistificação do suposto caráter neutro e não classista da tecnologia, da ciência, da cultura e de toda forma de saber.

Essa nova abordagem da tecnologia apontava para destravar o seu uso, na busca de acelerar o desenvolvimento econômico. Evidenciava também que terminava de forma peremptória o período da Revolução Cultural e que o novo período não apenas virava aquela página conturbada da histórica chinesa, mas que a negaria nos seus fundamentos mesmos.

Hoje os chineses comemoram a data de 1978 como uma nova fundação da revolução, de que pretendem apresentar as conquistas espetaculares com orgulho. Os dados são todos impactantes, seja do crescimento do produto interno bruto, da renda per capita, da retirada de centenas de milhões de pessoas da zona de pobreza, da expansão do comércio exterior, da acumulação de divisas, do acesso de milhões de pessoas a bens de consumo básicos e modernos, dos níveis de escolaridade, do ritmo de investimentos, da construção de casas e prédios, da projeção, enfim, da China, como a segunda potência econômica do mundo.

Os chineses afirmam seu direito a sair da situação de pobreza e mesmo de miséria em que viveram por um bom tempo a avançam para reverter a situação de inferioridade econômica que passaram a ter nos dois últimos séculos.

Até o século XVIII, a China, mais avançada que a Europa ocidental, exportava seus produtos para esta – especiarias, seda, chá, entre outros produtos -, mas não lhe interessava importar nada do Ocidente. Ao ponto que o império britânico desatou a Guerra do Ópio, invadindo território chinês, para induzir o consumo do ópio, produto vastamente produzido na maior das colônias britânicas, a Índia, para poder reequilibrar sua balança comercial com a China. Uma guerra que só terminou recentemente, quando a China impôs à Grâ-Bretanha a devolução imediata de Hong-Kong – tornado colônia britânica desde aquela guerra – à China.

Hoje a China se mostra firmemente decidida a reverter essa situação, com um esforço que já lhe permitiu superar as economias de todas as outras potências capitalistas, salvo, por enquanto, os EUA, com quem desenvolveu um intento processo de dependência mútua. É acusada de fazê-lo superexplorando os trabalhadores, deteriorando o meio ambiente, intensificando as desigualdades sociais. Mas como a Inglaterra se industrializou, fazendo isso mesmo e coisas muito piores – como a escravidão, a pirataria, a exploração colonial? O tema é pelo menos polêmico.

Não espero ter respostas definitivas numa primeira viagem. Levo comigo a melhor das leituras que já fiz – Adam Smith em Pequim, de Giovanni Arrighi (Boitempo), que supera os maniqueísmos, nem cai na apologia de que qualquer forma de expansão das forças produtivas é boa, nem no denuncismo que não valoriza o esforço da China para superar a miséria e a pobreza.”

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