Ontem, li no jornal Correio Braziliense a seguinte reportagem de Alon Feuerwerker:
“Boas notícias de Washington. Os Estados Unidos têm problemas suficientes para se darem ao luxo de arrumar confusão no quintal de casa. É só disso que se trata.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva alcançou sucesso no ponto mais delicado de seu encontro com o colega americano, Barack Obama. Os Estados Unidos manifestaram com clareza o desejo de restabelecer completamente a normalidade das relações com a Venezuela. A posição de Washington nada tem a ver com algum viés ideológico. Trata-se simplesmente de ratificar a essência da arquitetura diplomática vigente na Era Bush para a região. Manter a América Latina como esfera de influência, fazendo para isso as concessões políticas necessárias. Concessões cujo limite, naturalmente, é a segurança nacional dos Estados Unidos.
Mas não se trata só de replicar a doutrina, dado que sua aplicação nos oito anos de George W. Bush foi assim meio aos trancos e barrancos, por conta de um detalhe: algumas vezes, a desejada pax americana entrava em contradição com outro vetor, a “expansão da liberdade”. Daí que os Estados Unidos tenham assumido, no mínimo, uma atitude equívoca diante do golpe de Estado que em 2002 derrubou Hugo Chávez, antes do contragolpe que o recolocou no poder. Também decorre dessa tensão entre dois vetores contraditórios que Washington se tenha deixado enlevar pelo canto de sereia do separatismo da meia-lua boliviana. Nos dois casos, a Casa Branca colheu derrotas que poderia ter evitado, se o approach tivesse sido mais pragmático.
São as ironias da história. Agora, com Barack Obama, há melhores condições para resgatar a essência pragmática da política de Bush. Os Estados Unidos têm problemas suficientes para se darem ao luxo de arrumar confusão no quintal de casa. Por mais crua que seja a descrição, é só disso que se trata. O bom é que a circunstância cria condições objetivas para o prosseguimento do avanço democrático no subcontinente. Desde, é claro, que se respeitem as regras do jogo.
Escrevi aqui em “Integrar para não entregar”, antes da viagem presidencial: “Os americanos precisam do petróleo venezuelano, e Caracas precisa vender petróleo a Washington. Os americanos acham que Chávez pode muito bem um dia fechar a torneira. E Chávez acha que, pelo petróleo, os americanos estão dispostos a fazer com ele e o seu país o que fizeram com Saddam Hussein e o Iraque. E tudo isso logo ali na nossa fronteira norte. Ao Brasil interessa desarmar a bomba”.
Mas como desarmá-la? A Venezuela deve garantir que não irá representar, em nenhuma circunstância, ameaça à segurança nacional dos Estados Unidos. Em troca, os EUA não se metem nos assuntos internos da Venezuela. A reação suave do Departamento de Estado aos resultados do último referendo venezuelano foi um sinal de que essa linha está em curso. E o que Lula ouviu de Obama confirma o diagnóstico. Mas como assegurar que o pacto será cumprido?
Quando depois da Crise dos Mísseis Cuba obteve dos Estados Unidos a garantia de não intervenção, desde que a ilha nunca se transformasse em plataforma de agressão ao vizinho do norte, o aval veio da União Soviética. Não chega a ser só coincidência, portanto, que Chávez busque na Rússia o contrapeso para o que considera ser uma ameaça real vinda do norte. E aí chegamos ao ponto: quanto mais o Brasil estiver de mãos amarradas diante da tensão regional, mais espaço haverá para que a América do Sul sofra ingerência externa. Visto ao contrário: quanto mais o Brasil assumir o natural papel de liderança, menor será a probabilidade de intromissões alheias.
O conflito entre a Venezuela e os Estados Unidos arrasta todo o continente para uma lógica de confrontação. O que temos nós a ver com a disputa entre Washington e Moscou sobre o escudo antimísseis na Europa Oriental? Ou com o veto europeu e americano ao programa nuclear iraniano? Em teoria, nada. Mas se a Venezuela for instada a se aproximar cada vez mais da Rússia e do Irã, nosso continente será lançado a um cenário de lutas que não são nossas. Se isso afinal se precipitar, a liderança brasileira passará a ser não mais do que ornamental.
Por isso é que são boas as notícias que vêm de Washington. A política tem mesmo horror ao vácuo. É ótimo que nós ocupemos o nosso espaço.”
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