Derrotado pela “Refundação Comunista” em seu reduto e despencando em popularidade, Berlusconi tenta salvar-se convocando italianos para xenofobia explícita
A PIOR FACE DO VELHO CONTINENTE
Por Luís F. C. Nagao
“O suposto ‘cavaliere’, enfim, soltou as frangas. No último domingo (22/5), mal terminara o primeiro turno das eleições para governos municipais italianos, quando o primeiro-ministro Silvio Berlusconi dirigiu-se a correligionários e despejou seu ódio.
Referindo-se a Milão, onde fez fama e fortuna, previu: em caso de vitória dos adversários, a elegante metrópole do Norte iria converter-se em “uma cidade islâmica, um acampamento de ciganos, cheia de romenos e assediada pelos estrangeiros, aos quais a esquerda tem dado o direito de votar”.
O orgulho do premiê fora humilhado. Sua popularidade, abalada pela crise econômica e escândalos sexuais, despencara a 31%, em abril.
Nas eleições do fim de semana, seu partido, o “Poppolo della Libertà” (PDL) fora liquidado, já na primeira volta, em cidades importantes como Bolonha e Turim.
Mas o vexame mais arrasador deu-se no próprio reduto de Berlusconi. O advogado Giuliano Pisapia, -quase ‘outsider’ no grande jogo da política institucional– obtivera 48% dos votos, contra 41,6% dados à candidata da direita, Letizia Moratti. Tornara-se favorito para o turno decisivo (marcado para este domingo 29/5). Giuliano, oriundo do ‘Partido da Refundação Comunista’ (PRC), concorre pela coligação de centro-esquerda.
Mas o destempero que pareceu, à primeira vista, fruto de choque emocional do premiê converteu-se, nos dias seguintes, em estratégia. Ao invés de diluir o mal-estar provocado pelo discurso xenófobo, a direita italiana passou a explorá-lo. Em Milão, sua campanha degenerou para uma tentativa de fazer aflorar os recalques dos italianos conservadores contra ‘o outro’, na esperança de que uma onda de medo possa reverter a derrota.
"Milão Ciganopólis com Pisapia", mais acampamentos nômades, a maior mesquita da Europa
Os cartazes de propaganda do PDL passaram a alertar contra a “torrente de ciganos” que supostamente invadiria Milão em caso de vitória de Pisapia. Afirmou-se que o comunista pretendia transformar a cidade em Zingaropoli, algo como “Ciganópolis”.
Atacou-se o discurso tolerante do candidato, que declarou não se opor à construção de uma mesquita no município. Na quarta-feira (25/5), ‘Il Giornale’, um diário nacional controlado pela família Berlusconi, “advertiu”: “O Islã marchará sobre a catedral de Milão”, caso a candidata do primeiro-ministro seja derrotada.
Talvez não sirva de muito. As eleições italianas mostram significativa mudança no ânimo político do país. O prestígio da direita foi abalado, tanto pelo escandaloso ‘caso Ruby Gate’ (em que Berlusconi é acusado de contratar, como prostituta, uma menor), quanto pelas consequências da crise. “A gente não chega ao final do mês e ele [Berlusconi] gasta milhões em sua festa.”, disse um taxista ao diário espanhol ‘El País’.
Além de tirar proveito da nova conjuntura, Giuliano Pisapia soube construir sua candidatura de forma não-tradicional. Não é político de carreira. Filho de ilustre jurista milanês e advogado penal de projeção, tornou-se deputado em 1996, aos 47 anos. Ao lançar sua candidatura ao governo municipal (em primárias promovidas pelo bloco de centro-esquerda), tinha apenas 4% das intenções de voto. Identificava o ceticismo da população com relação aos políticos.
Mas enxergou que havia milhares de pessoas interessados em participar –se encontrasse espaço. Começou a organizar comitês e coordená-los. Baseou seu programa na crítica à privatização dos serviços públicos –inclusive, parques como o ‘Confaloniere’. Denunciou que, ao fazê-lo, a direita atentava contra a cultura da cidade e do país.
Atribui a sua vitória no primeiro turno ao trabalho nas ruas. Agora, quer dar a sua candidatura caráter suprapartidário, envolvendo, além da centro-esquerda, radiciais e velhos socialistas.
Além de significar perda do controle sobre governos importantes, o declínio eleitoral de Berlusconi poderá, segundo analistas, colocar em crise a coalizão no poder –que une o PDL à Liga do Norte, mais abertamente xenófoba. Para Franco Pavoncello, professor de Ciências Políticas na ‘universidade John Cabot de Roma’: “este resultado surpreendentemente negativo iniciará uma crise no governo” Já começam a surgir, na Liga do Norte, questionamentos sobre a validade de continuar ou não a aliança com o primeiro-ministro. Na hipótese de derrota definitiva em Milão, muitos pensam que a ‘Liga’ poderá abandonar rapidamente o governo, o que poderia desencadear sua queda.”
FONTE: escrito por Luís F. C. Nagao e transcrito no portal do jornalista Luis Nassif (http://www.outraspalavras.net/2011/05/27/a-pior-face-do-velho-continente/) (http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/berlusconi-se-agarra-a-tabua-de-salvacao-da-xenofobia#more
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