terça-feira, 5 de abril de 2011
SOBRE O CRESCIMENTO BRASILEIRO
Por Bento, no blog de Luis Nassif
(Comentário ao post “O PAÍS SEM ROTA DE CRESCIMENTO”)
“Caro Nassif
Permita-me discordar:
1) O Brasil tem, sim, trajetória clara de crescimento para os próximos anos e quiçá décadas, baseada no crescimento do mercado interno. Pode-se questionar o viés desse crescimento, que modelo de país estamos construindo (no caso atual, a crítica mais sólida me parece a de que, na base das commodities, estamos caminhando a passos largos para nos tornar uma espécie de "Austrália" latina), mas daí a dizer que não há rota de crescimento vai uma longa distância. Nenhum economista sério ousaria afirmar, por exemplo, que o Brasil terá dificuldades para crescer entre 4,5 e 5% a.a. no atual andar da carruagem, e isso não é pouca coisa.
2) Então, acho que mais importante que questionar a viabilidade do modelo atual é apontar suas limitações em termos de progresso técnico e qualidade da inclusão social no médio e longo prazo. Pois a maior tragédia do atual modelo de crescimento é que, sim, ele existe (já estamos entrando no 5º ano consecutivo em que ele vigora), sim, ele tem lógica (baseada na exportação de commodities, expansão do crédito ao consumo e inclusão social), e sim, ele funciona muito bem no curto prazo (Lula e Dilma que o digam). Enquanto vislumbrarmos um mundo em que as commodities permaneçam nos atuais patamares de preço, o Brasil ainda terá fôlego de sobra para sustentar o atual ritmo de crescimento sem grandes problemas. Com direito a superávit comercial inclusive.
3) Afirmar que as reservas possuem liquidez imediata é uma falácia, pois o que realmente importa é o perfil da dívida pública, que vem sendo consistentemente alongado e tendo seu custo reduzido nos últimos anos em proporção da arrecadação tributária. Caso contrário, você estaria afirmando que nossa situação macroeconômica atual é exatamente igual à de 1998 do ponto de vista das contas externas, o que soa absurdo. No curto prazo, pode haver, sim, fuga de capitais independentemente desses fundamentos macroeconômicos, mas essa hipótese tem se tornado cada vez mais remota, ainda mais com a enxurrada de liquidez patrocinada pelo FED a partir de 2008.
4) O problema dos juros é bem mais complexo no contexto de uma "doença holandesa", problema mais grave apontado pelos economistas para o Brasil hoje. Não são apenas as pressões inflacionárias oriundas do setor de serviços que ensejam sua elevação - num contexto de forte entrada de capitais (e a maior parte deles pouco interessada em fazer arbitragem, senão não estariam fazendo a bolsa bater sucessivos recordes), o BACEN tem desafio sério para conter a escalada do crédito internamente. Muito antes dos heterodoxos, economistas brasileiros "made in Chicago" já apontavam a tendência à perda de efetividade da política monetária no país em função do desenvolvimento de novos canais de financiamento para empresas e famílias sobre os quais a SELIC pouco influenciava. Como não podiam falar mal do capital externo, esses economistas culpavam o governo, em particular o BNDES e os bancos públicos, por expandir "artificialmente" o crédito no país por meio de empréstimos subsidiados e crédito consignado. E eles estavam parcialmente certos. O BACEN não está cego a esses problemas, tanto é que tem enfatizado mudança recente na avaliação do problema inflacionário no Brasil. Mas não existe "boa" solução a vista ainda.
5) Desvalorização cambial é saída arriscada, posto que, para ser "controlada", implica o compromisso do BACEN com uma taxa de câmbio, o que, vale dizer, sinaliza claramente aos agentes o quanto "a banca tem" e o quanto é necessário para quebrá-la. Se, de fato, as reservas fossem de liquidez imediata, não haveria qualquer possibilidade de o BACEN adotar essa estratégia. Penso que o problema hoje não é a desvalorização em si, pois as reservas dão, sim, um colchão de segurança para o governo. O problema é o impacto sobre a inflação e sobre suas expectativas futuras, num regime de metas. O bom do regime de metas é que ele traz credibilidade, e o mal é que ele traz credibilidade também. Se você não cumpre, sua credibilidade vai para o ralo não importa o quanto você argumente em termos de racionalidade econômica, pois se trata de um clássico compromisso de "amarrar as mãos". Por isso, a discussão emperra. O BACEN já está tentando "aprimorar" (leia-se flexibilizar) o regime de metas de inflação, mas essa estratégia é gradual e nada assegura que seja suficiente. Mas o regime faz parte do atual "modelo". Aliás, é a principal parte. Muita gente esquece que a desvalorização cambial de 1999 -inevitável e imprescindível para recolocar o país nos trilhos, ressalte-se- custou a maior parte do ganho real dos salários ocorrido no primeiro governo FHC, e teve consequências políticas nefastas para ele no segundo. Por isso, ajustes como esse dificilmente são decididos por governos; em geral eles se impõem por si mesmos numa crise braba. E a tragédia de Lula, sua verdadeira e única herança maldita, talvez seja mesmo isso: seu modelo de crescimento é tão simples e eficiente no curto prazo que impede que uma crise advenha e imponha na marra o ajuste necessário às contas externas. Por isso, só resta o próprio governo tomar uma atitude.”
FONTE: comentário escrito pelo leitor Bento no blog do jornalista e economista Luis Nassif (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/sobre-o-crescimento-brasileiro#more) [imagem do Google adicionada por este blog].
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