Li hoje no site “Carta Maior” o seguinte artigo do filósofo e cientista político Emir Sader:
“A Folha era um jornal totalmente inexpressivo até a década de 70. Havia uma supremacia clara do Estadão, a Folha não tinha cara definida. Participou do coro de conclamação de toda a imprensa brasileira – menos a Ultima Hora - ao golpe militar de 1964, contribuindo à construção do plano de desestabilização do governo legitimamente eleito que teve a participação direta do governo dos EUA, assim como da hierarquia da Igreja Católica, dos partidos de oposição e das grandes entidades empresariais. Uma vez dado o golpe, o apoiou, assim como a instalação da ditadura militar, acobertou todos os crimes da repressão, reproduzindo as mentirosas versões oficiais, assim como todos os outros jornais.
Nos anos 70, Claudio Abramo assumiu a direção do jornal, na tentativa da família Frias de conquistar graus de credibilidade, que o jornal nunca tinha tido. A nova orientação, valendo-se da hegemonia da orientação liberal que triunfava na oposição, levou o jornal a ganhar uma identidade de jornal democrático, pluralista.
A abertura gradual de espaços opositores, depois da derrota da resistência armada, e o caráter conservador do Estadão, possibilitaram a aparição de um espaço que a FSP soube aproveitar.
A imagem da FSP como expressão da “sociedade civil” ficou graficada nas fotos que o jornal fazia anualmente com representantes dela, que eram fotografados encima do prédio do jornal, pretendendo consolidar a marca do jornal como representante orgânico da sociedade civil, espaço opositor ao regime. Colunistas progressistas se somavam a espaços para artigos na pagina 3 de intelectuais e dirigentes opositores consolidaram essa imagem do jornal. A campanha pelas eleições diretas teve no jornal seu instrumento mais direto, enquanto as lutas sociais encontravam cobertura antes restrita à imprensa alternativa.
Essa imagem se consolidou e se prolongou mais além da direção de Claudio Abramo. Ao longo da década de 80 o jornal se beneficiou dessa imagem, que se firmou quando o jornal se colocou na oposição ao governo Collor, diferenciando-se do resto dos jornais. Foi o seu momento de maior prestígio e de maior tiragem. Dos seus leitores vinculados a partidos, a maioria era do PT. Tinha colunistas, às segundas-feiras, como Marilena Chaui, Florestan Fernandes, Paulo Sergio Pinheiro, Darcy Ribeiro, abrigava outros intelectuais de esquerda na sua página 3, dava cobertura jornalística que o diferenciava claramente do Estadão e do Globo.
O declínio da FSP veio com a ascensão de FHC ao Ministério de Economia do governo de Itamar e com o lançamento do Plano Real. Nesse momento o jornal já era dirigido por Otavio Frias Filho, acompanhando o mesmo mecanismo de oligarquia familiar que se dá no Globo, na Editora Abril, no Estadão. A combinação desses fatores apontou para a decadência irreversível do jornal desde o governo FHC, consolidando-se no governo Lula.
A identificação com a elite branca dos jardins paulistanos – em que coincide rigorosamente com a elite tucana – foi fazendo do jornal um componente essencial da nova direita brasileira. Neoliberal na economia, liberal com os traços autoritários e discriminatórios no social e no político, pretensamente sofisticado, mas na verdade provinciano no plano cultural.
A adesão expressa ao tucanato fez com que o jornal baixasse de mais de 600 mil exemplares de tiragem, a menos de 300 mil em 10 anos, com uma queda que não se detêm – apesar do esforço desesperado do apelo aos brindes. Além de que o publico do jornal ficou muito seletivo – centralmente tucanos e classe média alta e burguesia.
A adesão aos tucanos e a feroz e obscurantista oposição ao governo Lula fez com que o jornalismo perdesse toda qualidade. Tudo passou a ser editorializado no jornal. Todos os colunistas – à exceção de José Simão – passaram a ser iguais. O jornal chegou a cobrir as eleições internas do PT sob a rubrica do “mensalão”, a grande sacada jornalística do jornal, com que acreditou que derrubaria a Lula. Na sua histeria chegou a publicar na primeira página o artigo de um suposto psicanalista, que dizia que o governo Lula tinha assassinado a mais de 100 pessoas no acidente da Tam em Congonhas.
Houve uma radical perda de credibilidade da FSP, que era seu diferencial, tornando-se um jornal tucano e serrista, que editorializa todo o jornal, revelando uma incapacidade para compreender o governo Lula e sua imensa popularidade, assim como as transformações que o país vive. (O Força Serra Presidente é uma sacada muito real para caracterizar o tucanalhanato de todo o jornal, em particular da editoria política e dos cronistas políticos, assim como da família proprietária da empresa.) Alguns cronistas tentam enganar que fazem criticas de esquerda ao governo, mas não conseguem esconder suas penugens tucanas.
Intelectuais de esquerda são entrevistados a cada tanto tempo ou se lhes dá espaço de artigo, contanto que se reservem a criticar o governo e o PT, sem qualquer critica à direita, menos ainda ao monopólio de imprensa da direita.
O FSP (Força Serra Presidente) revela que vai jogar ainda mais pesado na campanha presidencial, em que seu candidato e eterno colunista será o candidato da direita. O episódio da “ditabranda” e o da publicação de uma ficha falsa da Dilma, retirada de um site de extrema direita, de ex-oficiais das FFAA a favor da ditadura, confirmam isso. A perda de assinaturas e de tiragem do jornal os exaspera, a crise econômica vai chegar em cheio a toda a imprensa escrita – já chegou à Editora Abril, salva por enquanto por Serra com a compra dos fascículos -, que tira muito menos do que dizem e se dão conta que vai minguando cada vez mais também as publicidades.
É o episódio final, sem pena nem glória, de uma imprensa que chancelou o golpe e a ditadura militar, foi o sustento central do governo FHC, foi derrotada duas vezes por Lula e se desespera com a hipótese de ter que ficar na oposição outro período mais. Nunca confessou, mas confirmou com o silêncio, ter emprestado carros da empresa para a repressão da ditadura. (Como se sentem supostos esquerdistas que trabalhar lá diante disso? Nem se pronunciaram sobre a “ditabranda”, revelando que já não lhes sobra nada de caráter, que estão plenamente comprometidos com a empresa, à qual muitos emprestam seus nomes para constar no comitê editorial.)
O filho do proprietário original é eleito e reeleito como editor chefe do jornal, reproduzindo o mecanismo de uma empresa de oligarquia familiar. Ele só ocupa esse cargo, porque é filho do seu pai, como seu nome indica. Nenhum outro mérito, salvo membro a segunda geração de uma empresa familiar. Nenhuma democracia rege na redação do jornal. O consolo é que, ainda que tivesse filho, não poderia colocar a sucedê-lo, porque é a ultima geração dessa imprensa escrita no Brasil.”
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