sábado, 26 de março de 2011
"INTERVENÇÃO HUMANITÁRIA? DESTA VEZ É UM ERRO"
"O ataque à Líbia é um erro, de nenhum modo justificado pelas regras da intervenção humanitária". Há anos, Michael Walzer, filósofo da político com base no “Institute for Advanced Study”, de Princeton, estuda os fios complexos que ligam o uso da violência, poder e moral. Em célebre livro dos anos 70, “Guerra Justa e Injusta”, ele explicou por que a intervenção no Vietnã era "injusta", enquanto a Segunda Guerra Mundial era "justa". No caso dos ataques aliados na Líbia, ele acha que existem todas as razões para defini-los como "um erro, político e moral, que irá se concluir com um provável banho de sangue".
A reportagem é de Roberto Festa, publicada no jornal italiano “La Repubblica”, em 24-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, publicada no “IHU Online”.
Eis a entrevista:
-Por que a intervenção na Líbia é um erro?
Por diversas razões. Sobretudo, não estão claros os objetivos do ataque. Quer-se caçar Kadafi? Ou se busca sustentar militarmente a revolta? Ou ainda, mais simplesmente, quer-se aplicar o cessar-fogo? O porte das bombas aliadas descarregadas sobre a Líbia deixa entender que o verdadeiro objetivo é eliminar o tirano. Mas sem uma intervenção de terra, improvável no momento, será muito difícil. E assim os aliados se encontram diante de dois caminhos, ambos perigosos. Ou arriscam reanimar uma revolta já derrotada in loco, o que levaria a uma longa e sanguinária guerra civil; ou conseguem impor o cessar-fogo. Mas, neste caso, Kadafi continuará sendo o líder de grande parte da Líbia. São, justamente, resultados nada desejáveis.
-Porém, nesse caso, havia a possibilidade de que Kadafi desencadeasse feroz repressão contra a oposição nas cidades reconquistadas.
Sim, exatamente, uma repressão, não massacre ou genocídio. Uma repressão da oposição líbia seria fato dramático, trágico. Mas, infelizmente, não cabe à comunidade internacional intervir todas as vezes que uma revolta democrática não atinge os seus objetivos. Senão, se deveria intervir continuamente, em todo o lugar, e isso não é política nem moralmente oportuno. A primeira guerra do intervencionismo democrático é a de não buscar reanimar movimento de oposição que não consegue sustentar seus objetivos, autonomamente, in loco.
-Quando, então, é necessário e justo intervir militarmente? Quando a guerra é "humanitária"?
É fácil dar alguns exemplos. Era justo intervir diante dos "campos da morte" dos Khmer Vermelhos no Cambodja. Era justo intervir na Ruanda o no Darfur. Nada do que está acontecendo hoje na Líbia é proximamente comparável ao que ocorreu nesses países.
-É o porte do massacre que justifica a "guerra humanitária"?
Digamos que sim. A "guerra humanitária" é a que salva centenas de milhares de pessoas da morte segura. A "guerra humanitária" –seria hipócrita negá-lo– também produz danos colaterais e coloca em risco as vidas dos inocentes. Mas uma guerra humanitária detém um massacre e, portanto, salva muito mais vidas do que as que coloca em risco.
-Portanto, a "guerra humanitária" está desconectada de motivações políticas?
Não no caso de movimento que coloque em risco a estabilidade do mundo, como no caso do fascismo na Segunda Guerra Mundial. Mas, no caso da Líbia, Kadafi não atacava ou ameaça ninguém, no exterior. Repito. Só clamoroso desastre humanitário pode justificar intervenção. A "guerra humanitária" não se faz na presença de uma repressão, embora sanguinária. Nem se fez para favorecer uma mudança de regime ou para se desfazer de um tirano.”
FONTE: reportagem de Roberto Festa, publicada no jornal italiano “La Repubblica” em 24-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto, publicada no IHU Online. Transcrita no site “Carta Maior” (http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=17596).
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