quarta-feira, 28 de setembro de 2011

PROJETO ESPACIAL ACS-Cyclone: O BRASILEIRO É HUMILDE E DADIVOSO

Foguete ucraniano Cyclone-4

1ª PARTE: da “Folha de São Paulo”:

PAÍS RETOMA PARCERIA COM A UCRÂNIA PARA LANÇAR SATÉLITES

GOVERNO BRASILEIRO DEVE LIBERAR MAIS R$ 50 MILHÕES PARA CAPITALIZAR PROJETO

VERBA TINHA SIDO SUSTADA NO COMEÇO DO ANO; PRIMEIRO FOGUETE PODE SER LANÇADO DE ALCÂNTARA (MA) EM 2013

Por Claudio Angelo, da “Folha de São Paulo”

“O Brasil resolveu tirar da geladeira a Alcântara Cyclone Space, empresa criada com a Ucrânia para lançar satélites comerciais a partir da base de Alcântara (MA).

O governo deve liberar no mês que vem R$ 50 milhões para a capitalização da empresa [ACS]. A AEB (Agência Espacial Brasileira), [por sua vez], já pediu mais R$ 111 milhões para este ano.

A verba havia sido sustada pelo Brasil no início do ano. Como a Ucrânia, arrasada pela crise econômica, ainda não dera contrapartida no capital da empresa, o país condicionou novos pagamentos a um aporte do sócio europeu.

E o aporte foi anunciado: até o dia 10 [outubro], o governo ucraniano prometeu injetar US$ 180 milhões (R$ 320 milhões) na ACS. "Isso vira o jogo", disse à "Folha" o presidente da AEB, Marco Antonio Raupp.

O objetivo inicial da agência, de lançar um foguete ucraniano Cyclone-4 em 2012, não será atingido. Raupp diz que o lançamento inaugural pode ser feito em 2013. "É só uma questão financeira."

O Brasil já pôs R$ 219 milhões na empreitada, que tem custo estimado [para a parte brasileira] em R$ 1 bilhão para criar um sítio de lançamento do Cyclone dentro da base de Alcântara.

Além de dinheiro, a ACS vai ganhar um novo diretor. O ministro Aloizio Mercadante (Ciência, Tecnologia e Inovação) nomeou para a parte brasileira da empresa o brigadeiro Reginaldo dos Santos, reitor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica).

Mercadante justificou a escolha pelo perfil técnico do brigadeiro. "É o aluno que teve as melhores notas na história do ITA." Mas o convite sinaliza, sobretudo, uma aproximação com a Aeronáutica, que nunca engoliu a ACS.

COMPETIÇÃO

Os militares veem no projeto com a Ucrânia uma dupla intromissão: primeiro, o Cyclone competia com o programa VLS, da Aeronáutica, para produzir um lançador de satélites nacional.

A ACS foi criada pelo ex-ministro da Ciência e Tecnologia Roberto Amaral, vice-presidente do PSB. Como o ministério esteve nas mãos do partido durante o governo Lula, Amaral -que dirigiu a parte brasileira até ser demitido por Mercadante, em março- trabalhou para direcionar o programa espacial em favor da empresa.

A segunda intromissão foi ver o sítio de lançamento do Cyclone ser construído na base de Alcântara [dentro do CLA, limitando a expansão de seus próprios projetos brasileiros], depois que a ACS perdeu a disputa com quilombolas para erguê-lo em uma área vizinha à base.

A ACS também enfrenta oposição do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que quer ver o gasto com a empresa aplicado em seu programa de satélites.

Seu diretor, Gilberto Câmara, diz que a empresa não terá sucesso no mercado de lançamentos de satélite, porque o Brasil não tem um acordo de proteção de tecnologia com os EUA. Quase todos os satélites têm peças americanas e não podem ser lançados de países sem o acordo.

A volta da ACS foi um dos motivos que levaram Câmara a pedir para sair do cargo no fim de 2011, dois anos antes do fim de seu mandato.

ORÇAMENTO [próxima parcela]: R$ 50 milhões. Dinheiro será usado para capitalizar empresa binacional Brasil-Ucrânia;

R$ 219 milhões: É o que o Brasil já investiu na ACS;

R$ 1 bilhão: É o custo total do projeto [parcela brasileira].”

