domingo, 26 de junho de 2011

VENCEDORES E DERROTADOS NO AFEGANISTÃO DE OBAMA


Por MK Bhadrakumar, no site “Asia Times Online”. Transcrito no blog “Grupo Beatrice”:

“O presidente Barack Obama, dos EUA, sempre se faz presente quando a hora exige floreios retóricos. Por esse motivo, o discurso da retirada, quarta-feira, em Washington, que ele atentamente intitulou “No caminho avante no Afeganistão”, foi mais discurso programático que discurso para incendiar as mentes. E avalia corretamente que não é hora de celebrar, mas de justificar o que foi feito sobre algo que deu horrivelmente errado.

Há vencedores e derrotados no discurso de Obama. Primeiro, os derrotados. São o Pentágono, o presidente Hamid Karzai do Afeganistão, o Paquistão e o sul da Ásia e a criatura amorfa conhecida como al-Qaeda. Vencedores são os Talibã e, mais uma vez, o Paquistão.

A mudança de “combate para apoio” e da via militar para a via política é reflexo do ceticismo crescente quanto à efetividade da “avançada” [orig. “surge”] das tropas. Obama agradeceu aos soldados pelo bom trabalho que fizeram, mas foi nisso apenas superficial. Para ele, a “avançada” foi um sucesso. E mudou de assunto. Não elogiou a “avançada” –os 33 mil soldados que mandou para o Afeganistão no final de 2009– como sucesso retumbante. Foi sombrio. Agradeceu aos soldados da infantaria que entregaram a vida em sacrifício supremo, mas não mencionou o “herói da avançada” –o general David Petraeus, comandante dos EUA no Afeganistão, que Obama acaba de nomear novo diretor da Agência Central de Inteligência (CIA).

Seja qual for o ponto de vista, não é o tipo de retirada que o Pentágono desejaria –10 mil soldados até o final de 2011, 33 mil até meados de 2012 e remoção dos demais 70 mil soldados, “em passo regular” ao longo de 2013, de tal modo que, ao final de 2014, “esse processo de transição estará completado”. Obama deixou sem definir se todos os 70 mil soldados serão retirados ao final de 2014 ou quando, ou se -como no Iraque, onde 10 mil soldados podem ser deixados mesmo depois da retirada total prometida para o final de 2011-, haverá soldados norte-americanos residuais de longo prazo, deixados também nas montanhas do Hindu Kush.

É possível que Obama tenha deixado sem definir esses pormenores porque a decisão não compete somente a ele. Deve saber que longe vão os tempos em que os EUA podiam decidir os desdobramentos desses sangrentos dez anos de guerra. Quando não se vence uma guerra, os desdobramentos têm de ser decididos por consenso. Portanto, em primeiro lugar e antes de qualquer outra voz, falarão os Talibã; depois, falará o governo de Karzai e, cada dia mais, falarão também as potências regionais.

Além do mais, Obama admite que os EUA têm limitações. O dinheiro pode ser mais bem empregado em casa, para consertar estradas, para criar novos empregos e indústrias, “em momento de déficit crescente e tempos econômicos duros em casa”. Os EUA não se retirarão em movimento isolacionista, mas não manifestarão qualquer entusiasmo por intervenções em terra distante, a menos que sejam ameaçados. E mesmo que sejam ameaçados, não optarão por despachar grandes exércitos (darão preferência a amas de alta tecnologia) e convocarão ações internacionais.

Obama garantiu que a al-Qaeda foi vencida e já não há razão para prosseguir em guerra. O que agora se exige é vigilância, para que a serpente não volte a erguer a cabeça. Mas avisou o Paquistão de que ainda tem planos de “atacar paraísos seguros para terroristas” naquele país. Acrescentou que continuará a “pressionar o Paquistão para que aumente sua participação (...) e a trabalhar com o governo do Paquistão (...) e a insistir para que cumpra os compromissos assumidos”.

Obama nem tentou oferecer qualquer ramo de oliveira a Islamabad, não fez qualquer movimento para remendar as fraturas do relacionamento EUA-Paquistão, sequer comentou, nem de passagem, o que o Paquistão tem dito sobre os enormes sacrifícios que já fez –maiores que os de qualquer outro aliado dos EUA.

Em resumo, está partindo sem uma palavra de agradecimento. O que, com certeza, já foi anotado pelo comando militar paquistanês em Rawalpindi e pelo governo civil em Islamabad. As consequências que daí advirão escondem-se ainda no útero do tempo. Mas, curiosamente, o movimento de Obama é como uma reverência não desejada aos paquistaneses.

