domingo, 21 de fevereiro de 2010
1ª ENTREVISTA DE DILMA COMO CANDIDATA
"Dilma: “Você acha que sou um poste!?!”
Em sua primeira entrevista como candidata à Presidência, a ministra Dilma Rousseff desafia os adversários a demonstrar maior experiência de governo do que ela
CANDIDATA
Dilma rousseff já fala como candidata à presidência. Falou pela primeira vez numa entrevista a ÉPOCA, concedida na última quinta-feira, dia de abertura do Congresso do PT que a aclamou como o nome do partido para disputar a sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Escolhida candidata por Lula, Dilma se apresenta como a melhor alternativa para dar continuidade aos projetos do atual governo. E faz questão de rebater a acusação dos adversários de que seja apenas um títere do presidente: “Duvido. Duvido que os grandes experientes em gestão tenham o nível de experiência que eu tenho. Duvido”. Mas, questionada sobre a possibilidade da volta de Lula em 2014, Dilma aceita a hipótese. “Sem sombra de dúvida, ele pode. O presidente chegou a um ponto de liderança pessoal, política, nacional e internacional que o futuro dele é o que ele quiser”, diz a ministra-chefe da Casa Civil – posto de Dilma até 2 de abril, quando deverá deixar o cargo para disputar as eleições presidenciais.
Na entrevista de quase duas horas, realizada no Centro Cultural Banco do Brasil, sede provisória da Presidência da República, Dilma expôs suas credenciais para comandar o Brasil, debateu planos de governo e falou claramente o que pensa sobre temas como o tamanho do Estado na economia, as privatizações, o aborto, a descriminalização das drogas, o câncer e a iminência de se tornar avó. Dilma chegou e saiu sorridente – como uma candidata pronta para desfazer a imagem da tecnocrata inflexível com que foi frequentemente caracterizada antes de sonhar com o Palácio do Planalto.
ÉPOCA – O que qualifica a senhora para ser presidente da República?
Dilma Rousseff – O governo Lula deu um passo gigantesco. Construiu um alicerce em cima do qual você pode estruturar a transformação de que o Brasil precisa. A partir de 2005, o presidente me deu a imensa oportunidade de coordenar o segundo governo dele. Estávamos enfrentando uma crise muito forte (o escândalo do mensalão) e uma disputa que tentava inviabilizar o governo. Ainda não tínhamos conseguido implantar a estabilidade de forma definitiva. A inflação e as contas públicas estavam sob controle, mas o crescimento ainda era baixo. As reservas também. Aí o investimento entrou na ordem do dia, e modificamos o jogo no segundo mandato do governo Lula. Tive a oportunidade de entrar exatamente nessa grande crise.
ÉPOCA – Em algum momento o presidente disse que a senhora seria candidata?
Dilma – O presidente nunca chegou para mim e disse: “Você vai ser a sucessora do meu governo”. Ele avaliou que participei da elaboração das principais políticas: o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento), o pré-sal, a TV Digital, a banda larga nas escolas. Todos os projetos do governo, de alguma forma, passaram pelo presidente e por mim. Uma das coisas que me credenciam para ser presidente é que conheço hoje o governo brasileiro de forma bastante circunstanciada, precisa e profunda. E conheço as necessidades para dar continuidade a esses projetos.
ÉPOCA – O que seria, num eventual governo da senhora, o passo seguinte?
Dilma – No Brasil, os governos sistematicamente não tinham projeto de desenvolvimento econômico-social que incluísse todos os brasileiros. A grande novidade do governo Lula é o olhar social. Não só porque estendemos benefícios econômicos aos mais pobres. Há uma profunda mudança cultural e moral quando você torna a população mais pobre do Brasil legítima interessada no desenvolvimento. A reação ao Bolsa Família mostra a aversão elitista a políticas sociais num país com a desigualdade do Brasil. Quando chamam o Bolsa Família de “bolsa-esmola”, é porque veem a política social como uma coisa ultrapassada. Alguns dizem que essa é a continuidade do passado. Não é. É a maior ruptura com o passado. Não dá para falar: “Eu fiz o Bolsa Família antes”. Ah é? Fez para quantos? O que buscamos é uma política para cuidar dos 190 milhões. Se você perguntar para mim: “Tá completo?”. Vou falar: “Nããão”.
