O jornal Folha de São Paulo ontem publicou a seguinte reportagem de Sofia Fernandes:
“Governo Lula abre em março primeira embaixada sul-americana na Coreia do Norte, cujo regime é um dos mais fechados do mundo Arnaldo Carrilho, diplomata designado para chefiar a missão, afirma que também buscará discutir a questão nuclear norte-coreana
A embaixada do Brasil na Coreia do Norte vai começar a funcionar em março, dentro de uma estrutura modesta. Serão três funcionários, uma casa em Pyongyang, cujo aluguel e manutenção custarão US$ 5,5 mil por mês aos cofres públicos brasileiros. Mas a estrutura física da missão não condiz com a dimensão do feito histórico. O Brasil será o primeiro país das Américas a instalar uma embaixada no território comunista mais fechado do mundo.
Arnaldo Carrilho, 71, diplomata escalado para embaixador em Pyongyang, falou à Folha , em seu escritório no Itamaraty, das perspectivas abertas pela nova missão diplomática. Ampliar o comércio bilateral, atualmente animado por uma fase próspera, será uma das principais metas. Em 2008, os dois países compraram e venderam um volume de US$ 380 milhões, comércio 64% maior do que em 2007.
Carrilho foi embaixador por dez anos em países da Europa, 12 anos em países árabes, na China, na Tailândia e representou o Brasil em Ramallah, na Cisjordânia, em 2007. Abriu as embaixadas do Brasil na Arábia Saudita e na Alemanha Oriental. Ele já foi sabatinado pela Comissão de Relações Exteriores do Senado e espera que sua indicação seja aprovada em plenário em 4 de março. Confira abaixo trechos da entrevista.
FOLHA - QUAL A IMPORTÂNCIA POLÍTICA DA EMBAIXADA?
ARNALDO CARRILHO - A Coreia do Norte é um país muito visado.
Não necessariamente pela comunidade internacional, mas pelos países que têm os grandes vetores do poder diplomático no mundo, como China e Rússia. Costumo dizer que o Brasil não é só o primeiro país da América do Sul, mas o primeiro país das Américas a instalar missão diplomática em Pyongyang. Com a exceção de Cuba, que é, entre aspas, suspeita, por também ser socialista.
FOLHA - O COMÉRCIO CRESCENTE ENTRE OS DOIS PAÍSES É O QUE MAIS ANIMA A NOVA MISSÃO DIPLOMÁTICA?
CARRILHO - O Brasil já é o quarto parceiro comercial do país asiático. Os primeiros são China, Rússia e Coreia do Sul. Estou indo para incentivar o comércio, principalmente o de alimentos, de commodities. Eles precisam de carne bovina, suína, galináceo. Claro que não temos a pretensão de 100% de lucros. Mas o importante é entrar na região, por o pé lá. Estou pensando muito também no comércio de importação do Brasil de magnesita, útil para revestimento de fornos.
FOLHA - O SR. PRETENDE INCENTIVAR QUE O BRASIL COMPRE DA COREIA?
CARRILHO - Eu sou de uma geração imbuída de uma ideia: quanto mais eu promovo o país onde estou em missão, mais eu estou promovendo o meu. Se tivermos um aumento comercial significativo com a Coreia, a gente vai poder ter uma presença maior, não só na Coreia em si, mas no nordeste da Ásia, uma região nevrálgica.
FOLHA - COMO PLANEJA ENTRAR NAS NEGOCIAÇÕES SOBRE A DESNUCLEARIZAÇÃO DA COREIA DO NORTE?
CARRILHO - Vou fazer um périplo rápido, antes de ir para Pyongyang, por cinco capitais: Washington, Tóquio, Seul, Pequim e Moscou. São as capitais que, com Pyongyang, formam o grupo das conversações para estudar a questão da desnuclearização do país. Quero sondar cada um deles, conversar sobre o que pretendem fazer a partir de agora. Dependendo do que ouvir, vou me posicionar. O Brasil pode ter um papel importante nas negociações.
FOLHA - A EMBAIXADA É UM SINAL DE UMA NOVA CONDUTA DA DIPLOMACIA BRASILEIRA?
CARRILHO - Passamos atualmente por uma expansão muito grande, de uma nova personalidade diplomática. O Brasil surge como uma grande nação da América do Sul que não tem alianças, nem aliados, não tem essa coisa de se impor. O que o Brasil quer é ter uma personalidade internacional de acordo com o seu caráter nacional. E o caráter nacional brasileiro é normalmente solidário.
FOLHA - QUAIS SERÃO OS DESAFIOS EM PYONGYANG?
CARRILHO - Vou ter de depender muito de Pequim. A Coreia do Norte não aceita o dólar americano, e nós somos mantidos no exterior a dólar americano. Isso vai nos forçar abrir uma conta em dólar, talvez em Pequim.
Além disso, é uma população toda educada para a construção do socialismo, com profundo complexo anti-americano. Será um outro tipo de "aproach".”
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