Porque o Paquistão é também um grande vencedor. O discurso de Obama é, na essência, o reconhecimento de tudo que os militares paquistaneses têm repetido ao longo de um, dois anos –que a guerra do Afeganistão é inútil, que é hora de reconciliar-se com os Talibã, que a via militar não leva a lugar algum, que só um acordo de paz levará à paz duradoura e à estabilidade.

Agora, dos píncaros do poder nos EUA, ouve-se Obama dizer, embora indiretamente, que “sim, sim, o Paquistão sempre esteve certo, desde o começo”. Obama reconhece devidamente em seu discurso que “a maré da guerra está em baixa” no Afeganistão. Obama fala com otimismo da possibilidade de acordo político, apesar dos “dias negros que haverá pela frente”.

As nuances da estrada para a paz no discurso de Obama receberão atenção máxima nos próximos dias, para que se identifique onde está a substância. Fala dos Talibã como entidade uniforme, sem qualquer exceção para a rede Haqqani. Desde que aceitem as pré-condições para a reconciliação, praticamente qualquer um será bem-vindo à tenda da reconciliação. O espírito é de “esquecer-e-perdoar”. Os Talibã foram citados como parte “do povo afegão”.

Dois, Obama admite que a reconciliação tem de ser “conduzida pelo Afeganistão”. Ecoa a posição padrão dos EUA, mas nada diz além dela para mitigar os medos palpáveis em Kabul e Islamabad, para as quais o que é dito não passa de palavras ocas, porque os EUA insistem em preservar para eles o papel de locomotiva e mantêm em perfeita escuridão o aliado afegão e seu aliado regional. Vai-se ver, é um pequeno detalhe.

Ou, vai-se ver, não há o que Obama possa fazer quanto àquela situação, porque, quando o camelo entra na tenda, sempre acontece de a tenda encolher, sem espaço para outros. Mas Kabul e Islamabad sabem que terão de esperar ao relento, até que o enviado dos EUA chegue à região para detalhar o discurso de Obama, quando então saberão que nada mudou na estratégia diplomática de longo prazo dos EUA sobre o processo de paz.

O ponto mais interessante de todo o discurso é o otimismo que Obama exsuda ao falar da reconciliação com os Talibã. Declara que “tenho razões para crer que se podem obter progressos (...) que o objetivo que buscamos é alcançável.” E só. Deixa as coisas, entusiasmantemente, nesse ponto. Deve-se concluir que Obama está tranquilizado pelo ‘feedback’ que recebeu dos seus funcionários sobre as confabulações secretas até aqui. E Obama tem motivos para acreditar que os Talibã são manobráveis por persuasão e desejarão negociar.

Obama não menciona Karzai nesse contexto do processo de paz, silêncio realmente ensurdecedor. Sim, é verdade, reconhece o papel chave do governo afegão na estabilização da situação em campo, mas não há como não ver que a ênfase dos EUA vai toda para o encontro marcado entre EUA e o povo afegão em geral.

Obama tampouco diz palavra sobre a conferência que os alemães ambiciosamente planejam receber em Berlim, em dezembro, uma espécie de Congresso de Viena, na qual parece que os Talibã estarão sentados à mesa de negociações sob candelabros de cristal com diplomatas em ternos caros bebericando champanhe. Mas Obama fala, sim, de outra conferência internacional, reservada aos EUA e aliados, que acontecerá em maio, em Chicago, “na minha cidade”, para “modelar a próxima fase dessa transição [afegã].”

Obama é político esperto e sabe bem avaliar o imenso potencial de exibir aos eleitores norte-americanos, em campanha para as eleições presidenciais, o quão brilhantemente ele conseguiu salvar a guerra do Afeganistão que os governos Republicanos haviam deixado em estado miserável.

Obama pode contar com o recém-eleito prefeito de Chicago e seu antigo camarada Emmanuel Rahm, para que a ‘Conferência de Maio’ seja sucesso esplêndido e momento de definição da campanha eleitoral. De fato, Obama deu bom uso em seu discurso às sandices do governo George W Bush, que não soube dar suficiente atenção à guerra do Afeganistão e desencadeou, levianamente, a invasão do Iraque em 2003.

Pode-se argumentar que é direito de Obama acumular milhagem doméstica, beneficiando-se eleitoralmente da conclusão da guerra afegã. (O pico da retirada de soldados –meados de 2012– também coincide com o pico da campanha eleitoral). Afinal, exige-se coragem sobrehumana de um comandante-em-chefe para reconhecer que está metido em guerra que nunca vencerá. Mais difícil ainda é fazer as coisas de modo a que a retirada não pareça derrota nem tenha de ser feita por helicópteros, do telhado do prédio da embaixada dos EUA em Kabul. Obama está conseguindo sair-se bem dessas duas dificuldades.