ÉPOCA – Como presidente, o que a senhora faria que o governo Lula não fez? Como imprimiria sua marca?
Dilma – Vou participar até o dia 2 de abril do imenso esforço deste governo para mudar o Brasil. Isso me dá condições de olhar para a frente e falar que você não faz em oito anos uma transformação tão profunda. Há coisas que precisam de mais tempo para maturar. Talvez eu dê mais impulso e acelere mais, se eu ganhar a eleição, mas você vai precisar de uma sucessão de governos. Um exemplo: toda a política de inovação em pesquisa tecnológica. Conseguimos fazer um pedaço. Mas é preciso fazer no futuro muito mais: desenvolver uma cadeia de inovação para fármacos, uma para nanotecnologia, cuja infraestrutura já começou a ser feita. Entrar na economia do conhecimento é fundamental na próxima gestão. Teremos de dar suporte às universidades públicas, que estavam sucateadas, voltar a fazer pesquisa básica, dar suporte para termos trabalhadores especializados no ensino médio. Isso leva décadas.
“Uma das coisas que me credenciam para ser presidente é que conheço o governo de forma bastante circunstanciada, precisa e profunda. Conheço também as necessidades para dar continuidade aos projetos”
ÉPOCA – Que papel a senhora vê para o Estado nesse processo? Ele tem de ser dono de empresas? Ou estabelecer regras para garantir um ambiente estável para os negócios prosperarem?
Dilma – Os países ocidentais e desenvolvidos organizaram seus Estados para dar suporte à sociedade e às empresas privadas. Tanto é assim que um dos maiores compradores e organizadores da demanda privada nos EUA é o Pentágono, né? Essa discussão de Estado empresário é uma discussão da década de 50. Não é a deste momento no Brasil. Agora, somos contra a privatização de patrimônio público ou de estatais como Petrobras, Furnas, Chesf, Eletrobrás, Banco do Brasil, a Caixa. Essa é uma posição de governo que não tem nada a ver com Estado empresário, mas com a preservação do patrimônio público.
ÉPOCA – E no caso das estatais de áreas em que faltam investimentos, como a Infraero, que administra os aeroportos?
Dilma – Como a Infraero mexe com nosso espaço aéreo, é preciso ter cuidado. O que está certo é mudar a Infraero, abrir o capital, profissionalizar a gestão, torná-la mais eficaz. É o que o governo Lula defende (e eu defendo). A privatização dos aeroportos não pode ser tratada dessa forma, porque só há uns quatro lucrativos. O resto é deficitário. Qualquer modelo tem de ser bem discutido, ou você faz aquela privatização cujo custo é proibitivo para a sociedade, como foi feito com algumas ferrovias. Pelos contratos de concessão, as empresas têm direito de ficar com elas pelo tempo que quiserem sem fazer investimento, pois eles foram malfeitos.
ÉPOCA – Quando a senhora diz ser radicalmente contrária à privatização do patrimônio público, isso soa como crítica às privatizações do governo FHC, como se elas tivessem sido danosas…
Dilma – Não chegou a ser tão danoso como foi para países vizinhos, porque não conseguiram fazer tudo. Mas pegaram a Petrobras e começaram a tentar reduzi-la a uma dimensão menor. Impediram a verticalização da empresa, que ela tivesse ganhos de escala.
ÉPOCA – Mas a privatização da Petrobras estava impedida por lei…
Dilma – Achamos estranha aquela história do nome Petrobrax. Era uma tentativa de abrir o capital mais do que devia. A única parte do Brasil no nome da Petrobras é o “bras”. Se é capaz de transformar um S em X, tem dó… As intenções são muito claras!
