Ontem, o jornal Correio Braziliense publicou a seguinte reportagem de Alon Feuerwerker:
“A convite do Exército, participei esta semana de visita à região de São Gabriel da Cachoeira, a capital de fato da área conhecida como Cabeça do Cachorro, no extremo noroeste do Brasil. Ali fazemos limite com a Colômbia e a Venezuela. Além de São Gabriel, pude conhecer o pelotão de São Joaquim, na fronteira colombiana, colado a áreas de ação das Farc (Forças armadas Revolucionárias da Colômbia) e, logicamente, do narcotráfico.
Apesar das sabidas dificuldades materiais das Forças armadas, fica visível para quem lá vai a ênfase no deslocamento da ação militar brasileira estratégica rumo ao norte. Um sinal dos tempos é o movimento para a Amazônia de unidades antes sediadas no Rio de Janeiro.
Não é novidade a posição especial da Amazônia no pensamento militar brasileiro. O novo está em que as Forças armadas transformam de fato, e aceleradamente, a preocupação em ação. Cresce o investimento nos pelotões de fronteira, ainda que dentro dos apertados limites orçamentários. Duas decisões recentes potencializaram essa orientação da caserna: o decreto presidencial 6.513, de julho passado, que determinou o reforço da presença militar nas terras indígenas, e as condições colocadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) quando confirmou a demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol.
Com a decisão do STF, o Exército viu garantida legalmente a liberdade de fazer movimentos em terras indígenas, sem o que não poderia cumprir sua missão constitucional em defesa da integridade e da soberania do país. Aliás, uma preocupação dos comandantes na Amazônia é com possíveis pressões externas e internas que tentem “relativizar” a decisão do Supremo. Considerando o estágio atual da discussão na opinião pública, é bom mesmo ficar de olho. A tentativa de demonização da presença militar brasileira na região é a outra face do entreguismo.
Infelizmente, nota-se entre nós a costura de um discurso no qual o Brasil é apontado como “pouco capaz” de cuidar da Amazônia. Em geral, o “cuidar bem” é traduzido por deixar a floresta intocada. Como se algum povo, em algum momento de sua história, tivesse conseguido progredir sem alterar em certo grau o meio ambiente. Para agravar a situação, aceita-se aqui um debate em torno da ideia de “nações” indígenas. Como se os muitos grupos originais não integrassem a nacionalidade brasileira.
Contra essas ameaças o Exército está fazendo a parte dele. Basta ir a São Gabriel da Cachoeira, lugar de grande concentração e diversidade de comunidades indígenas, e constatar que ali as Forças armadas se estruturam com base na integração. Na tropa e fora dela. Os soldados são majoritariamente índios. E no hospital militar local (o único da área), mais de 80% da população atendida é de índios.
Mas o resto do país, será que também está fazendo a sua parte? Há dúvidas. A presença militar é um vetor importante na garantia de autoridade sobre o território. Mas soberania real só se mantém com população e desenvolvimento. O vácuo populacional é a porta de entrada para todo tipo de problema, começando pelo crime e terminando na vulnerabilidade diante da cobiça internacional. É um debate que o Brasil precisa fazer. Como ocupar o norte de modo não assimétrico. Não só com soldados, mas com povo, todo tipo de povo brasileiro.
Nas condições concretas do Século 21, isso só será possível dentro de parâmetros sociais e ambientais coletivamente aceitáveis, e seria adequado se o vetor dessa expansão fosse a agricultura familiar.
Lamentavelmente, os nossos movimentos pela reforma agrária estão presos numa armadilha, em parte por causa da aliança com o ambientalismo global. Em vez de pressionarem o governo pela distribuição e regularização de terras na Amazônia, desperdiçam tempo e energia na luta contra a grande propriedade produtiva, contra o agronegócio. Estão encalacrados num impasse, enquanto o imenso desafio nacional da expansão para o norte carece de uma força social transformadora à altura da grandiosidade da missão.”
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