Li hoje o seguinte texto de Eduardo Guimarães postado em seu blog “Cidadania.com”:
“Vocês devem – ou deveriam – estar pela tampa com a imprensa golpista do eixo São Paulo-Rio com essa história que ela não pára de masturbar sobre o “risco à democracia” que estaria contido na intenção supostamente oculta de Lula de fazer aprovar de alguma maneira no Congresso (via PEC) proposta que lhe permita conseguir um terceiro mandato para si.
Apesar das reiteradas negativas do presidente, a imprensa não se satisfaz. Acha que é pouco ele dizer que não disputará terceiro mandato nenhum. Não diz claramente o que ele deveria fazer, mas explica uma vez e outra e mais outra quão danoso seria para a democracia mudar as regras do jogo com este em andamento, ou seja, permitir que um presidente altere a Constituição para poder disputar um novo mandato.
Essa ojeriza da imprensa a mudança constitucional que permita a um governante disputar mandatos consecutivos nas urnas também se manifestou estrepitosamente durante o processo recentemente ocorrido na Venezuela, no qual o presidente Hugo Chávez conseguiu o direito de disputar novas reeleições.
Atado a esta maldita memória que me tortura, porém, sou tomado de acessos de gastrite cada vez que leio ou escuto os empregadinhos das famílias Marinho, Frias, Civita e Mesquita – bem como seus penduricalhos no resto da mídia – vituperarem contra mudança das regras do jogo com ele em andamento. Sofro o diabo com essa conversa fiada.
Sabem por que? É que me lembro do que essa mesma mídia dizia à época em que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mudou a Constituição – inclusive por meio de compra de votos de deputados para votarem com o governo – a fim de poder se candidatar à reeleição.
Jornais como Folha de São Paulo, O Estado de São Paulo e O Globo, entre outros, defendiam apaixonadamente a possibilidade de FHC recandidatar-se sob a mesma mudança das regras do jogo que agora esses veículos dizem ser “atentado à democracia”. E a justificativa era a vontade popular, que agora esses órgãos de imprensa dizem que não importa e que não mais justifica mudança constitucional.
Em 5 de janeiro de 1996, por exemplo, editorial da Folha intitulado “Reeleição Popular” propugnava nesse sentido. Vejam, abaixo, que “gracinha”.
“O apoio de três em cada quatro brasileiros à possibilidade da reeleição para o próximo presidente e futuros governadores e prefeitos mostra que a população vê com bons olhos a chance de renovar os mandatos que vem a se mostrar bons governantes. (...)
O argumento de que a reeleição ensejaria o uso eleitoral da máquina administrativa pelo mandatário – o candidato parece engajado. Afinal, esquece ingenuamente que a ‘máquina’ pode ser igualmente utilizada – como lamentavelmente ocorre amiúde – em prol do candidato de situação, mesmo que não seja ele o mandatário.
Uma eventual emenda de reeleição, ademais, evidentemente não muda a lei para manter um governante. Ela apenas permite que ele se recandidate. Entre a candidatura e a renovação do mandato estará sempre o democrático e o inquestionável veredicto das urnas.”
Hoje, a mesma Folha de São Paulo não quer nem ouvir falar em projetos de lei sobre a realização de um plebiscito para perguntar ao povo se Lula pode ou não disputar um terceiro mandato, mas quando quem governava era FHC e era ele quem desejava mudar a Constituição para poder disputar um novo mandato, o jornal tinha outra opinião.
Leiam, abaixo, trecho do editorial da Folha de 9 de janeiro de 1997 intitulado, mui adequadamente, como “Casuísmo explícito”. Mas só leiam se tiverem estômago forte.
“Esta Folha há muito considera justo o direito de os governantes, inclusive os atuais, disputarem a reeleição. Mas a abrangência da questão, a total ausência de debates esclarecedores e a clara manipulação do tema, visando benefícios meramente eleitorais, tornam cada vez mais indispensáveis que o assunto venha a ser examinado em fóruns amplos e, em seguida, apreciado em plebiscito nacional”
Já o jornal carioca O Globo não queria perder muito tempo com o assunto. Em editorial de 26 de janeiro de 1997 intitulado “O preço da demora”, pedia que se aprovasse logo a emenda da reeleição de FHC para não atrapalhar seu magnífico projeto de nação, que dois anos depois quebraria de novo o Brasil e o faria peregrinar pelos organismos multilaterais de pires na mão.
Leiam e chorem.
“(...). Para essas mudanças são fundamentais as reformas estruturais em andamento: delas dependem a revisão da ação do Estado, enquanto os mecanismos de mercado se tornam cada vez mais presentes no cotidiano dos brasileiros.
Tudo isso está suspenso, enquanto se debate a emenda da reeleição. Trata-se de uma questão política duplamente importante do ponto de vista econômico. Por um lado, a aprovação do direito de reeleição na prática significa a ampliação do horizonte das reformas; por outro lado, é um problemas que deve ser resolvido com rapidez, para que a classe política, o Executivo e o Congresso voltem a se concentrar na agenda das reformas.”
Como vocês vêem, a mídia só engana os desmemoriados, pois o passado dela a condena. Infelizmente, porém, desmemoriados, ao menos no Brasil, costumam ser maioria. E aqueles que, como eu, têm memória, que se danem.
ONTEM E HOJE
Vocês leram, no primeiro editorial da Folha reproduzido acima, o que o jornal achava ontem de mudar a constituição para que o presidente de turno possa disputar a reeleição. A Folha apoiava, como todo o resto da mídia. Dizia ser direito da população reeleger um governo do qual estava gostando etc. Agora, o discurso mudou, porque mudou a corrente político-ideológica que governa.
Vale a pena ler, abaixo, editorial recente da Folha, do último dia 22, curiosamente intitulado “casuímo sem fim”, que mostra como o jornal muda de opinião sempre de acordo com a própria conveniência, o que mostra como essa gente não tem um pingo de seriedade, sendo apenas um bando de gangsters, de mercenários pagos para defender interesses de grupos políticos e econômicos.
“(...) Retomam-se as especulações e as iniciativas em torno de uma terceira candidatura consecutiva para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (...) Mas a confirmação dos índices de popularidade de um presidente, que referendos desse tipo tendem a refletir, em nada se confunde com a prática institucional de qualquer democracia digna desse nome.
Trata-se de assegurar um mínimo de alternância no poder, de respeitar as regras básicas do jogo político e de evitar que ele se torne refém da figura providencial de líderes personalistas. (...)
Se há muito a aprimorar no sistema político brasileiro, certamente o calendário sucessório e o dispositivo da reeleição não fazem parte do que interessa discutir. Que se cogite de mudá-los, conforme a conveniência deste ou daquele político, é um sinal de imaturidade que não condiz com o estado já alcançado pelas instituições do país, mais de 20 anos após a Carta democrática.”
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