ÉPOCA – E a privatização da Vale? E a das teles?
Dilma – Com as teles, acho que foi diferente. Em relação à Vale, vamos ter de fazer exigências a respeito do uso da riqueza natural. Isso não significa reestatizar. Ela pode ser perfeitamente privada, desde que submetida a controles. Só não acho possível concordar que a Vale exporte para a China minério de ferro e a gente importe bens e produtos siderúrgicos. Essa não é uma relação do nosso interesse como nação. Não vejo grandes problemas na Vale. Agora, vejo grandes problemas no setor elétrico. A privatização de Furnas foi impedida porque o pessoal se mobilizou. A visão que se tinha de não planejamento e de não visão de longo prazo no caso da energia deu no que deu em 2001 (ano do apagão). Sou contra privatizar o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal. Minha gratidão com a história é que ela provou que a gente estava certo. Ai de nós se não tivéssemos os três bancos! Só conseguimos enfrentar a crise econômica porque tínhamos estrutura para enfrentá-la. Porque na hora da crise, quando o pavor bate…
ÉPOCA – Podemos mudar de assunto?
Dilma – Não, é que quero explorar muito essa história do Estado, sabe? O Estado mínimo tem uma perversidade monstruosa. Sabe qual é?
ÉPOCA – Qual é?
Dilma – Não investe em saneamento, não investe em habitação, deixa o país com uma das menores taxas de cobertura de esgoto, de drenagem. Tem outra perversidade: não considera o que tem de ser feito com subsídio. É isso o Estado mínimo a que o presidente Lula se refere. E concordo quando ele diz: para quem é rico, não interessa ter Estado. Para quem é pobre, o Estado ainda cumpre um papel fundamental. Qual é a diferença para os anos 50? Nos anos 50, o Estado empresário tinha lá sua função. Não tinha todas as empresas estruturadas. Como alguém em sã consciência, em pleno século XXI, em 2010, pode falar que o Estado brasileiro vai ser empresário? Isso é um equívoco monstruoso. Uma das grandes vantagens do Brasil é ter um setor privado forte. Vá a qualquer outro país da América Latina. Um dos problemas deles é que a economia é muito simples. Eles não têm empresários de porte. Nós estamos em outra fase. Somos um país cujas grandes empresas vão se internacionalizar. E quem é que vai apoiar isso? O Estado.
ÉPOCA – A oposição tem comparado sua candidatura à de um poste. O que a senhora acha dessa comparação?
Dilma – Você acha que, como ministra-chefe da Casa Civil, eu sou um poste!?!
ÉPOCA – Provavelmente quem diz isso acha que sim.
Dilma – Duvido. Duvido que os grandes experientes em gestão tenham o nível de experiência que eu tenho. Duvido.
ÉPOCA – A senhora tem esperança de que o deputado Ciro Gomes (PSB-CE) desista de se candidatar a presidente?
Dilma – Para mim, seria muito bom que ele estivesse em meu palanque. Mas, seja qual for a decisão dele, vamos respeitar porque ele é do nosso campo. Ciro é uma pessoa especial. Foi um companheiro de governo e participou com a gente dos momentos mais difíceis quando, em 2005, o governo estava sofrendo um certo cerco. Quero estar com ele no mesmo palanque, mas não é a minha preferência que vai informar o que o deputado Ciro Gomes vai fazer.
ÉPOCA – Se a senhora for eleita, qual será o papel do presidente Lula em seu governo?
Dilma – Olha, estou falando o que eu gostaria, tá? Acho que o Lula seria um dos melhores conselheiros que alguém poderia ter.
ÉPOCA – A senhora trabalha com a hipótese de que Lula possa ser candidato à Presidência da República em 2014?
Dilma – Sem sombra de dúvida, ele pode.
ÉPOCA – Ele já falou sobre isso com a senhora?
Dilma – Não. Vocês não conhecem o presidente se me perguntam isso. Ele jamais falaria isso.
