"O protagonismo do Brasil em Honduras modifica sua tradição
Reorientação do Itamaraty. Além de liderar a Unasul, o presidente Lula projeta seu país como protagonista crucial da crise centro-americana
A decisão do governo do Brasil de abrir sua embaixada em Tegucigalpa para o derrubado presidente Manuel Zelaya a utilize em seu retorno como posto de ação é sem dúvida um acontecimento maior -- tão importante quanto o regresso do mandatário hondurenho -- que modifica uma das políticas fundamentais do Itamaraty nos últimos cem anos.
Essa política, estabelecida pelo barão de Rio Branco (1902-1912) ao largo de quatro mandatos sucessivos (Rodrigues Alves, Afonso Pena, Nilo Peçanha e Hermes da Fonseca) e continuada durante os cem anos posteriores, com governos de distinta orientação política e ideológica, estabelecia que, na América Central e no Caribe, o Brasil reconhecia a primazia dos Estados Unidos na resolução diplomática ou pela força das crises e conflitos na região. Rio Branco transferiu o eixo da política externa brasileira de Londres a Washington; e Joaquim Nabuco, primeiro embaixador brasileiro na capital norte-americana, foi o executor dessa mudança estratégica primordial, que decidiu a inserção do Brasil no mundo.
Rio Branco foi o primeiro estadista sul-americano que compreendeu que o triunfo dos Estados Unidos na guerra de Cuba (1898) e sua posterior e decisiva mediação no Extremo Oriente, que pôs fim à guerra da Manchúria entre Rússia e Japão (1905), convertia a nação americana em uma potência global e modificava, ao mesmo tempo e para sempre, o sistema de poder internacional, que adquiria uma escala irreversivelmente mundial.
Assim, a "aliança não escrita" com os Estados Unidos se converteu na viga central da política externa do Brasil; e Rio Branco incorporou a potência norte-americana no equilíbrio de poder da América do Sul, com o objetivo -- que conquistou -- de somá-la à disputa com a Argentina pela supremacia sul-americana.
Rio Branco deu respaldo ao "corolário Roosevelt" à Doutrina Monroe, pelo qual o mandatário norte-americano Theodore Roosevelt (1901-09) legitimou a utilização do poder militar (fuzileiros navais americanos) para restabelecer a ordem ou derrubar governos não confiáveis na América Central e no Caribe. Este é o antecedente direto do reconhecimento da primazia norte-americana na América Central e no Caribe, que tem sido uma constante da política externa brasileira até segunda-feira desta semana.
A "aliança não escrita" com os Estados Unidos alcançou um segundo momento de apogeu com Getúlio Vargas, durante o governo de Franklin Delano Roosevelt (1933-45), com a instalação no Nordeste de três bases militares norte-americanas (Belém, Natal e Recife), a declaração de guerra ao Eixo (31 de agosto de 1942) e o envio de um contingente militar para combater na Europa (Força Expedicionária Brasileira), como parte do Quinto Exército estadunidense.
A política exterior do Itamaraty -- desde Fernando Henrique Cardoso a Lula -- tem como prioridade readquirir relevância internacional e resulta numa estratégia de aproximação indireta ao poder mundial (Estados Unidos-G7), fundada na construção na América do Sul de uma plataforma de projeção ao mundo. Neste período, a premissa dessa política exterior tem sido que, na América Latina, há uma fratura profunda entre a América Latina do Norte e a do Sul. Por isso a política impulsionou a criação da União de Nações Sul-Americanas (UNASUL).
Agora o Brasil saiu do Sul e se tornou um protagonista fundamental da principal crise da América Latina do Norte. Está no centro dos acontecimentos em Honduras. Não atua de forma compartilhada ou multilateral, mas individualmente, como grande potência.
É uma novidade histórica. O Brasil é hoje a representação da comunidade internacional em uma crise que se aprofunda, se polariza e se amplia."
FONTE: escrito por Jorge Castro, publicado no diário argentino El Clarin; reproduzido hoje (29/09) no portal "Vi o mundo", do jornalista Luiz Carlos Azenha.
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