VLS
“Ainda que o Senado brasileiro venha a ratificar o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas EUA-Brasil (TSA, na sigla em inglês), o governo dos Estados Unidos não quer que o Brasil tenha um programa próprio de produção de foguetes espaciais. Por isso, além de não apoiar o desenvolvimento desses veículos, as autoridades americanas pressionam parceiros do país nessa área -como a Ucrânia- a não transferir tecnologia do setor aos cientistas brasileiros.
A restrição dos EUA está registrada claramente em telegrama que o Departamento de Estado enviou à embaixada americana em Brasília, em janeiro de 2009 -revelado agora pelo WikiLeaks ao GLOBO. O documento contém resposta a apelo feito pela embaixada da Ucrânia, no Brasil, para que os EUA reconsiderassem a sua negativa de apoiar a parceria Ucrânia-Brasil para atividades na Base de Alcântara, no Maranhão, e permitissem que firmas americanas de satélites pudessem usar aquela plataforma de lançamentos [com o foguete ucraniano Cyclone-4].
Cyclone-4
Além de ressaltar que o custo seria 30% mais barato, devido à localização geográfica de Alcântara, os ucranianos apresentaram justificativa política: "O seu principal argumento era o de que se os EUA não derem tal passo, os russos preencheriam o vácuo e se tornariam os parceiros principais do Brasil em cooperação espacial" ressalta o telegrama que a embaixada enviara a Washington.
A resposta americana foi clara. A missão em Brasília deveria comunicar ao embaixador ucraniano, Volodymyr Lakomov, que "embora os EUA estejam preparados para apoiar o projeto conjunto ucraniano-brasileiro, uma vez que o TSA (acordo de salvaguardas Brasil-EUA) entre em vigor, não apoiamos o programa nativo dos veículos de lançamento espacial do Brasil" [Isto é, os Estados Unidos apoiam a Ucrânia somente na condição de o Brasil assinar com os EUA o draconiano e humilhante 'acordo de salvaguardas'. E, mesmo assinando, os EUA continuariam a boicotar o programa brasileiro]. Mais adiante, um alerta: "Queremos lembrar às autoridades ucranianas que os EUA não se opõem ao estabelecimento de uma plataforma de lançamentos em Alcântara, contanto que tal atividade não resulte na transferência de tecnologias de foguetes ao Brasil".
O Senado brasileiro se nega a ratificar o TSA, assinado entre EUA e Brasil em abril de 2000 [por FHC], porque as salvaguardas incluem concessão de áreas, em Alcântara, que ficariam sob controle direto e exclusivo dos EUA. Além disso, permitiriam inspeções americanas à base de lançamentos sem prévio aviso ao Brasil [e muitas outras exigências absurdas concordadas por FHC/PSDB/DEM, mas não ratificadas pelo Congresso]. Os ucranianos se ofereceram, em 2008, para convencer os senadores brasileiros a aprovarem o [humilhante] acordo, mas os EUA dispensaram tal ajuda.
Os EUA não permitem o lançamento de satélites americanos desde Alcântara, ou fabricados por outros países, que contenham componentes americanos, "devido à nossa política, de longa data, de não encorajar o programa de foguetes espaciais do Brasil", diz outro documento confidencial.”
[OBS deste blog: O desenvolvimento e exploração de foguetes espaciais para colocar satélites em órbita é atividade altamente rendosa para o país lançador, pelo seu altíssimo valor agregado e pelo espraiamento e multiplicação desse valor, especialmente com inovações em produtos, por toda a indústria nacional (spin off).
Os EUA e demais países que detêm essa tecnologia não admitem perder negócios tão lucrativos para novos competidores. Assim, há dezenas de anos utilizam-se de todos os pretextos, meios lícitos, ilícitos e acusações, para impedir a capacitação e o acesso do Brasil nesse mercado, a não ser como cliente pagante para eles de bilionários lançamentos. Assim tem sido há décadas com os nossos satélites de telecomunicações e os do INPE, todos lançados por valores nababescos no Exterior.
Muitos brasileiros se solidarizam com esses interesses norte-americanos. Nos anos FHC/PSDB/PFL, o programa nacional de desenvolvimento de lançadores de satélites (VLS) (foto) foi gradativa e fortemente desmantelado, estrangulado em recursos financeiros e humanos, chegando quase a zero em 1999.
A Ucrânia, obviamente, tem forte interesse em viabilizar lançamentos em Alcântara para empresas norte-americanas de satélites, com o seu foguete Cyclone-4, dentro do projeto da empresa binacional (Brasil-Ucrânia) Alcântara Cyclone Space (ACS).
A Ucrânia é muito mais beneficiada nesse projeto que o Brasil. Inclusive, para participar dele, o Brasil estranhamente assinou com a Ucrânia acordo de salvaguardas que é, praticamente, cópia do acordo que os EUA exigem do Brasil. Esses acordos nos vedam acesso ao foguete e a outros equipamentos. Proibem enfaticamente qualquer transferência de tecnologia. Tudo de modo até ofensivo aos brasileiros e à soberania nacional. Mesmo assim, na prática (não os 50% teóricos), o Brasil já despende e despenderá, via ACS, AEB e CLA, parcela muito maior de recursos do que os ucranianos. Os dispêndios da parte brasileira, já feitos ou programados, superam a R$ 1,0 bilhão.
Desde o início dos anos 90, as autoridades brasileiras, simpáticas, dóceis e vulneráveis às pressões e ameaças dos EUA, nem ousam pensar em aplicar montantes semelhantes em projeto verdadeiramente nacional. Tentaram matar o VLS, asfixiando-o até o último suspiro. E ainda ridicularizam, em sintonia com a nossa “grande” imprensa, insucessos em lançamentos nacionais de protótipos realizados sem recursos financeiros e humanos, com surpreendente, miraculoso e despojado esforço de nossos poucos cientistas que restaram da grande evasão imposta naquela década, com reposições proibidas].
FONTE: reportagem de José Meirelles Passos publicada no jornal “O Globo” e transcrita no site “DefesaNet” (http://www.defesanet.com.br/11_01/110125_03_glo_space_br.html) [imagens do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog].
Maria Tereza
ResponderExcluir1) Infelizmente o programa espacial só teve verbas razoáveis durante o governo militar.
A partir de Sarney as verbas minguaram. Não foi tão diferente no governo Lula.
Não adianta só retórica, dizer que "o Brasil será potencia espacial", mandar astronauta para plantar feijão, e continuar investindo merrecas no programa.
2) Não podemos ficar eternamente mendigando tecnologia dos outros.
A Rússia quando quis foi lá e fez tudo, equiparando-se aos EUA, um pais muito mais rico.
3) Os EUA podem fazer exigencias, pois, infelizmente, o mercado de satélites sem eles não existe.
Procuremos nossas falhas internas, e não colocar culpa nos de fora.
Iurikorolev
ResponderExcluirConcordo, apenas acrescentando um "também" após "Procuremos" da sua última frase do seu comentário.
As ingerências negativas dos EUA no nosso programa espacial de foguetes de sondagem e lançadores de satélites, desde os fins dos anos 80, são fortes, constantes, diversificadas. Desconhecidas do público, mas malignas e concretas. Não podemos omití-las, mesmo que citadas genericamente no texto da nossa postagem.
Maria Tereza