ÉPOCA – A senhora, eleita, abriria mão de se candidatar à reeleição?
Dilma – Desculpem, mas não vou fazer uma discussão dessas, né? O presidente Lula chegou a um ponto de liderança pessoal, política, nacional e internacional, que o futuro dele é o que ele quiser.
ÉPOCA – O PT deseja mais espaço num eventual governo Dilma, pois considera que a senhora está à esquerda do presidente Lula. A senhora concorda?
Dilma – Gente, que PT é esse? Dentro do PT não se fala isso.
ÉPOCA – Em entrevista ao blog de José DIrceu, o presidente do PT, José Eduardo Dutra, diz que o partido espera mais protagonismo no governo Dilma.
Dilma – Maior protagonismo que teve no governo Lula?
ÉPOCA – Sim.
Dilma – Não sei o que Dutra quer dizer com isso. Porque o PT teve um grande protagonismo no governo Lula. E eu darei ao PT o grande protagonismo que o partido merece em qualquer governo. Agora, faremos um governo de coalizão.
ÉPOCA – A senhora é vista como durona e intransigente. Na Presidência, a senhora saberá ter a flexibilidade necessária para comandar um governo de coalizão?
Dilma – Na chefia da Casa Civil, meu nível de negociação é um. Os ministros são meus pares. Então, o tipo de conduta é um. Quando há divergência, quem desempata é o presidente. Sigo a orientação do presidente. Quando você exerce outra função, tem de fazer outro tipo de negociação.
ÉPOCA – Mas a senhora tem talento para a conciliação como o presidente Lula?
Dilma – Aprendi muito com ele. (risos) Isso aqui é uma escola. É uma coisa engraçada. Você aprende, por exemplo, que tem hora que é preciso deixar passar um tempo para tomar uma decisão. O presidente diz muito que onde estão os pés explica um pouco da cabeça.
ÉPOCA – Nos anos 60, a senhora foi guerrilheira e agora fala em democracia ocidental. Quando a senhora mudou?
Dilma – Eu tinha 15 ou 16 anos, quando a ditadura começou. De 1964 a 1968, houve um endurecimento do regime. Minha geração experimentou a pior cara da ditadura: o estreitamento e a desesperança de que você pode modificar o país por meio de processos democráticos. Então, alguém que acreditava que seria possível a democracia naquele período era ingênuo, porque a realidade contrariava quem pensava isso. Esse processo vai levar a minha prisão em 1970. E veja como é interessante a vida. Quanto pior vai ficando a repressão, mais valor você vai dando à democracia. Quando você está na cadeia e vê tortura, morte e o diabo, o valor da democracia e o direito de expressão e de discordar começam a ser cada vez mais um valor intrínseco. Esse mecanismo não é só meu. É de minha geração, que saiu das trevas em relação à democracia – e passou progressivamente a lutar por ela como um valor fundamental.
ÉPOCA – A senhora é a favor de julgar os acusados de tortura e terrorismo?
Dilma - Essa é uma questão que está no Supremo Tribunal Federal (STF). O que o Supremo decidir tem de ser acatado por todos. Agora, uma coisa é uma atividade de violência de pequenos grupos, a grande maioria com idade até 25 anos, 26 anos. Outra coisa, muito diferente– As pessoas que, como eu, participaram do processo de resistência à ditadura foram presas, condenadas, cumpriram pena, tiveram seus direitos políticos cassados. Não há nenhuma similaridade com a condição daqueles que torturaram. A Lei de Anistia está , é a violência do Estado, porque é desproporcional. Tanto que nós fomos punidos, sem direito a recurso qualquer. Fui condenada e cumpri pena maior do que minha condenação. Ninguém me ressarciu de nada.
ÉPOCA – O ex-ministro José Dirceu, no dia de sua posse na Casa Civil, chamou-a de “camarada de armas”. A senhora gostou?
