"Uma democracia é feita de eleitores e também de cidadãos plenos", declarou a presidente Dilma em Ouro Preto (foto: AFP)
Por Cláudio Lembo, no Terra Magazine
“Uma frase salvou o mês político. Foram tantas as más colocações. As agressões recíprocas. Uma única frase, no entanto, mostrou que ainda há inteligência na atividade pública.
A frase foi proferida em cenário propício. Lá, em Ouro Preto, onde a liberdade levou à prisão, ao exílio e à morte um punhado de defensores dos mais significativos atributos para a vida em comunidade.
Desejavam os mineiros a busca de novos horizontes políticos e sociais para a colônia. O Brasil se encontrava em pleno ciclo do ouro. A riqueza extraída do subsolo -como hoje ocorre com outros minérios- era desviada para o exterior, sem permitir um efetivo progresso econômico para brasileiros.
Os tributos eram altos. As requisições da coroa extravagantes. As idéias revolucionárias, a partir da França de 1789, chegavam esparsamente às Gerais. Um único pensamento liberal, porém, é capaz de grandes transformações.
Muitas são as versões a respeito da Inconfidência Mineira. Todas se mostram coerentes em um ponto. Os tributos exigidos pela metrópole eram excessivos e uma onda de nativismo brotou intensamente.
A data de 21 de abril tornou-se marcante na História pátria a partir do Estado Novo. O nacionalismo de Vargas procurou figuras simbólicas e datas significativas para comemorações cívicas.
Tiradentes -morto no dia 21 de abril de 1792- foi elevado a herói nacional, em um país carente de grandes figuras. Joaquim José da Silva Xavier, com seu sacrifício, permitiu a edificação de uma figura símbolo exemplar.
Todos os anos o Governo de Minas Gerais, em cerimônia qualificada, confere a personalidades significativas a comenda da Inconfidência Mineira, galardão representativo do anseio de liberdade existente na consciência dos bons brasileiros.
Foi no cenário envolvente de Ouro Preto que se pôde captar uma frase expressiva e proferida em local apropriado. A presidenta Dilma Rousseff ao receber a comenda da Inconfidência proferiu discurso, onde se pode recolher uma frase profundamente contemporânea e repleta de significado: "Uma democracia é feita de eleitores e também de cidadãos plenos".
Parece mera retórica, no entanto a frase contém a grande indagação da ciência política contemporânea. Basta para uma sociedade a mera realização de eleições ciclicamente para se constituir em uma democracia?
Claro que não. Esta conta aritmética que marca o fim da cada pleito pode ser importante para se conhecer o que se pensa sobre pessoas, partidos e eventuais programas de políticas públicas colocados em confronto.
É muito e, paradoxalmente, muito pouco. A verdadeira cidadania exige a contínua captação da vontade das pessoas. Obriga aos governantes a expor, mediante plena publicidade, todos os seus atos. Exige o cumprimento de seus deveres legais.
Talvez o mais significativo de uma verdadeira democracia é a presença de um Código Ético a ser respeitado. Nada fora dos preceitos morais. Tudo dentro da lei, que a todos subordina.
Falta muito, pois, para se alcançar uma verdadeira democracia. Os mecanismos de recolhimento da vontade popular ainda são escassos e pouco utilizados os previstos em nossos códigos políticos.
Resta a geração de um efetivo "povo judicial" para se contrapor, com sabedoria, ao "povo eleitoral", apenas ouvido de tempos em tempos. Um Judiciário sensível e vinculado espiritualmente à sociedade é indispensável para uma verdadeira democracia.
A presidenta concebeu uma singela frase. Esta exige maior reflexão, que conduzirá à busca de uma efetiva interatividade entre o Poder e a sociedade. É preciso ouvir a todo o momento. A sociedade como corpo vivo se encontra em continua mutação.
Em Minas Gerais -ainda uma vez- na simplicidade colonial de suas cidades históricas, ouviu-se um clamor de esperança. A maior autoridade do Executivo reconhece: ainda falta muito para se alcançar uma efetiva democracia.”
FONTE: escrito por Cláudio Lembo, advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador. Publicado no portal “Terra Magazine”, do jornalista Bob Fernandes (http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5092205-EI8421,00-A+frase.html).
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