Li no blog do Noblat de domingo o seguinte artigo de Luis Fernando Veríssimo:
“Sei não, mas o Bush se esquivou muito bem daquele sapato. O primeiro, que passou rente à sua cabeça, não o segundo, que não chegou perto. Todo presidente americano deve estar sempre pronto para se abaixar, rápido. O reflexo condicionado é transmitido junto com o cargo desde o sucessor do Lincoln. Bush certamente não esperava ser alvejado numa entrevista coletiva em Bagdá, cercado por tropas americanas.
Ainda mais habituado como está com os correspondentes na Casa Branca, que raramente lhe atiram uma pergunta mais pesada. Mas o reflexo funcionou. Depois ele declarou que só podia dizer que o sapato não era do seu tamanho e pediu que não castigassem o atirador. Uma boa piada, um simpático apelo à tolerância.
É difícil escolher o que é mais grotesco no episódio. A sapatada - compreensível, mas fruto de uma extrapolação, digamos, desaconselhável do papel crítico da imprensa - ou a bonomia do Bush. Não sei quantos americanos e iraquianos já morreram depois da invasão do Iraque por ordem do Bush. Mas o Bush é um bom sujeito, faz piada sobre o seu susto, pede clemência para o agressor. Vez que outra vemos fotos de alguns dos milhares de soldados americanos que voltaram do Iraque em pedaços, sem membros, sem rosto, e só podemos imaginar os muitos milhares de iraquianos, incluindo crianças, mutilados pela guerra do Bush.
Mas o Bush é simpático e democrático. Poderia dizer que foi pelo direito de os iraquianos irem à rua se manifestar a favor da sapatada, como está acontecendo, que a carnificina continua. Nem sei se até não pediu que devolvessem os sapatos do rapaz.
Li, não faz muito, um artigo sobre a chamada "razão cínica" - em contraste com as razões oficiais fictícias e as geopolíticas sinceras - da invasão do Iraque pelos Estados Unidos, nada mais simples do que o acesso garantido ao seu petróleo. Uma obviedade negada tanto pelos que a apoiavam como uma ação altruísta contra a tirania quanto pelos que denunciavam interesses ainda mais obscuros do que o petróleo. E o artigo acabava sendo uma defesa do Bush. A "razão cínica" era a única razão lógica e plausível, mesmo que amoral, que lhe restava. As armas de destruição em massa prestes a serem usadas por Saddam Hussein não existiam. A ligação do regime iraquiano com a al-Qaeda não existia. Ninguém mais nega que a invasão foi preparada e lançada baseada em mentiras e informação deturpada. Nem o Bush, embora ele chame o engodo de "inteligência falha". E se o objetivo era apenas livrar o mundo de um tirano, por que começar, ou parar, com Saddam? Já a carnificina para assegurar o petróleo num mundo em que o acesso à energia ditará a História, pelo menos faz sentido.
Bush está perto de se aposentar no seu rancho do Texas. Não há nada parecido com um tribunal por crimes de guerra no seu futuro, ou no de Cheney, Rumsfeld e os outros. Todos, com maior ou menor grau de simpatia, sabem se esquivar.”
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