Dilma – Ele estava fazendo para mim um cumprimento, porque para ele era muito importante. Entendo assim. Havia várias características nas diferentes organizações de esquerda. A minha fazia certa crítica às ações armadas, principalmente assaltos a banco. Tínhamos uma crítica a isso, e isso está registrado. Não fui condenada por ação armada, porque não a pratiquei.
ÉPOCA – Como o câncer mudou sua vida?
Dilma – Olha, o câncer muda a relação da gente com a vida. A primeira coisa mais forte que muda é o imenso valor que você dá a apenas viver. A gente passa o tempo inteiro da vida falando: “Ah, mas eu vou fazer isso, eu vou fazer aquilo, amanhã vai ser assim”. O câncer fala assim para ti: “Na verdade, a coisa mais importante é viver”. Sua relação com a natureza passa a ser também muito forte. Você pensa: “Será que vou ver o sol bater nas árvores?”. Olhei e fiquei pensando nisso. Você começa a ver o mundo com um olhar melhor. A segunda coisa é que você percebe que, como em vários outros momentos da vida, você conta com você. Você pode se derrotar se botar para dentro a doença. Ela foi extraída, mas tem de ter muito cuidado para não deixar ela entrar para dentro da cabeça, dos sentimentos, da visão de mundo. É preciso ter cuidado com isso, com aquela coisa insidiosa que se chama medo, que todos temos. É uma relação que só se resolve com você. Sempre há uma busca de transcendência, você acredita numa força maior, sobretudo porque tem uma imensa solidariedade das pessoas. Elas te passam uma coisa, dizem: “Eu vou rezar por você”. Essa é uma relação muito forte. Dão medalhinha. Me deram muita Nossa Senhora, muita oração. Também dão remédios, mandam vários produtos, cartas, há manifestações muito comoventes. Essa questão da reza é muito forte.
ÉPOCA – A senhora rezou?
Dilma – Ah, você reza. Não é rezar, no sentido que a gente rezava quando era criança. Há outras formas. Tenho o hábito de recorrer a Nossa Senhora, por exemplo, quando o avião balança. Já tive turbulências pesadas na vida…
ÉPOCA – A senhora acredita em Deus?
Dilma – Não sei se é o seu Deus, mas eu acredito numa força maior do que a gente.
ÉPOCA – Mas uma religião específica, a senhora não tem?
Dilma – Não, mas respeito. Você tem de respeitar todas as religiões.
ÉPOCA – A senhora esteve num terreiro de candomblé na semana passada.
Dilma – Sim, estive. O Ilê Aiyê é um terreiro de candomblé muito bonito e tem uma obra social muito importante.
ÉPOCA – É visível que a senhora tem cuidado mais da aparência.
Dilma – Você acha que eu estou melhor, né? (Risos.)
ÉPOCA – Como a senhora lida com a vaidade?
Dilma – Toda mulher é vaidosa. Se você disser a uma mulher que ela vai tirar um retrato, ela vai começar a ajeitar o cabelo, a dar um jeitinho, mesmo que ela esteja à vontade, natural. Fiz coisas boas para mim: tirar os óculos. Quando fazia 40 graus, meu nariz assava. Eu não tenho o osso central (entre os olhos). Os óculos não seguravam, caíam. Eu ficava com isso aqui vermelho (aponta para o meio do nariz). Foi um grande alívio voltar a usar lente de contato. Achei uma marca que eu consigo usar. É bom porque às vezes leio sem óculos, dependendo da hora. Como vocês sabem, dei uma arrumada, fiz uma plástica. A pessoa que quer fazer uma plástica deve fazer. Mas é importante cuidar para não perder suas características nem ficar muito puxada.
ÉPOCA – A senhora fez plástica porque quis ou foi orientada por marqueteiros?
