O jornal Folha de São Paulo ontem publicou o seguinte artigo de Luiz Carlos Bresser-Pereira. O autor é professor emérito da Fundação Getulio Vargas; ex-ministro da Fazenda (governo Sarney), da Administração e Reforma do Estado (primeiro governo FHC) e da Ciência e Tecnologia (segundo governo FHC); é também autor de "Macroeconomia da Estagnação: Crítica da Ortodoxia Convencional no Brasil pós-1994".
O CONCEITO GEOGRÁFICO DE AMÉRICA É NATURALMENTE VERDADEIRO, MAS, ALÉM DISSO, O QUE SIGNIFICA A AMÉRICA?
“Quando escrevo este artigo, não sei ainda qual foi o resultado da Cúpula das Américas, mas, apesar da esperança que o mundo deposita em Barack Obama, não creio que ele possa mudar um fato simples: a reunião é inconsequente, porque o conceito político e econômico de América não faz sentido. O conceito geográfico de América, ou das três Américas, é naturalmente verdadeiro, mas, além disso, o que significa a América?
Para que uma região do mundo tenha um sentido econômico e político, é necessário que entre os países que a compõem existam interesses comuns que não se estendem aos demais. Além de comuns, portanto, os interesses devem ser relativamente exclusivos.
É difícil, porém, ver quais são os interesses exclusivos que os países em desenvolvimento da América Latina têm com os Estados Unidos e o Canadá. Esses dois países partilham interesses reais e exclusivos com os europeus porque seus níveis de desenvolvimento e de salários são semelhantes. Com os demais países do continente americano -sejam os pobres ou os de nível médio-, a relação ou é de conflito devido aos salários menores destes ou é simplesmente imperial.
A relação dos Estados Unidos com a América Latina foi sempre a do império com a colônia. A célebre frase do presidente Monroe -"a América para os americanos"- poderia ser pensada como uma manifestação de solidariedade continental, mas é apenas a expressão do nacionalismo e do caráter imperial do grande país que estava então se formando. Até 1930, a América Latina era o "quintal dos Estados Unidos"; alcançou razoável autonomia entre essa década e os anos 1980, mas nos anos 1990 voltou à condição anterior, semicolonial, então expressa na subordinação ao Consenso de Washington.
Desde os anos 2000, vários países vêm recuperando autonomia -algo que desagrada às elites americanas e principalmente às suas empresas multinacionais, que dispõem dos mercados internos da América Latina como seus mercados-reserva em troca de quase nada.
Barack Obama terá condições de mudar essa relação? Terá condição de abandonar a ideia de que os países latino-americanos necessitam da "ajuda" dos Estados Unidos e tratar de encontrar interesses realmente comuns? Não creio, até porque mudança dessa natureza não está na agenda de ninguém. O que está na agenda latino-americana é apenas o fim do bloqueio econômico a Cuba, enquanto os Estados Unidos estão interessados em assinar acordos bilaterais com países latino-americanos que, em troca de modesta abertura do mercado americano, têm as vantagens de dividir a região e limitar gravemente a autonomia do país contratante. Para os países da América do Sul, não faz mais sentido sequer o conceito de América Latina depois que o México aceitou a dependência aos Estados Unidos por meio do Nafta.
O que pode fazer sentido, como bem sabe nossa diplomacia, é uma maior união com os países da América do Sul. A condição essencial para que haja um acordo real -um nível de salários semelhante- existe. Mas alguns países, como o Chile, a Colômbia e o Peru, ainda não estão convencidos de que seu real interesse é o de se associarem a seus semelhantes em vez de se subordinarem aos Estados Unidos. A Cúpula das Américas pode ser útil para algumas ações coletivas internacionais como o combate à droga e ao crime organizado, mas mesmo em relação a esses problemas não há por que pensar nas Américas -é melhor pensar a nível maior porque são questões mundiais.”
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