“A política externa do Irã é muitas vezes descrita em termos alarmistas. As ambições nucleares de Teerã e o fanatismo de dirigentes, vítimas da mania de perseguição, bastariam para explicar uma sucessão de agressões incoerentes contra os interesses americanos. A única saída seria derrubar seus dirigentes, impermeáveis à razão e à lógica da dissuasão.
Na realidade, a política externa de Teerã faz parte de uma certa lógica estratégica, formulada não por mulás iluminados, mas por aiatolás calculistas. Ela visa garantir a sobrevida da República Islâmica contra o que ela percebe como uma ameaça vital exercida pelos Estados Unidos. Para se opor a ela, o Irã elaborou uma estratégia regional que se apoia ao mesmo tempo sobre a dissuasão e sobre as rivalidades no Oriente Médio.
Para desencorajar qualquer intervenção militar dos EUA e de seus aliados, o Irã melhora suas capacidades defensivas ao se dar os meios de conduzir uma guerra assimétrica e de desgaste, seja sobre seu território ou fora dele; ele moderniza seus armamentos; ele fabrica seus próprios mísseis e antimísseis; por fim, busca um programa nuclear cuja utilidade ele ainda não mede muito bem. Para neutralizar os esforços americanos que visam contê-lo, o governo iraniano se empenha em minar os interesses americanos e em garantir sua influência sobre a vasta região que se estende do Leste à Ásia Central.
Ao mesmo tempo em que procura evitar uma confrontação militar com os Estados Unidos, o Irã causa intriga para impedi-los de reunirem uma coalizão hostil, e faz um uso estratégico de seus recursos de petróleo e gás. Com descontos, ele procura usar a União Europeia, mas sobretudo a Rússia e a China. Ele também soube estender sua influência ao Líbano, à Síria, ao Iraque, ao Afeganistão e junto aos palestinos, reforçando assim sua capacidade de resposta em caso de ataque. Além disso, ao levar seu apoio para o Hezbollah e ao Hamas, Teerã pressiona Israel.
É no Afeganistão e no Iraque, onde seus interesses são ao mesmo tempo convergentes e divergentes, que a complexidade das relações entre os Estados Unidos e o Irã é mais evidente. Tanto Teerã quanto Washington querem preservar a estabilidade do Afeganistão, evitar a volta dos talebãs e erradicar a Al-Qaeda (para quem o xiismo é uma heresia). Eles também defendem o controle, ou até a eliminação, do tráfico de drogas, pedra angular para os terroristas e chefes militares nesta região. Por fim, ambos pretendem reconstruir o Afeganistão. O forte envolvimento do Irã na reconstrução afegã lhe permitiu estabelecer uma esfera de influência econômica na província de Herat, garantindo sua estabilidade e impedindo a Al-Qaeda e os talebãs de infiltrá-la. O Irã procura então passar à frente dos Estados Unidos para evitar que Cabul sirva de cabeça de ponte para um ataque americano.
No Iraque, a estratégia iraniana consiste, a princípio, em colocar no poder um governo amigo, de preferência xiita, poderoso o suficiente para estabelecer ordem, mas não o suficiente para ameaçar seriamente a segurança do Irã. Como Washington, Teerã se opõe à balcanização do Iraque, especialmente por medo de que tal fragmentação suscite movimentos secessionistas entre as diversas comunidades étnicas no Irã. E, como Washington, Teerã deseja eliminar a Al-Qaeda no Iraque.
Se o Irã está disposto a se envolver na reconstrução do Iraque, é primeiramente para estender até ali sua esfera de influência econômica, especialmente no sul, onde se encontra uma grande população de origem persa. Ao mesmo tempo, Teerã tem todo interesse em que os Estados Unidos permaneçam atolados no Iraque, sem poder obter ali uma vitória decisiva que lhes permitiria utilizar o território iraquiano para atacar ou desestabilizar o Irã.
Enquanto Washington recusar considerar a lógica da política externa de Teerã, ele não poderá lhe opor uma estratégia válida a longo prazo. Invadir o país não é uma opção possível. Quanto aos golpes ditos cirúrgicos contra as instalações nucleares iranianas, eles só serviriam para desencadear um contra-ataque.
O desafio que o governo americano deve enfrentar é incitar o Irã a rever sua estratégia em relação aos Estados Unidos. Washington não tem interesse em se concentrar sobre um único aspecto do problema, como as ambições nucleares do Irã. A melhor abordagem passa por uma estratégia de compromisso pleno, visando promover progressivamente o câmbio econômico, educativo e cultural entre os dois países. Isso implica trabalhar sobre a base dos objetivos compartilhados pelos dois governos e aplicar mecanismos institucionais concretos encarregados de administrar suas divergências irredutíveis. Washington deve entender que o "problema iraniano" não se resolverá do dia para a noite, com um golpe de varinha de condão. Uma normalização das relações entre o Irã e os Estados Unidos só pode ser um processo longo e difícil.”
FONTE: artigo de Mohsen M. Milani no jornal francês Le Monde, em tradução de Lana Lim, publicado pelo portal UOL em 20/06/2009. O autor do artigo é diretor do Departamento de Assuntos Internacionais na Universidade da Flórida.
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