Dilma – Fiz porque botei minha lente. Quando você usa óculos, você não enxerga o rosto direito, e ele tampa suas rugas. Um dia de manhã, olhei meus olhos e falei: “Meu Deus do céu, que coisa horrorosa!”. Primeiro, fiz a lente. Depois, fiz a plástica. Eu me achei muito velha, então dei uma mudadinha. Não fiquei nova como eu queria, não, mas acho que melhorou! (Risos.)
ÉPOCA – A senhora pode ser a primeira mulher presidente do Brasil. Paradoxalmente, nas pesquisas a maior resistência a seu nome se dá entre as mulheres. Por que isso acontece?
Dilma – É simples. As mulheres são mais críticas e analíticas. Vai passar um tempo, elas vão analisar, analisar, analisar. Espero que essa não seja a realidade depois. Quem me chamou a atenção para isso foram outras mulheres candidatas. As mulheres precisam primeiro confiar, levam um tempo maior a tomar posição. Mas, depois que tomam, nada nem ninguém as demove. Como vocês devem saber por experiência própria. (Risos.)
ÉPOCA – Qual é sua posição sobre o aborto?
Dilma – Nenhuma mulher, feminista ou não, é a favor do aborto. Se você é mulher, consegue imaginar o que o aborto produz numa pessoa, o nível de violência que é. É extremamente distorcida essa questão de falar que fulana ou beltrana é a favor ou contra o aborto. É a favor ou contra o quê? Sou a favor de que haja uma política que trate o aborto como uma questão de saúde pública. As mulheres que não têm acesso a uma clínica particular e moram na periferia tomam uma porção de chá, usam aquelas agulhas de tricô, se submetem a uma violência inimaginável. Por isso, sou a favor de uma política de saúde pública para o aborto.
ÉPOCA – Alguma mulher próxima à senhora fez aborto?
Dilma – Conheci mulheres que passaram por isso. Amigas minhas fizeram. Todas foram fazer chorando e saíram chorando. Não conheço uma que não tenha sido assim. Nunca tive de fazer aborto. Apenas, tive uma gravidez tubária.
ÉPOCA – Como a senhora vê a descriminalização das drogas?
Dilma – A droga é uma coisa muito complicada. Não podemos tratar da questão da droga no Brasil só com descriminalização. Estou muito preocupada com o crack. O crack mata, é muito barato, está entrando em toda periferia e nas pequenas cidades. Não vamos tratar o crack única e exclusivamente com repressão, mas com uma grande rede social, que o governo integra. Há muita entidade filantrópica nas clínicas de recuperação. A gente tem de cuidar de recuperar quem já está viciado e cuidar de impedir que entrem outros. Tem de cuidar também para criar uma política de esclarecimento sobre isso. Não acho que os órgãos governamentais, Estado, municípios e União, vão conseguir sozinhos. Vamos precisar de todas as igrejas e entidades que têm uma política efetiva de combate às drogas. A questão da droga no século XXI é muito diferente daquele tempo de Woodstock, que tinha um componente libertário.
ÉPOCA – A senhora é a favor da repressão mesmo no caso de drogas leves, como a maconha?
Dilma – Não conheço nenhum estudo que comprove que a droga leve não seja o passo para outra. Esse é o problema. Num país com 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, é complicado falar em descriminalização, a não ser que seja para fazer um controle social abusivo da droga. Não temos os instrumentos para fazer esse controle que outros países têm. A não ser que a gente tenha um avanço muito grande no controle social da droga, fazer um processo de descriminalização é um tiro no pé. O problema não é a maconha, mas é o crack. O crack é uma alternativa às drogas leves, médias, pesadas. Não é possível mais olhar pura e simplesmente para a maconha, que não é um caso tão extremo nem tão grave.
ÉPOCA – Qual é sua visão dos movimentos do Irã para fazer uma bomba atômica?
Dilma – É preciso discutir o Irã sob outra ótica. Depois da Guerra do Iraque, temo muito essa história de que o Irã está fazendo isso ou aquilo. Se você não der uma abertura para o diálogo com o Irã, você vai isolá-lo. O Irã é uma economia sofisticada, um país nacionalmente íntegro, com unidade, e com mais de 70 milhões de habitantes. Não é algo que se possa tratar dessa forma.