Mas não há como não ver que os Talibã derrotaram os EUA. Quanto a isso não há o que discutir. Manter os Talibã excluídos do cálculo do poder afegão já não é objetivo dos EUA. Os EUA reconhecem que os Talibã são parte integrante da nação afegã. Nenhum braço dos Talibã será excluído do centro político da vida dos afegão, para servir ou ao orgulho ou aos preconceitos dos EUA. Todos são bem-vindos a bordo do trem da paz rumo a Kabul.

A região em volta do Afeganistão ficará sem entender o que, afinal, se disputava nessa guerra. Há muitas ruínas e cacos por toda a parte, resultado da destruição que os EUA causaram. Obama diz que os EUA já não têm dinheiro para a reconstrução. “America, é hora de nos focar em reconstrução-da-nação aqui mesmo, em casa.” Uma dúzia de palavras que ecoarão, não só pelos vales e picos das montanhas do Afeganistão, mas por todas as estepes da Ásia Central e pelo milenar Vale do Industão.

A dura realidade é que o discurso de Obama desencadeará arrepios de medo pela coluna dorsal dos não-pashtuns no Afeganistão. Nada pode ser pior do que receber ofertas de apoio e proteção e, de repente, quando mais precisa, ser deixado para trás. Os centro-asiáticos preocupar-se-ão com o efeito que terá a volta triunfante dos Talibã sobre as forças do islamismo em seus países –os quais já se preparam para enfrentar a chegada lá da ‘Primavera Árabe’.

A Índia sentir-se-á duramente abandonada. O Irã será só júbilo. E, talvez, também a Rússia, na medida em que essa história fará lembrar que ela já não é a única superpotência a ser derrotada em guerra no Hindu Kush. A China passará a depender ainda mais do Paquistão, e cada vez mais, para garantir que os Talibã cumpram o que disseram sobre não ter qualquer agenda para além das fronteiras do Afeganistão.

Formidável desafio para o Paquistão, digerir a verdade dura de engolir. Como as bruxas de Shakespeare dizem a Banquo, em Macbeth, há graças complexas. A morte avizinha-se de Banquo, mas sua descendência conhecerá a mais alta glória real –“Gerarás reis, mas rei nunca serás”...[1]. Pode haver mais plena satisfação?”

[1] Macbeth, Shakespeare, ato I, cena 3, verso 70: “Thou shalt get kings, though thou be none” (http://www.shakespeare-online.com/plays/macbeth_1_3.html).

FONTE: escrito por MK Bhadrakumar, no “Asia Times Online”  (http://www.atimes.com/atimes/South_Asia/MF24Df02.html). Transcrito no blog “Grupo Beatrice”  (http://grupobeatrice.blogspot.com/2011/06/vencedores-e-derrotados-no-afeganistao.html) [imagens do Google adicionadas por este blog].

5 comentários:

  1. Maria Tereza,

    Eu não vi esta matéria aqui, é de embrulhar o estômago, dá para entender o que é o AIPAC, a indústria da guerra, FED, FMI, petróleo, bancos, dólar, euro, Wall Street, onde está o euro da falência europeia e toda a força sionista. Vale à pena, as fontes são dignas. A matéria completa ainda não está disponível, divide-se em quatro partes, esta, em resumo feito por mim é a primeira.

    O cartel do Federal Reserve: As oito famílias (Parte 01/04)

    Os Quatro Cavaleiros da banca (Bank of America, JP Morgan Chase, Citigroup e Wells Fargo) são os donos dos Quatro Cavaleiros do Petróleo (Exxon Mobil, Royal Dutch/Shell, BP e Chevron Texaco); em sintonia com o Deutsche Bank, o BNP, o Barclays e outros monstros europeus das velhas fortunas. Mas o seu monopólio sobre a economia global não se esgota no xadrez do petróleo.

    De acordo com o relatório 10-K para a SEC, os Quatro Cavaleiros da Banca estão entre os dez maiores acionistas de praticamente todas as empresas da Fortune 500.

    Então quem são os acionistas destes centros bancários de dinheiro?

