O deficit fiscal brasileiro está entre os menores, quando se consideram os países do G20; não há motivos para alarme
"As contas públicas sofreram deterioração marcada em 2009. Já existe quem levante dúvidas sobre a solidez da política fiscal e a sustentabilidade das finanças do governo brasileiro.
De fato, os dados disponíveis mostram nítida piora do ano passado para cá. O superávit primário diminuiu significativamente, o deficit nominal aumentou e cresceu a razão dívida líquida/PIB (Produto Interno Bruto).
O que está por trás dessa piora dos resultados fiscais? Em primeiro lugar, a recessão do final do ano passado e do início deste ano. A queda da atividade econômica aumenta de modo automático o déficit público, principalmente via redução das receitas.
Além disso, houve afrouxamento da política fiscal, isto é, decisões deliberadas de aliviar a carga tributária e ampliar os gastos públicos. O principal objetivo dessas decisões parece ter sido contra-arrestar o movimento recessivo provocado pela abrupta contração da demanda privada. É o que os economistas chamam de "medidas discricionárias" de estímulo fiscal.
O aumento da dívida líquida do governo reflete também a valorização do câmbio. O setor público consolidado é credor em moeda estrangeira. Em dezembro último, o crédito externo líquido do setor público representava o equivalente a 11,1% do PIB. A valorização do real contribuiu para aumentar a razão dívida líquida/PIB em 1,7 ponto percentual no primeiro semestre deste ano, segundo o Banco Central.
É motivo de preocupação a deterioração das contas públicas? Em alguma medida, sim. É preciso estar sempre atento à evolução do déficit fiscal e da dívida do governo (desculpe, leitor, a homenagem ao conselheiro Acácio).
Mas a questão precisa ser colocada em perspectiva. Primeiro, não teria sido recomendável responder à queda das receitas associada à recessão com corte equivalente dos gastos públicos. A tentativa de manter o deficit fiscal no nível anterior teria agravado a pressão recessiva decorrente da crise mundial.
Em outras palavras, era preciso deixar os estabilizadores automáticos funcionarem.
Mais do que isso: o governo precisava recorrer a uma política fiscal ativa, de caráter antirrecessivo. Se isso não tivesse sido feito, a recessão teria sido mais profunda e mais demorada.
De qualquer maneira, o Brasil parece estar entre os mais cautelosos em matéria de política fiscal anticíclica. Segundo estimativas do FMI, baseadas em medidas anunciadas pelos governos até meados de julho, entre os países do G20 só a Itália aplicou um estímulo fiscal discricionário inferior ao do Brasil como proporção do PIB.
Projeções publicadas pela revista "The Economist" indicam que o deficit fiscal brasileiro está entre os menores, quando se considera os países do G20 e outras 23 economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Em 2009, o deficit brasileiro chegará a cerca de 3% do PIB, segundo essas projeções. Nos Estados Unidos e no Reino Unido, a 14% do PIB. No Japão, na França, na Rússia e na Índia, a 8% do PIB.
O quadro fiscal brasileiro requer cuidados, mas não dá motivos para alarme. A própria recuperação da economia tenderá a produzir alguma melhora da arrecadação tributária e das contas públicas. Mesmo assim, quando a recuperação estiver consolidada, seria recomendável que o governo desativasse gradualmente os mecanismos de desoneração e de estímulo fiscal criados durante a crise".
FONTE: artigo de PAULO NOGUEIRA BATISTA JR., diretor-executivo no FMI, onde representa um grupo de nove países (Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago). Publicado na Folha de São Paulo em 27/08/2009.
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