ÉPOCA – Mas o governo do Irã há anos não deixa os inspetores das Nações Unidas entrar lá…
Dilma – Vou perguntar uma coisa, a título de raciocínio. Não deu muito certo a política de invadir o Iraque e do Afeganistão, deu?
ÉPOCA – Provavelmente, não.
Dilma – Pois, então, cuide-se com a política bélica anti-Irã, ou cuide-se com o isolamento do Irã. O que se faz é fortalecer a liderança do Irã na área. A experiência recente tende a nos levar a ser um pouco mais críticos. Não somos a favor de que ninguém construa bombas atômicas por aí, mas temos de discutir o desarmamento. Não tem o menor sentido os que se armam apontarem seu dedo armado para os outros. Temos de discutir internacionalmente uma política de desarmamento. Nós, do governo Lula, somos a favor da inspeção das armas, somos a favor do uso da energia nuclear para fins pacíficos e também somos a favor de que haja diálogo. Sem diálogo, não se constrói uma política correta.
ÉPOCA – A aproximação do Brasil com o Irã não afiança os abusos cometidos contra os opositores do regime?
Dilma – Quando a gente faz a mesma coisa com os Estados Unidos, estamos afiançando Guantánamo (prisão em Cuba para os acusados de terrorismo)? Ou o que aconteceu em Abu Ghraib (prisão do Iraque onde iraquianos foram torturados por americanos)? Não estamos fazendo isso. Estamos nos relacionando soberanamente. Essa posição de interferência na política interna dos outros já levou a muitos problemas no mundo. Um exemplo é o Haiti, produto de uma política internacional que se julgava no direito de exigir A, B, C ou D do povo haitiano. Deu no que deu, um desastre.
ÉPOCA – Vários governos da América Latina, em especial a Venezuela, tentam controlar a mídia e cercear a liberdade de opinião. Qual é sua opinião sobre o governo do presidente Hugo Chávez?
Dilma – No governo brasileiro, somos a favor da liberdade de imprensa e de livre manifestação, um direito fundamental da democracia. Não queremos cercear, controlar o conteúdo de jornais ou fazer nada similar. Mas não nos relacionamos com países exportando nosso modelo para ninguém, nem impondo esse modelo. Não fazemos isso. É muita pretensão quem acha que define de fora a política interna de um povo. Ela tem suas características, suas especificidades e suas realidades sociais. A Venezuela é uma realidade, nós somos outra. Temos uma relação com a Venezuela, sim, e mantemos essa relação. Temos também uma relação com o presidente Álvaro Uribe (da Colômbia), que está pedindo o terceiro mandato – e não tenho visto por aqui ninguém questionando o terceiro mandato dele.
ÉPOCA – A senhora vai ser avó. Como se sente?
Dilma – Ter filho é um evento, uma coisa única na vida. Na minha vida, um momento importante foi o nascimento de minha filha. Agora, filho dá um trabalhão danado. Primeiro, porque, quando você é marinheiro de primeira viagem, não desgruda o olho. Segundo, porque é sua responsabilidade criá-lo. Terceiro, porque, depois que o filho cresce, você ainda tem o impulso de proteger. Fica preocupado, quer saber, não dorme. Desconfio que ter neto é uma espécie de ser um pai, ou mãe, irresponsável. Você pode fazer tudo para ele. Confia que tem lá uma pessoa que vai proibir de comer chocolate todo dia, não vai dar refrigerante, não vai deixar tomar sorvete toda hora. É uma grande, uma imensa, uma fantástica invenção divina um neto. Eu aguardo o meu ansiosamente."
FONTE: reportagem de Eumano Silva, Guilherme Evelin e Helio Gurovitz, publicado na revista Época desta semana. Texto postado hoje (21/02) no blog de Luis Favre.
Nenhum comentário:
Postar um comentário