O jornal francês Le Monde ontem publicou a seguinte reportagem de Michel Bole-Richard, enviado especial a Gaza, com tradução de Lana Lim (li no UOL):
“Nas ruas de Jabaliya, as crianças encontraram uma nova diversão. Elas colecionam fragmentos de projéteis e mísseis. Eles desenterram da areia pedaços de uma fibra compacta que se inflamam imediatamente quando entram em contato com o ar e que eles tentam apagar com seus pés. "É fósforo. Olha como queima".
Sobre os muros dessa rua, os vestígios esfumaçados são visíveis. As bombas projetaram para todos os lados esse produto químico que incendiou uma pequena fábrica de papel. "É a primeira vez que vejo isso após 38 anos de ocupação israelense", se espanta Mohammed Abed Rabbo. Em seu terno de três peças, essa figura do bairro está de luto. Seis membros de sua família foram ceifados por uma bomba diante de uma loja, no dia 10 de janeiro. Eles haviam vindo para se abastecer durante as três horas de trégua decretadas por Israel para permitir aos habitantes de Gaza que respirassem.
A cratera da bomba continua lá. Os fragmentos cobriram a parede e a porta de aço da loja. O pai da sétima vítima, de 16 anos, está furioso. "Diga aos dirigentes das nações ocidentais que esses sete inocentes foram mortos por nada. Que aqui nunca houve tiros de foguetes. Que é um ato criminoso. Que os israelenses nos dão a prova disso, pois eles vigiam tudo lá de cima", se revolta Rehbi Hussein Heid. Em suas mãos, ele tem uma folha de papel com todos os nomes dos mortos e feridos e suas idades, que ele enumera várias vezes, como para se convencer de que eles estão realmente mortos.
Seu vizinho saca seu celular e mostra um vídeo com os corpos ensanguentados daqueles que ele chama de "mártires". "E Israel afirma ser um país democrático! São criminosos de guerra! Durante várias horas as ambulâncias não puderam se aproximar.
Por que a comunidade internacional não faz nada? Por que deixam todos esses crimes impunes?
Israel precisa prestar contas. Esse país não está acima das leis. Se você encontrar 100 resistentes entre os 5.300 feridos, venha falar comigo. São assassinatos puros e simples. Os israelenses só querem nos enxotar, ou seja, nos enterrar".
Mohammed Abed Rabbo não entende essa ânsia por destruir tudo.
"Reconheço que os israelenses recebem (tiros de foguetes) Qassam.
Mas eles devem se perguntar por quê.
Eles parecem ignorar que somos sujeitos a um bloqueio. A única solução é que os dois povos vivam juntos sobre a mesma terra. Os israelenses devem reconhecer nossos direitos".
Os subúrbios de Jabaliya e de Beit Lahiya carregam as profundas feridas de uma guerra destruidora. As fachadas têm buracos escancarados. As portas de aço das lojas parecem peneiras. Impossível andar mais de dez metros sem encontrar um prédio destruído, uma casa arruinada, um abrigo abatido. Os postes de eletricidade se deitam no chão em meio às crateras. A guerra não poupou nada. As ruas estão repletas de destroços de todo tipo, montes de entulho.
Mas o mais impressionante continua sendo a zona industrial de Karni, perto do ponto de passagem das mercadorias. Por quilômetros quadrados, não resta praticamente nada em pé. São só ruínas e desolação.
Israel sem dúvida quis reduzir a zero a rede econômica da faixa de Gaza já vitimada pelo bloqueio instaurado após a vitória do Hamas. A população perambula no meio desse campo de ruínas, de vigas retorcidas, chapas esmagadas, tijolos empilhados. As casas e as mesquitas não foram poupadas. Ao longe, a fronteira com Israel está calma. Nem mais um tanque à vista. Nem mais um soldado no horizonte. Somente uma extensão verde sulcada pelas lagartas dos tanques.
Em Zeitoun, a menos de 2 km da fronteira israelense, está a zona agrícola que foi assolada pela guerra.
Campos inteiros de oliveiras foram derrubados. "O que fizeram, estas árvores? Faz quarenta anos que elas estão aqui. Por que lutar com elas?", se pergunta Farouk Khoheir ao contemplar esse desastre. A maior parte das fazendas dos arredores foram gravemente danificadas. As vacas mortas jazem, com o ventre inchado.
Um comboio de charretes puxadas por jumentos vem recuperar a madeira das oliveiras que cobre os sulcos deixados pelos tanques.
Os camponeses vagam pelo que resta de suas culturas após terem fugido no início da ofensiva terrestre. Hassan Ahmed Hassanine não teve tempo de partir. Ele ficou preso em sua fazenda com 115 pessoas, assistindo, impotente, à destruição do trabalho de sua vida. "Nós içamos bandeiras brancas, mas os Apaches atiraram em nós. Só pudemos sair ao fim de cinco dias", ele diz. Um membro inválido de sua família foi morto por uma bomba.
Com lágrimas nos olhos, ele insiste em nos mostrar o que restou de sua propriedade dilacerada pelas escavadeiras, furada por todos os lados pelos projéteis cujos fragmentos ainda cobrem o chão. Agora é impossível viver nesse lugar, como se ele tivesse sido sacudido por um terremoto.
Ao todo são nove famílias desabrigadas. "Que crime nós cometemos? Não havia resistentes aqui. Não temos nada contra Israel.
Nós queremos simplesmente viver em paz e segurança. Por que destruir tudo?
Como vou fazer para sair dessa?", se pergunta Hassan Ahmed Hassanine, que tem a impressão de ter sido abandonado por todos. "Vocês são as primeiras pessoas que vêm me visitar".
No leste da cidade de Gaza, os bairros de Zeitoun e de Tal Al-Hawa em especial sofreram bombardeios. A praça de Barcelona transformada em posição de apoio por Tsahal foi devastada pelos tanques Merkava.
Montes de terra que servem de barreira para os tanques continuam lá. O asfalto das estradas se desintegrou sob as lagartas.
Na cidade, os ministérios, as delegacias, o Parlamento, as casernas são só amontoados de escombros. Em alguns bairros, não há sequer um vidro nas janelas. A vida aos poucos recomeça. Policiais organizam um fluxo de carros ainda pequeno. Os habitantes de Gaza se recuperam lentamente do choque. "Após o embargo, a guerra. O que o futuro nos reserva?", se pergunta Hussam, esperando que o cessar-fogo dure.
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