FONTE da 1ª PARTE: reportagem de Claudio Angelo, da Folha de São Paulo  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2609201101.htm) e  (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ciencia/fe2609201102.htm) [título e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

2ª PARTE: COMPLEMENTAÇÃO DESTE BLOG ‘democracia&politica’:


Não é esclarecedor o jornal ‘Folha’ expressar, crítica e laconicamente, que “ 'os militares’ veem no projeto com a Ucrânia uma intromissão porque “o Cyclone competia com o programa VLS, da Aeronáutica, para produzir um lançador de satélites nacional”.

Este blog ‘democracia&política’ já expôs, em 17 de junho último, alguns conceitos que talvez melhor expliquem essa suposta visão da Aeronáutica. Repito e amplio esses juízos:

A Ucrânia tem forte interesse em viabilizar seus lançamentos em Alcântara [no CLA] com o seu foguete Cyclone-4, dentro do projeto da empresa binacional (Brasil-Ucrânia) Alcântara Cyclone Space (ACS). A razão: ela [Ucrânia] ficou sem bases de lançamento quando se separou, nos anos 90, da ex-URSS.

Além disso, a Ucrânia é muitíssimo mais beneficiada nesse projeto ACS, em grave detrimento da parte brasileira da binacional.

Já no início, para participar dele, o Brasil, estranhamente, assinou com a Ucrânia “Acordo de Salvaguardas” que é, praticamente, cópia do mesmo inaceitável e draconiano acordo que os EUA exigem do Brasil. Esse acordo com a Ucrânia tem força de lei acima da legislação nacional e nos veda, explicitamente, acesso físico e de conhecimento ao foguete e aos outros equipamentos. Proíbe, enfaticamente, qualquer transferência de tecnologia. Tudo de modo até ofensivo aos brasileiros e à soberania nacional.

Exemplifico: conforme publicado no Diário Oficial, o “Acordo de Salvaguardas”, no seu art. VI, estabelece: “As Partes assegurarão que somente Participantes Ucranianos, cujos procedimentos de segurança tenham sido aprovados pelo Governo da Ucrânia, controlarão o acesso a Veículos de Lançamento, Equipamentos da Plataforma de Lançamentos, Espaçonaves, Equipamentos Afins e Dados Técnicos ucranianos.” [denominá-los “ucranianos” já é errado. Não se trata de simples compra de itens prontos em prateleira ucraniana. Eles foram concebidos, projetados, desenvolvidos, produzidos e comprados pela ACS, tudo na Ucrânia, mas com dinheiro 50% brasileiro (na prática, bem mais que 50%), o que deveria assegurar iguais direitos de propriedade e acesso em relação à parte ucraniana].

Ainda como exemplo de o Acordo de Salvaguardas somente permitir ínfima, humilhante e constrangedora participação brasileira em atividades de muito baixo valor agregado, reproduz-se o art. VII do Acordo, que expressa a única concessão de aproximação dos brasileiros aos foguetes e equipamentos: “Aos Representantes Brasileiros será permitido descarregar veículos transportando Veículos de Lançamento, Equipamentos da Plataforma de Lançamentos, Espaçonaves, Equipamentos Afins e/ou Dados Técnicos abrangidos por este Acordo e entregar containeres lacrados nas áreas de preparação de Veículos de Lançamento ou Espaçonaves”. [sublinhados por este blog]

O Acordo, no mesmo art VII, ainda enfatiza a humilhante discriminação ao estabelecer que, mesmo restritos a essas simples e árduas atividades de carregador de embalagens lacradas, os brasileiros as poderão executar “somente se estiverem sob a supervisão de Participantes Ucranianos” [!!!...] [sublinhados por este blog]

Essas únicas atividades 'técnicas' [de carregador] permitidas aos brasileiros no projeto binacional não condizem com despendermos no projeto o total previsto da ordem de US$ 500 milhões. Esse gigantesco dispêndio orçamentário brasileiro impede ou inibe, na prática, todos os outros investimentos com desenvolvimento tecnológico e encomendas na indústria nacional com projetos realmente nacionais, como o VLS e seus satélites.

Hoje, na prática, o Brasil é o grande pagante de tudo. Já despendeu e despenderá, via ACS, AEB e CLA, bem mais recursos do que o montante que os ucranianos deveriam também contribuir (a participação correta pelos acordos firmados seria de 50% cada país, mas a Ucrânia não tem cumprido a sua parte). E pior: a maioria dos recursos brasileiros foi gasta em aquisições na Ucrânia, beneficiando a economia daquele país. Além disso, na fase operacional de lançamentos comerciais, o eventual 'retorno' [?] dos investimentos da ACS será ainda muito maior para a Ucrânia, pois tudo lá continuará sendo produzido e adquirido pela ACS.

