segunda-feira, 30 de março de 2009

TOALHA JOGADA

Li ontem na Folha de São Paulo o seguinte artigo de Marcelo Leite. O autor escreveu a coletânea de colunas "Ciência - Use com Cuidado" (Editora da Unicamp, 2008) e o livro de ficção infanto-juvenil "Fogo Verde" (Editora Ática, 2009), sobre biocombustíveis e florestas.

PERIÓDICOS DESCONFIAM DE TRABALHO DE PONTA VINDO DE UM PAÍS TROPICAL

“Ao vencedor, as batatas. Stevens Kastrup Rehen decerto conhecia a máxima machadiana quando retornou ao Brasil, em 2005, para retomar um posto na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Isso depois de começar com o pé direito uma carreira nos Estados Unidos de pesquisador independente, em centros de excelência como o Instituto Scripps. Rehen poderia acrescentar agora, com conhecimento de causa: ao perdedor, as toalhas.

Seria, no entanto, render-se a uma visão estreita do que significa perder e ganhar, em ciência. Jogar a toalha na competição internacional, em seu caso, significa apenas um lance no clássico que é a pesquisa com células-tronco no Brasil. Um clássico em que ele entrou para decidir.

Rehen faz tabela com Lygia da Veiga Pereira, que pesquisa na USP. Eles atuam na primeira divisão das células-tronco embrionárias humanas (abreviadas CTEHs), promessa ainda experimental de uma medicina regenerativa, e das primas adultas apelidadas de células pluripotentes induzidas (CPIs seria a sigla canhestra em português; melhor iPSC, do inglês).

Pereira marcou um tento importante com a primeira linhagem de CTEHs criada no Brasil, batizada BR-1 e anunciada em outubro passado. Em janeiro quem marcou foi Rehen, com o cultivo pioneiro de iPSCs no país. Ambos os tipos de célula precursora guardam a capacidade de originar as células especializadas de dezenas de tecidos e órgãos do corpo.

Portanto, têm igualmente o potencial teórico de reconstituí-los -curá-los- quando defeituosos ou doentes. Na meta estão diabetes, Parkinson e traumas de medula espinhal, entre outros males. Tanto a pesquisa básica, estágio atual, quanto a futura medicina regenerativa exigirão milhões e milhões dessas células, o que não é possível com os métodos artesanais dos laboratórios. Rehen e Pereira se juntaram a Leda Castilho, também da UFRJ, para iniciar uma produção mais industrial e confiável.

Há um ano, Rehen e Castilho multiplicaram células-tronco embrionárias, ainda importadas, em biorreatores. Sua versão da técnica utiliza frascos rotatórios, para proporcionar às células um banho mais eficaz de nutrientes, e microesferas sobre as quais elas podem agarrar-se e dividir-se. A façanha foi relatada pela imprensa brasileira. Para a opinião pública leiga basta o critério dos editores, mas, para a comunidade de pesquisa globalizada é preciso o aval de periódicos científicos, os famigerados "journals". Eles exigem que todo artigo passe pelo crivo da "peer review" (revisão por pares), crítica especializada e, em geral, anônima (o parecerista não sabe quem é o autor).

Começou a corrida pela publicação. Rehen conta que enfrentou resistência dos revisores, possivelmente desconfiados de um trabalho de ponta proveniente de um laboratório periférico num país tropical. Um grupo de Wisconsin (EUA), a Roma das células-tronco, saiu na frente. Ao trombar com o quarto "journal", Rehen jogou a toalha. Partiu para um periódico brasileiro, "Brazilian Journal of Medical and Biological Research". Apesar de editado em inglês, sua penetração internacional é menor. O artigo foi aceito nesta semana. A toalha foi jogada, mas os dados científicos também. Ninguém tira de Rehen, Pereira e Castilho o mérito de garantir que, se a medicina regenerativa com células-tronco um dia entrar em campo, o Brasil poderá partir para o ataque com seus próprios talentos e células.”

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