Li hoje no site “vermelho” o seguinte artigo de Mark Weisbrot, publicado no “The Guardian”, jornal britânico de centro-esquerda:
TECNOLOGIA VERDE X FUNDAMENTALISTAS DAS PATENTES
“A batalha sobre os direitos de propriedade intelectual é aparentemente uma dos mais importantes deste século. Ela tem um enormes implicações econômicas, sociais e políticas numa ampla gama de áreas, da medicina às artes e cultura – qualquer coisa em que o interesse público esbarre naqueles cujo lucro vem do monopólio do conhecimento. Agora parece que os esforços para conter a mudança climática global também se chocam com os poderosos interesses que defendem uma concepção fundamentalista de propriedade intelectual.
De acordo com o site Inside US Trade, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos irá à luta para limitar o acesso dos países em desenvolvimento a tecnologias ambientalmente corretas (ESTs, sigla em inglês de environmentally sound technologies). Eles temem que as negociações internacionais sobre alterações climáticas, que se realizam sob os auspícios das Nações Unidas, vão erodir a posição das empresas donas de patentes quanto a tecnologias do presente e do futuro.
Os países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China, indicaram que se – como seria de esperar, nos próximos anos – eles terão de fazer sacrifícios para reduzir as emissões de carbono, devem ter o direito de licenciar algumas das mais eficientes tecnologias disponíveis nesta área.
O big business está preocupado com isso, pois prefere que os direitos de patente tenham supremacia absoluta. Eles querem ter certeza de que as conversações sobre alterações climáticas não vão corroer o poder que adquiriram através da OMC (Organização Mundial de Comércio).
A OMC é muito mal informada e composta enquanto organização destinada a promover o livre comércio. De fato, algumas das suas mais importantes regras econômicas promovem o oposto: as mais custosas formas de protecionismo no mundo.
As regras da OMC sobre propriedade intelectual (Trade-Related Aspects of Intellectual Property, ou Trips) são o exemplo mais gritante. Elas são concebidas para alargar e aplicar em todo o mundo as leis de estilo americano sobre patentes e direitos autorais.
Patentes são monopólios, uma restrição ao comércio, que gera ineficiência exatamente da mesma forma que as tarifas, quotas e outras barreiras comerciais. O argumento econômico para relaxar as regras quanto a patentes é, portanto, o mesmo que se usa para eliminar as barreiras comerciais, apenas 50 ou 100 ou até 1.000 vezes maior – uma vez que a tarifa média sobre bens agrícolas ou manufaturados ou é muito pequena comparada com o peso dos monopólios das petentes sobre o preço de um medicamento.
Estas restrições custam ao consumidor americano cerca de US$ 220 bilhões anuais a mais que os preços competitivos. Isto representa muitas vezes mais que os ganhos com liberalização do comércio que se poderia obter de uma conclusão bem sucedida da atual Rodada de Doha da OMC, iniciada em 2001 no Catar.
Foram precisos anos de luta de organizações não-governamentais para que as grandes empresas farmacêuticas afrouxassem o garrote sobre a OMC, quanto à Declaração de 2001 sobre Trips e Saúde Pública, reafirmando o direito dos países-membros a produzir versões genéricas de medicamentos patenteados visando promover a saúde pública.
Mas este foi apenas um primeiro passo, e sete anos mais tarde estes direitos têm sido aplicados quase exclusivamente aos medicamentos anti-retrovirais para o tratamento da aids, em apenas um punhado de países em desenvolvimento. O poder das empresas farmacêuticas, com os seus governos dos EUA e Europa como advogados, ainda mantém medicamentos capazes de salvar vidas fora do alcance de centenas de milhões de pobres do mundo.
O processo legal que tem sido usado - embora muito raramente - para permitir a produção de genéricos contra a aids é chamado de licença compulsória. Significa que um governo pode legalmente autorizar o fabrico de uma versão genérica de um fármaco que está atualmente sob patente, desde que isso seja feito por razões de saúde pública. Um royalte é pago ao titular da patente, mas este geralmente não é muito caro.
Os países em desenvolvimento, como Brasil, Índia e China, querem ter certeza de que essas possibilidades estão abertas para novas tecnologias ambientalmente corretas, por exemplo, nas áreas de energias renováveis, que pode capacitá-los a satisfazer as futuras metas de redução das emissões de carbono. Um funcionário brasileiro observou que seu país só emitiu até agora uma licença compulsória, para a droga anti-Aids Efavirenz, produzida pela Merck.
Mas as grandes empresas não querem assumir qualquer risco. Hoje elas lançaram uma nova entidade chamada Aliança da Inovação, Desenvolvimento e Emprego (Idea, sigla inglesa para Innovation, Development and Employment Alliance). Você deve ter apreciado o toque orwelliano dos marqueteiros dessa gente. Entre os membros da Idea estão a General Electric, Microsoft e Sunrise Solar. Eles dizem que também se ocuparão dos pleitos da propriedade intelectual nos domínios da saúde e energia renovável.
Para os fundamentalistas de propriedade intelectual, os pleitos dos detentores de patentes são direito de propriedade, análogo ao direito de possuir uma casa. Mas a letra da Constituição dos EUA (Artigo 1º, seção 8) não vê as coisas dessa maneira, e nem, na sua maior parte, os tribunais americanos.
O nosso sistema jurídico há muito leva em conta que a proteção dos monopólios de patentes e direitos autorais precisa admitir um importante tradeoff (conflito de escolha) entre premiar a inovação e a criatividade, por um lado, e permitir a difusão de conhecimentos e o desenvolvimento de novas tecnologias.
As regras da OMC, impulsionadas pelos interesses protecionistas de poderosas corporações, foram longe na defesa da visão fundamentalista da propriedade intelectual, em detrimento da economia e da saúde pública no mundo. Agora nossas corporações temem que os negociadores nas ONU, no âmbito da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, poderão não partilhar estas opiniões fundamentalistas, especialmente quando o futuro do planeta está em jogo.
Há dez anos, os ambientalistas desempenharam um papel importante na expoposição dos preconceitos das regras da OMC, que tendem a reforçar os interesses comerciais em prejuízo da regulamentação ambiental. Um momento de virada foi alcançado quando eles ajudaram a organizar os grandes protestos que encerraram as negociações da OMC em Seattle, 1999, fazendo soar o sinal de alarme e construindo a contestação em todo o mundo.
Hoje, a consciência ambiental e o sentido de urgência quanto às alterações climáticas se ampliaram muito mais. A administração Obama deve tomar nota do tema e colocar-se nitidamente do lado que promove a disseminação de tecnologias ecologicamente corretas.”
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