sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011
AS ONDAS DO PODER E OS CICLOS DA MOEDA
“Em geral, não se reconhece a importância que tiveram as novas relações dos EUA com a URSS e com a China na década de 1970, para ampliar o espaço monetário do dólar, fora do sistema capitalista, e impor a nova política monetária dos EUA aos seus aliados do mundo capitalista.
José Luís Fiori
“The time has come for a new economic policy for the United States… Accordingly, I have directed the Secretary of the Treasury to suspend temporarily the convertibility of the American dollar...”
(Speech by Richard Nixon, 15 August 1971)
Na história do sistema capitalista, só existiram duas moedas internacionais: a Libra e o Dólar. E só se pode falar da existência de três sistemas monetários globais: o “padrão ouro”, que ruiu na década de 1930; o “padrão dólar”, que terminou em 1971; e o “padrão dólar-flexível”, que nasceu na década de 1970 e está passando por uma turbulência neste início do Século XXI. Os dois primeiros sistemas se apoiaram numa relação fixa entre a Libra e o Dólar e uma base metálica comum, o ouro; mas o terceiro sistema, o “dólar-flexível”, não tem nenhum tipo de padrão metálico de referência, apoiando-se apenas no poder dos EUA de definir o valor da sua moeda nacional/internacional, e dos seus títulos da dívida pública.
Apesar de certa imprecisão histórica, se pode dizer que o “padrão ouro” nasceu depois da vitória inglesa nas guerras bonapartistas, e junto com a supremacia econômica britânica, na América e na Índia. Por sua vez, o “padrão dólar” só se impõe a todo mundo capitalista, depois da vitória americana na II Guerra Mundial. O “sistema dólar-flexível”, entretanto, nasceu de forma diferente, de uma decisão unilateral e “pacífica”, tomada pelo governo americano. No dia 15 de agosto de 1971, o presidente Richard Nixon decretou o fim da conversibilidade do dólar em ouro, estabelecida em Bretton Woods, em 1944, num discurso à Nação em que defendeu a necessidade de um novo sistema monetário internacional. No mesmo discurso, Richard Nixon explicou aos “países amigos” que haviam terminado a época dos “desenvolvimentos a convite”, patrocinados pelos EUA, e responsável pelo sucesso de algumas economias nacionais que agora estavam competindo com a própria economia norte-americana. Por isso, Richard Nixon apelava aos governos amigos para que colaborassem com a desvalorização do Dólar e o restabelecimento do equilíbrio econômico mundial.
Alemanha, Japão e França aceitaram a imposição americana e valorizaram suas moedas, aceitando o “Smithsoninan Agreement” que vigorou durante 14 meses. Depois disso, a história se complicou, e os EUA tiveram que apelar -no final dos anos 70- para um política agressiva de valorização unilateral do dólar, que provocou uma recessão e um ajuste radical da economia mundial, que tomou toda a década de 1980. Mas apesar dos seus efeitos negativos sobre o “resto do mundo”, é possível dizer que o novo sistema “dólar-flexível” foi um sucesso do ponto de vista dos grandes interesses econômicos americanos, públicos e privados, durante pelo menos 25 anos.
Essa história econômica é bastante conhecida, mas em geral não se inclui na explicação do sucesso dos EUA outras coisas que se passaram no mesmo ano de 1971. Para começar, no mês de maio de 1971, os EUA e a URSS anunciaram o início de negociações com vistas a um acordo de limitação dos seus sistemas balísticos e sobre vários tópicos de interesse comercial. Negociações que culminaram com a reunião de cúpula realizada em Moscou, um ano depois, quando os presidentes Richard Nixon e Leonid Breshnev assinaram o primeiro Tratado de Controle de Armamentos, SALT I, e vários outros acordos comerciais que marcam o início da “détente”, entre EUA e URSS, vigente durante toda a década de 1970.
Por outro lado, no mesmo mês de maio de 1971, o governo americano respondeu positivamente à proposta feita pelo primeiro-ministro chinês, Chou En-lai, de iniciar negociações visando uma reunião de cúpula entre os presidentes dos EUA e da China. Os passos que foram dados em seguida pelos dois governos mudaram a face do mundo, começando pela visita secreta de Henry Kissinger à Pequim, em julho de 1971, e culminando com a reunião entre os presidentes Richard Nixon e Mao Tsé-Tung, realizada em fevereiro de 1972. Na época, Henry Kissinger escreveu uma nota para o presidente Nixon, dizendo: “estabelecemos a base para você e Mao virarem uma página da história. O processo que iniciamos agora enviará ondas supersônicas por todo o mundo...”. E, de fato, a relação entre EUA e China que nasceu naquele momento revolucionou a história mundial. O que em geral não se reconhece, entretanto, é a importância que tiveram as novas relações dos EUA com a URSS e com a China para ampliar o espaço monetário do dólar, fora do sistema capitalista, e impor a nova política monetária dos EUA aos seus aliados do mundo capitalista. Uma boa lição para antecipar os próximos passos, no momento em que os EUA procuram -uma vez mais– “ajustar” a sua moeda e a sua economia nacional, seguindo a coreografia de 1971.”
FONTE: escrito por José Luís Fiori, cientista político, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Publicado no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=4972) [imagem do Google adicionada por este blog].
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