sábado, 25 de setembro de 2010

CELSO AMORIM: OS EUA E O CONTROLE SOBRE O IRÃ

"EUA QUEREM MANTER CONTROLE SOBRE IRÃ", DIZ AMORIM

Apesar de as relações entre Brasil e EUA continuarem "preservadas", o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, se pergunta se o fato de o país ter conseguido um acordo com o Irã deixou algum abalo.

Ele se refere à Declaração de Teerã, acordo de troca de combustível assinado por Irã, Turquia e Brasil em maio, meses depois de uma tentativa dos EUA falhar.

Em junho, o Conselho de Segurança da ONU aprovou sanções contra o país persa, acusado pelos EUA de desenvolver tecnologia nuclear com fins militares. O Brasil votou contra, embora não tenha poder de veto.

Celso Amorim, em entrevista exclusiva à Folha após abrir os debates da 65ª Assembleia Geral da ONU, detalha ainda reunião de anteontem com o presidente iraniano, Mahmoud Ahmadinejad, e diz não descartar continuar no cargo, se Dilma Rousseff for eleita.

Folha - O que o Sr. conversou anteontem com o presidente Ahmadinejad?

Celso Amorim -
Falamos de tudo. Foi uma conversa muito franca, amigável. Ele foi muito cordial, me recebeu muito bem. Contei a ele que havia recebido a visita da moça, a Sarah [Shourd], que foi libertada [após 14 meses presa no Irã; dois americanos ainda estão detidos].

E o Sr. sentiu que o Irã está de fato disposto a retomar as negociações [acerca de seu programa nuclear]?

Estão muito dispostos. Eu já vinha sentindo, primeiro, que eles mantiveram a flexibilidade. Mesmo depois da adoção das sanções, a reação oficial do governo tem sido a de que continua aberto a negociações. Entendo que querem ter as negociações com o grupo de Viena, o P5+1 [formado por EUA, França, Reino Unido, China, Rússia e Alemanha]... Agora, em que formato exatamente, não sei.

Ele não pediu ao Sr. que o Brasil participe?

Ele sempre expressa que o Brasil e a Turquia podem ter um papel útil e, se pudermos ter, ótimo. Agora, para que isso ocorra, é preciso que todos achem.

Os EUA anteontem disseram que não querem o Brasil na mesa de negociações.

Acho compreensível. Quando eles chegarem a um acordo, se é verdade o que os jornais dizem, que está se voltando a falar do acordo de troca de urânio, se isso acontecer, não sei... Você fica achando -será que tem alguma outra coisa nisso? Será que o fato de termos conseguido algo que eles não tinham conseguido deixou algum abalo? Em relação a esse tema, não a outros.

Nos encontramos na reunião do Haiti, e era tudo elogios e mais elogios da parte dos EUA para nós. Acho que as relações estão totalmente preservadas.

Agora, por que os membros permanentes, não só os EUA, quiseram manter a discussão só entre eles? Não sei. É muito difícil para quem está habituado a ter o controle absoluto de certas situações querer compartilhá-lo. Ainda que esse compartilhamento pudesse ajudar na solução.

A relação Brasil-EUA talvez tenha tido mais pontos de estremecimento depois que o Obama assumiu...

Não acho que foram estremecimentos. Não vejo nenhum aspecto da relação bilateral que tenha sido afetado. Continuamos a conversar muito, sobre outros temas. No caso do Irã, até pelas razões que todos já conhecem, acho que os EUA já tinham adotado uma linha de ação que era a favor das sanções. E temiam qualquer coisa que pudesse afetar essa linha.

O que foi conversado na reunião dos Brics [Brasil, Rússia, China, Índia] sobre a resolução contra sanções aplicadas unilateralmente?

Foi conversado um esforço de coordenação em torno de alguns projetos de resolução de sanções unilaterais no caso de temas que estão sob consideração do Conselho.

Dois membros da missão russa negaram que o tema tenha sido levantado pela Rússia.

Se eles não estão querendo falar é por alguma razão. Brasileiros falam mais.

É uma defesa do Irã?

Não é o Irã, é em qualquer situação. Para que você tem o Conselho de Segurança se, além das sanções que o conselho fica discutindo horas e horas, há outras da União Europeia ou dos EUA? Que, ainda que não sejam obrigatórias para os demais países, acabam tendo efeito nos demais países.

Até o nosso embaixador no Irã teve dificuldades de receber o salário por causa das sanções europeias, porque as transações bancárias eram feitas por meio de bancos europeus. Não tinha nada a ver com as sanções. São coisas que acabam afetando os outros países, e eu não acho isso correto.

O Sr. cogita ficar, caso a Dilma seja eleita?

Não tenho aspirações adicionais, acho que cumpri com a missão. É importante que haja renovação.

Agora, também não posso ser arrogante de dizer "não aceito nada, não quero nem conversar". Não sei, isso aí... Mas não recebi [proposta], e nem caberia, porque a eleição não ocorreu. Vamos esperar, uma coisa de cada vez.”

FONTE: reportagem de Cristina Fibe, de Nova York, publicada na Folha.com e transcrita no blog do jornalista Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/os-eua-e-o-controle-sobre-o-ira#more).

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