Li hoje no site Terra Magazine, do jornalista Bob Fernandes, o seguinte artigo de Cláudio Lembo. O autor é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador:
TRISTE SINA
“Os acontecimentos históricos já não merecem registros. Passam como meros feriados. Longos dias de descanso. Nada mais. Nenhuma reflexão. Já não importam. Criou-se uma cultura da indiferença.
A massa de informações e a massiva presença de notícias vindas de todas as partes relegam o passado ao mero esquecimento. Não é bom. As experiências de ontem podem ser úteis nos dias contemporâneos.
Vive-se o grande feriado de 21 de Abril, data comemorativa da morte de José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, um simples alferes. Uma figura popular emblemática.
Vivia sua existência pacata lá pelas terras das Gerais. Nunca foi promovido. Ao contrário, preterido por quatro vezes em sua intenção de subir na carreira militar.
Extraía ou renovava dentes. Elaborava próteses com dentes de ossos ou de madeira. Não era um desclassificado. Não pertencia, contudo, a elite da colônia.
Envolveu-se, porém, com figuras relevantes e notáveis das Minas Gerais. Um grupo de intelectuais refinados. Possuíam bibliotecas de qualidade. Debatiam acontecimentos longínquos.
Conheciam a Revolução Americana. Desejavam tê-la como parâmetro. A liberdade era objetivo comum. Ainda que suportada na visão da conquista de uma anistia geral.
O quinto do ouro sufocava os ricos. Estes imaginavam a possibilidade de se verem livres do pesado tributo. Os filhos, vindos de estudos em Coimbra e Londres, divulgavam as excelências da revolução industrial.
Todos divagavam. Nas minas, aonde a extração do ouro ia ao esgotamento, escravos padeciam situações desumanas. O futuro destino desta mão-de-obra era debatido.
A liberdade, objeto de pregação, não poderia levar a desordem social? Indagavam os inconfidentes. Não atingiam o consenso. Dividiam-se. A intelectualidade perdia-se em divagações.
Tiradentes, personagem popular, percorria as estradas entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Divulgava o movimento. Aproveitava-se do descontentamento existente entre os comerciantes cariocas.
A metrópole determinara o recolhimento de teares a Lisboa. A industrialização sofria vedação absoluta. Aos nativos apenas a permissão de comerciar bens permitidos pela coroa portuguesa.
Avançava a pregação do alferes. Os intelectuais dialogavam em suas casas bem situadas. Aconteceu o esperado. A coroa tomou conhecimento da rebeldia de seus súditos.
São presos. Todos levados para o Rio de Janeiro. Começava o grande processo. Afinal, o julgamento. Alguns enviados ao exílio na África. Uns poucos absolvidos. Na prisão, a morte estranha de um inconfidente.
A pena de morte é aplicada. A vítima o mais simples dos inconfidentes. Tiradentes é condenado à forca. Morte com indignidade. O seu corpo esquartejado. Sua casa - alugada - destruída e o terreno salgado.
O episódio lembra tantos outros de nossa História. Até os mais recentes. Os intelectuais exilados. Os outros confinados em prisões, torturados e mortos muitas vezes. Sem qualquer perdão.
Tiradentes, esquecido durante todo o período monárquico, começou a ser lembrado e exaltado após a proclamação da República e muito intensamente durante o Estado Novo.
São os paradoxos da História. Uma personagem da liberdade objeto de veneração em plena ditadura de 1937. Compreende-se. O Estado Novo foi período nacionalista. O herói buscou a soberania para os brasileiros.
Quando pormenores da Inconfidência Mineira são recordados, cenas exemplares saltam aos olhos. Tiradentes, no momento derradeiro, beijou os pés do carrasco. Símbolo de perdão concedido.
O carrasco retribuiu. O condenado não morreu ao ser lançado ao espaço com a corda ao pescoço. O algoz não titubeou. Jogou-se às costas do condenado.
Esta imagem derradeira do sacrifício de Tiradentes é exemplar. Marca todo o percurso do próprio povo brasileiro. Sempre há alguém a se lançar às costas dos desvalidos. Triste sina.”
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