sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Brizola Neto: O RELATO DA VIAGEM FRUSTRADA À LÍBIA


Entregue relatório da viagem, como prometido


“Eu e o deputado Protógenes Queiroz, como prometêramos, entregamos (quarta, 24) ao Presidente da Câmara, Marco Maia, o relatório de nossa viagem com destino à Líbia, que, como todos sabem, parou na Tunísia por falta de condições, apesar das tentativas que fizemos de prosseguir adiante.

Eu já havia divulgado a minuta e coloco à disposição dos leitores o texto final (ver a seguir), voltando a frisar que, apesar do que dizem as pessoas que adoram desqualificar os outros, a viagem, oficial, não teve seus custos arcados pelos cofres públicos.

O deputado Marco Maia disse que, depois de ler, enviará o relatório ao Itamaraty.

Lamentavelmente, não podemos dizer que cumprimos o objetivo da missão, pela precipitação dos acontecimentos:

TEXTO FINAL

“Excelentíssimo Sr. Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Marco Maia,

Nos termos do ofício nº 2492/11/GP, pelo qual esta Casa conferiu caráter oficial à viagem que realizamos com destino à República Árabe Líbia, vimos apresentar o relatório para informação e apreciação da Comissão de Relações Exteriores e dos demais integrantes da Câmara dos Deputados.

Em primeiro lugar, como é de conhecimento público, os acontecimentos frustraram nosso propósito de observar in loco a situação de conflito que se desenvolve naquele país desde que, em março do corrente ano, surgiram os primeiros movimentos rebeldes, notadamente na cidade de Bhengazi, localizada na costa oriental líbia.

De igual forma, é sabido que, a partir daí, a Organização das Nações Unidas (ONU), através das Resoluções nº 1970 e 1973, ratificadas pelo governo brasileiro, autorizou, apenas, ações –militares, inclusive– que visassem a proteger os direitos das populações civis e impedir o uso desproporcional de força, sobretudo a aérea, contra protestos desarmados.

Frise-se que esse posicionamento foi absolutamente consentâneo com a tradição diplomática de nosso país, que se funda no respeito do autodeterminação dos povos, a não-violência, e o respeito à disputa democrática do poder nacional. Houve, durante esses meses, inúmeras manifestações internacionais, sobretudo por parte da República da Rússia, da União Africana, Cuba, Venezula, E.U.A (Dep. Sara Palim) e outros, de que tal mandato, ao ser extrapolado com ações bélicas que visavam enfraquecer e vulnerar o governo da Republica Líbia, estaria se configurando um ato de abuso de força e, na prática, de intervenção militar da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) naquele país.

Foi para constatar se era, de fato, isso que ocorria, significando uma violação do mandato internacional o qual nosso país subscreveu, a que se destinou nossa missão.

Fixados os objetivos da viagem, passamos a narrar os fatos que nela sucederam.

Chegamos à Tunis, capital da Tunísia, no final da noite do dia 15 do corrente mês, sendo informados por autoridades líbias que, naquela madrugada, a OTAN bombardeou a estrada Tunísia/Trípoli, na cidade de Zawia, onde passariam delegações internacionais de negociação e ajuda humanitária.

No dia seguinte, nossa primeira providência foi buscar contato com a representação diplomática brasileira na capital tunisina, o que, infelizmente, foi impossível e só veio ocorrer na quarta-feira quando nos reunimos com os senhores Márcio Augusto dos Anjos, primeiro secretário da embaixada brasileira na Líbia, e pelo senhor André Rosa Bueno, que nos informaram da dificuldade de obter garantias de segurança para o procedimento da viagem (documento anexo), o que já nos havia sido dito na véspera pelo Dr. Wael Al Faresi, professor universitário e membro do Comitê Olímpico e, naquele momento, membro do “Comitê Voluntário de Apoio” ao governo líbio.

Note-se que, pela precariedade do trânsito entre a Ben Guerdane (Tunísia)/Trípoli (Líbia) –até então livre de conflitos militares-, a comunicação do Dr. Al Faresi com nossa delegação foi feita por intermédio de videoconferência.

Expressando-se em português, o Dr. Al Faresi disse-nos que o exército líbio havia recuado de suas posições naquela região após fortes bombardeios diários realizados pela aviação da OTAN. Segundo ele, as ações militares visavam não apenas desalojar as tropas leais do governo como, sobretudo, interromper o funcionamento da infraestrutura e dos canais de abastecimento daquele país.

Disse-nos, inclusive, que teria sido bombardeada uma usina de geração termoelétrica que abastecia de energia a cidade. No diálogo com os representantes diplomáticos brasileiros, o Senhor Márcio dos Anjos, além de confirmar a instabilidade da situação militar nas vias de acesso à Trípoli, confirmou que, até a data que deixou a capital Líbia, 15 dias antes do nosso encontro, os bombardeios danificavam progressivamente os serviços de infraestrutura da cidade, levando a interrupções no fornecimento de energia e telecomunicações, provocando elevação nos preços dos alimentos e mercadoria em geral pela escassez de suprimento.