    Esta informação é um segredo muito bem guardado. As minhas indagações junto das agências reguladoras da banca, no que se refere aos proprietários das ações dos 25 maiores bancos norte-americanos que possuem companhias, foram respondidas ao abrigo da Lei da Liberdade de Informação, antes de serem recusadas com base na "segurança nacional". O que é bastante ridículo, na medida em que muitos dos acionistas da banca residem na Europa.

    Um importante repositório da riqueza da oligarquia global que é dona destas companhias na posse da banca é a US Trust Corporation - fundada em 1853 e atualmente propriedade do Bank of America. Um recente diretor e curador honorário da US Trust Corporate foi Walter Rothschild. Outros diretores incluíram Daniel Davison do JP Morgan Chase, Richard Tucker da Exxon Mobil, Daniel Roberts do Citigroup e Marshall Schwartz do Morgan Stanley.

    J. W. McCallister, da indústria petrolífera com ligações à Casa de Saud, escreveu no The Grim Reaper que informações que obteve de banqueiros sauditas referiam que 80% do Federal Reserve Bank de Nova Iorque - de longe o ramo mais poderoso do Fed - estavam na posse de apenas oito famílias, quatro das quais residem nos EUA. São elas os Goldman Sachs, os Rockefellers, os Lehmans e os Kuhn Loebs de Nova Iorque; os Rothschilds de Paris e de Londres; os Warburgs de Hamburgo; os Lazards de Paris; e os Israel Moses Seifs de Roma.

    O CPA Thomas D. Schauf confirma as afirmações de McCallister, acrescentando que dez bancos controlam todos os doze ramos do Federal Reserve Bank. Menciona o N.M. Rothschild de Londres, o Rothschild Bank de Berlim, o Warburg Bank de Hamburgo, o Warburg Bank de Amsterdã, o Lehman Brothers de Nova Iorque, o Lazard Brothers de Paris, o Kuhn Loeb Bank de Nova Iorque, o Israel Moses Seif Bank de Itália, o Goldman Sachs de Nova Iorque e o JP Morgan Chase Bank de Nova Iorque. Schauf lista William Rockefeller, Paul Warburg, Jacob Schiff e James Stillman como indivíduos que possuem grande quantidade de ações do Fed. [3] Os Schiffs são preponderantes no Kuhn Loeb. Os Stillmans no Citigroup, casaram-se no clã Rockfeller no início do século.

    Eustace Mullins chegou às mesmas conclusões no seu livro ' The Secrets of the Federal Reserve', em que exibe gráficos ligando o Fed e os bancos seus membros às famílias Rothschild, Warburg, Rockfeller e outras.

    O controlo que estas famílias de banqueiros exercem sobre a economia global não pode ser sobrestimada e é intencionalmente um segredo bem guardado. O seu braço nos media empresariais é rápido a desacreditar qualquer informação que divulgue este cartel privado de banqueiros centrais como uma 'teoria da conspiração'. Mas os fatos subsistem.

    http://port.pravda.ru/busines/16-06-2011/31741-cartel_fed_reserve-0/

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  2. Probus,
    Obrigada pelas importantes informações que você disponibilizou para os demais leitores com o seu elaborado comentário. Eu desconhecia essa intrincada rede de pessoas, instituições e interesses que movem o mundo. Espero pela Parte 02/04.
    Maria Tereza

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  3. Maria Tereza, você chama estes desclassificados de gente? Adolfinho e Benito são crias deles...

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  4. Luís Britto Garcia: A Líbia é o nosso futuro

    1
    Nenhum homem é uma ilha; a morte de qualquer pessoa me afeta, pregava John Donne. Nenhum país está fora do planeta: o genocídio cometido contra um povo assassina-me. Tudo o que acontece na Líbia fere-me, prejudica-te, nos afeta.

    Luís Britto Garcia*

    2
    Falemos como homens e não como chacais ou monopólios mediáticos. A Líbia não é bombardeada para proteger a sua população civil. Nenhum povo é protegido lançando-lhe explosivos nem despedaçando-o com 4,3 mil ataques "humanitários" durante mais de cem dias. A líbia é incinerada para lhe roubarem seu petróleo, suas reservas internacionais, suas águas subterrâneas. Se o latrocínio triunfa, todo país com seus recursos será saqueado. Não perguntes sobre quem caem as bombas: cairão sobre ti.