Numa explanação mais ampla, o secretário Márcio dos Anjos descreveu-nos a Líbia como uma sociedade onde a maioria da população gozava de bons níveis de bem-estar, inclusive com políticas públicas de educação, saúde, habitação gratuitas e como a maior renda per capita do continente Africano. Disse-nos, ainda, que o país estimulava o intercâmbio de estudantes e profissionais com outras nações, à custa do governo. Ressaltou que o governo possuía recursos derivados do fato de ter a exploração de petróleo regulada por contratos que garantiam que cerca de 90% do lucro obtido pelas petroleiras fosse recolhido aos cofres públicos.

Com isso, informou, o Estado Líbio desenvolvia grande programa de habitação, levando 80% da população a possuir moradia própria e projetando a construção de mais 500 mil casas e apartamentos, número que se torna impressionante quando se considera que a população daquele país é composta por pouco mais de seis milhões de habitantes.

No aspecto político, o secretário Márcio dos Anjos disse não ter observado, em Trípoli, manifestações de adesão ao movimento rebelde e muito menos a presença de qualquer grupo insurreto. Havia, ao contrário, segundo seu relato, restrições ao chamado movimento rebeldes mesmo entre aquelas pessoas que não apoiavam o comportamento de Muammar Gaddafi.

O relato do secretário, Márcio dos Anjos, foi corroborado pelo Ministro conselheiro Luis Eduardo Maya Ferreira, que chefia interinamente a embaixada brasileira em Tunis, ao definir o Sr. Márcio como um dos diplomatas de nosso país mais habilitado a descrever a situação líbia.

Impedidos, portanto, de seguir em nossa missão, aguardamos três dias por eventual melhoria nas condições de segurança, o que não ocorreu; registramos, ainda, a tomada pelos rebeldes da Embaixada da Líbia em Tunis. Nesses dias, com ajuda de intérpretes, pudemos observar, nos meios de comunicação locais e regionais, amplo noticiário sobre o conflito, dividido, basicamente, em duas linhas de abordagem. Uma, da emissora Al Jazeera, sediada no Qatar, bastante semelhante ao noticiário que temos recebido, aqui no Brasil, pelas agências internacionais. Outra, Jamahiriya, com tom diferente, nas emissoras tunisianas e de outros países da região, onde, ao lado das imagens dos movimentos insurrecionais se exibiam também imagens das manifestações pró-Muammar Gaddafi. Pudemos, também, assistir às transmissões da TV estatal líbia, na qual se veiculavam inúmeras convocações à população para defesa da capital e de seu entorno, chamando à população civil, inclusive a feminina, para participar da resistência.

No esforço para tentar obter informações, deslocamo-nos até Djerba, Mededine e Ben Guerdane, próximo à zona de conflito, na fronteira Líbia/Trípoli, a cerca de 50 km dela. Em parte, acompanhamos um comboio do Exército da Tunísia que reforçou a fronteira, em razão da tensão que existia na região, e, mesmo tentando ir no posto de controle de fronteira, isso foi recusado pelo motorista do veículo que locamos em Túnis para esse deslocamento, alegando falta de segurança. Naquela localidade, pudemos observar duas situações dignas de nota. A primeira, o forte movimento de tropas e veículos blindados da Tunísia, para prevenir violações de seu território. A segunda, um grande acúmulo de alimentos e outros itens de primeira necessidade, inclusive combustível, que já não podiam ser levados à população líbia pelo acirramento do conflito, e refugiados pedindo alimentos.

Em resumo, a limitação de nossos movimentos, malgrado todos os esforços que fizemos para o pleno cumprimento de nossa missão, não nos permite expressar, com a força do testemunho pessoal, a situação interna da Líbia. Pudemos observar, entretanto, nos diálogos que realizamos, que é praticamente unânime a percepção na região de que o desfecho desses acontecimentos reflete muito mais os efeitos da intervenção militar ocidental do que, propriamente, o enfrentamento dos grupos pró e antigoverno daquele país. Mesmo com a impossibilidade de penetrarmos no território da Líbia, fizemos contatos com vários cidadãos daquele país, apoiadores ou opositores do regime e todos destacavam, não apenas o poder dos ataques da OTAN como, até mesmo, o fato de muitas das operações de bombardeio atingirem alvos civis, a infraestrutura, e, irônicamente, até mesmo as tropas insurretas que visavam apoiar. Pelo que foi possível recolher de testemunhas, não foi uma ação bélica condizente com a delegação internacional que a OTAN recebeu da ONU.

Por fim, cabe assinalar que, em todos os momentos, nossa delegação insistiu numa posição de apoio ao fim, por ambas as partes, dos conflitos armados. E pela convocação do povo líbio a ampla e democrática consulta sobre os rumos da nação. Cumprimos, no limite de nossas possibilidades, a missão que nos foi delegada oficialmente por esta Casa, sem ônus para os cofres públicos, e colocamo-nos à inteira disposição dos senhores Deputados para qualquer esclarecimento adicional.

É o que temos a relatar.

Brasília, 22 de agosto de 2011, Delegado Protógenes, Deputado Federal, PC do B–SP, e Brizola Neto, Deputado Federal, PDT–RJ”

FONTE: escrito por Brizola Neto e publicado em seu blog “Tijolaço”  (http://www.tijolaco.com/entregue-relatorio-da-viagem-como-prometido/)
[imagens do google adicionadas por este blog ‘democracia&política’].

3 comentários:

  1. Tomai o fardo do Homem Branco - Envia teus melhores filhos.
    Vão, condenem seus filhos ao exílio para servirem aos seus cativos; Para esperar com arreios, com agitadores e selváticos. Seus cativos, servos obstinados, metade demônio, metade criança.

    Tomai o fardo do Homem Branco - Continua pacientemente.
    Encubra-se o terror ameaçador e veja o espetáculo do orgulho; Pela fala suave e simples, explicando centenas de vezes, procura outro lucro e outro ganho do trabalho.

    Tomai o fardo do Homem Branco - As guerras selvagens pela paz - Encha a boca dos Famintos, e proclama, das doenças, o cessar; E quando seu objetivo estiver perto (O fim que todos procuram) olha a indolência e loucura pagã levando sua esperança ao chão.

    Tomai o fardo do Homem Branco - Sem a mão-de-ferro dos reis, mas, sim, servir e limpar - a história dos comuns. As portas que não deves entrar, as estradas que não deves passar. Vá, construa-as com a sua vida e marque-as com a sua morte.

    Tomai o fardo do homem branco - E colha sua antiga recompensa - A culpa de que farias melhor, o ódio daqueles que você guarda, o grito dos reféns que você ouve (Ah, devagar!) em direção à luz: "Porque nos trouxeste da servidão nossa amada noite no Egito?"

    Tomai o fardo do homem branco - Vós, não tenteis impedir - Não clamem alto pela Liberdade para esconderem sua fadiga, porque tudo que desejem ou sussurrem, porque serão levados ou farão, os povos silenciosos e calados, seu Deus e tu, medirão.

    Tomai o fardo do Homem Branco! Acabaram-se seus dias de criança, o louro suave e ofertado, o louvor fácil e glorioso. Venha agora, procura sua virilidade através de todos os anos ingratos, frios, afiados com a sabedoria amada, o julgamento de sua nobreza.

    (O fardo do Homem Branco, Rudyard Kipling - 1899)

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  2. Probus.
    Também aprecio Rudyard Kipling. Foi o primeiro inglês a receber o prêmio nobel de literatura (em 1907). No Brasil, creio que é mais conhecido pelo seu poema "If".
    Maria Tereza

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  3. Oi Maria Tereza, é que eu estou meio cansado com tamanha maldade das forças imperiais e os desejos neo-coloniais de Obama, Sarkozy, Cameron e Berlusconi...

    Lógico, não os culpemos se, vemos a omissão de muitos, e, se omitir é compactuar com a pirataria e a maldade.
    Ainda lembro do maldito dia que Rússia e China não foram contra a Área de Exclusão Aérea da OTAN sobre a Líbia.
    E hoje, essas duas nações pagam o preço e devolvem com juros e correção protegendo Damasco, o Regime de Assad sim é tirano e cruel, não menos que as monarquias apoiadas pela galera do mal, os ianques e a UE: Bahreim, Iémen, Arábia MALdita, Reino Unido, Bélgica, Austrália e muitas outras monarquias, principados e, Paraísos Fiscais...

    O poema de Rudyard Kipling, "O Fardo do Homem Branco" me dói, não o leio como poema, mas como uma oração, uma súplica, não ao Senhor dos Feudos, mas ao Senhor dos Céus.

    AMEI o poema "if", "se", valeu demais a sugestão, eu não o conhecia, posto abaixo uma tradução muito legal do mesmo, obrigado.


    Se és capaz de manter tua calma, quando, todo mundo ao redor já a perdeu e te culpam...

    De crer em ti quando estão todos duvidando, e para esses, no entanto, achar uma desculpa...

    Se és capaz de esperar sem te desesperares, ou, enganado, não mentir ao mentiroso...
    Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares, e não parecer bom demais, nem pretensioso...

    Se és capaz de pensar - sem que a isso só te atires.

    De sonhar - sem fazer dos sonhos teus senhores.

    Se, encontrando a Desgraça e o Triunfo, conseguires,
    tratar da mesma forma a esses dois impostores...

    Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas, em armadilhas as verdades que disseste. E as coisas, por que deste a vida estraçalhadas, e refazê-las com o bem pouco que te reste...

    Se és capaz de arriscar numa única parada, tudo quanto ganhaste em toda a tua vida. E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada, resignado, tornar ao ponto de partida.

    De forçar coração, nervos, músculos, tudo, a dar seja o que for que neles ainda existe. E a persistir assim quando, exausto, contudo, resta a vontade em ti, que ainda te ordena: Persiste!

    Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes, e, entre Reis, não perder a naturalidade. E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes, se a todos podes ser de alguma utilidade...

    Se és capaz de dar, segundo por segundo, ao minuto fatal todo valor e brilho. Tua é a Terra com tudo o que existe no mundo, e - o que ainda é muito mais - és um Homem, meu filho!

    ("Se", "if", de Rudyard Kipling -Tradução de Guilherme de Almeida)

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