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    Encarceraram os comunistas; nada poderia importar-me menos porque não sou comunista, ironizava Bertold Brecht. O Conselho de Segurança da ONU aprova uma zona de "exclusão aérea" a favor dos secessionistas líbios, mas permite um bombardeio infernal; a China e a Rússia abstêm-se de vetar a medida porque como não são líbios nada poderia importar-lhes menos. De imediato os Estados Unidos ameaçam a China com a declaração de uma "moratória técnica" da sua impagável dívida externa e agridem o Paquistão. A China replica que "toda nova ingerência dos Estados Unidos no Paquistão será interpretada como ato não amistoso" e arma o país islâmico com cinquenta caças JF-17. Nenhum povo está fora da humanidade: se não vetas a agressão contra outro, a desencadeias contra ti.

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    Conta Tólstoi que um urso ataca dois camponeses: um sobre a uma árvore, cedendo ao outro o privilégio de defender-se só. Este vence e conta que as últimas palavras da fera foram: "Quem te abandona não é teu amigo". A Liga Árabe, a União Africana, a OPEP trepam na árvore da indecisão esperando a vez de serem esquartejadas. Ao abandonar as vítimas te abandonas.

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  5. 5
    Como nos tempos em que o fascismo assaltava a África, hoje a Itália, Alemanha, Inglaterra, França e outros pistoleiros da Otan sacrificam armamentos e efetivos numa guerra que só favorecerá os Estados Unidos. Impedido pelo seu Congresso de investir abertamente fundos no conflito, Obama queixa-se dos seus cúmplices da Otan porque sacrificam à despesa militar menos de 2% dos seus PIB e ordena-lhes que imolem pelo menos 5% ("El futuro de la Otan", Editorial El País, 15/06/2011). São instruções inaplicáveis quando o protesto social, a crise financeira, a dívida pública impagável e o próprio gasto armamentista minam os governos do G-7. Perante tais exigências, a Itália opta por não participar mais na associação criminosa (agavillamiento). A Agência Internacional autoriza a gastar das reservas que não tem 60 milhões de barris de petróleo em dois meses. Os Estados Unidos desbaratam em 2010 uma despesa militar de 698 mil milhões de dólares, 43% do total mundial de 1.600 mil milhões de dólares (Confirmado.net 17/06/2011). Assim se dilapidam em forma de morte os recursos que deveriam salvar a vida. Se montam guerras para devorar o outro, as guerras te devorarão a ti.

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    Como na época de Ali Babá e os quarenta ladrões, os banqueiros internacionais que tão benevolamente receberam 270 mil milhões de dólares em depósitos e reservas da Líbia assaltam o botim e estudam trespassá-lo àqueles que tentam assassinar os legítimos donos. Também criam para os monárquicos de Bengazi um banco central e uma divisa secessionista. São os mesmos financistas cujo latrocínio custa à humanidade o atual colapso econômico: não indague a quem roubam os banqueiros: desfalcam a ti.

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    No estilo das blitzkrieg nazis, o presidente dos Estados Unidos inicia guerra sem a autorização dos seus legisladores e prolonga-as ignorando o Congresso, onde dez deputados denunciam o presidente e o secretário da Defesa cessante Robert Gates e vetam os fundos para a agressão contra a Líbia tachando-a de ilegal e inconstitucional. Não averigúes se deves impor a tiros a democracia a outros povos: acaba antes com os vestígios dela que restavam no seu próprio país.

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    Cada homem é peça do continente, parte do todo, insiste John Donne. Os inimigos do homem não cessam de fragmentá-lo para destruí-lo melhor. Os impérios, que são quebra-cabeças instáveis de peças juntadas à força, no exterior fomentam ou inventam o conflito de civilização contra civilização, o rancor do iraniano contra o curdo, do xiita contra o sunita, do hindu contra o muçulmano, do sérvio contra o croata, do descendente contra o ascendente, do ancestral contra o menos ancestral, do líbio contra o líbio, do venezuelano contra o venezuelano. De cada variante cultural pretendem fazer um paizinho e de cada paizinho um protetorado. Quem nos separa nos faz em pedaços, quem me divide me mutila. Não indagues como despedaçam a Líbia: esquartejam a ti.

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    Toda pilhagem arranca com promessa de golpe fácil e atola-se na carnificina insolúvel. As guerras do Afeganistão, Iraque, Líbia, Iêmen e a agressão contra o Paquistão arrancam passeios triunfais, espatifam-se em holocaustos catastróficos e nenhuma conclui nem se decide. A resistência dos seus povos retarda a imolação da qual não te livrarão nem vetos omitidos nem organizações abstencionistas nem banqueiros carteiristas nem Congressos nulificados. Não perguntes porque são assassinados os patriotas líbios: estão a morrer por ti.


    * Luís Britto Garcia é escritor venezuelano

    Fonte: resistir.info

    O artigo original encontra-se no Blog de Luís Britto Garcia

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