Essa enorme e absurda gastança de recursos orçamentários brasileiros em benefício da Ucrânia contrasta com o seguinte quadro, que nos faz compreender porque, segundo a “Folha’, a “Aeronáutica nunca engoliu a ACS” e julga que “o Cyclone compete com o programa VLS, da Aeronáutica, para produzir um lançador de satélites nacional”.

Relembremos alguns fatos:

Foguete brasileiro VLS
O CTA (órgão da Aeronáutica que recebeu do governo, no final dos anos 80, a incumbência de desenvolver o VLS) foi desmantelado nos anos 90 pelo governo FHC/PSDB/DEM, por razões e compromissos “desconhecidos”. A melhor explicação divulgada pelo governo era a de que o Estado Brasileiro deveria se tornar “mínimo” e “o ‘mercado’ assumiria os poderes governamentais alienados”. Nessa linha, os recursos financeiros para projetos do CTA foram, gradativa e fortemente, reduzidos naquela década, e chegaram praticamente a zero em 1999, ano estabelecido para lançar um VLS.

Simultaneamente, nos anos FHC/PSDB, houve outras medidas governamentais restritivas análogas, como a extinção da equipe especializada na área espacial. O CTA, encarregado oficialmente de desenvolver o foguete lançador VLS e adaptar o CLA (Alcântara) ao lançador, simultaneamente ao drástico corte governamental de recursos financeiros para seus projetos, sofria forte e crescente redução de recursos humanos, totalizando a perda de cerca de 2.500 servidores naquela década, e sem autorização governamental para reposições. O esforço sobrehumano dos cientistas e técnicos do CTA/FAB remanescentes, para assumir também os encargos dos que sairam e cumprir a incumbência do CTA nesse quadro de asfixia, certamente contribuiu para o acidente que matou dezenas deles nas vésperas de se lançar um VLS.

Em 22 de agosto de 2003, o terceiro protótipo, surpreendentemente e por razões ainda não bem esclarecidas, explodiu na antevéspera do seu lançamento, matando vinte e um técnicos do CTA.

Acidente inesperado e intrigante, pois o CTA já acumulava vasta experiência, já tendo projetado, construído e lançado com êxito, no Brasil e no Exterior, centenas de foguetes suborbitais, muitos deles também complexos e de grande porte.

(OBS: O Relatório Final da Comissão Externa da Câmara dos Deputados, criada para investigar o acidente que matou vinte e um integrantes do CTA, apresentado pelo seu Relator, o Deputado C. Sobrinho (PFL(DEM)-SP), da própria base governista da época dos asfixiantes cortes (FHC/PSDB), concluiu (dados do “O Estado de São Paulo” de 26/08/2004 e Agência Câmara, de 01/09/2004): “A redução gradativa dos investimentos públicos para a manutenção do Programa Espacial Brasileiro foi a principal causa do acidente com o veículo lançador de satélites em agosto do ano passado, na Base de Alcântara, no Maranhão”).

Isso tudo contrasta, incongruentemente, com o gordo dispêndio da parte brasileira no projeto ACS, da ordem até agora de R$ 219 milhões e total previsto de US$ 500 milhões (equivalente ao necessário para construir uma centena de VLS!...), sendo que, diferentemente do projeto nacional VLS, no Projeto do ucraniano Cyclone-4 da ACS, os grandes beneficiados com esses recursos brasileiros para o desenvolvimento tecnológico e produção são os institutos de pesquisa e a indústria ucranianos.

Nesse cenário triste para os brasileiros, a “Folha de São Paulo” ainda acha bom para o Brasil gastar essa fortuna no Exterior, impedir desenvolvimentos brasileiros e ficarmos restritos, no rico projeto binacional, a simples atividades de carregador braçal de containeres lacrados. E, pior, essas atividades os brasileiros as poderão executar “somente se estiverem sob a supervisão de Participantes Ucranianos”!.... (art. VII do Acordo de Salvaguardas Brasil-Ucrânia, publicado no D.O. da União).”

Realmente, o brasileiro é humilde, submisso, dadivoso.

Qual a solução para tornar o projeto Cyclone-4 da ACS satisfatório para o Brasil?

1) Novo Acordo de Salvaguardas que dê condições igualitárias para as partes brasileira e ucraniana no acesso e no conhecimento tecnológico do foguete e equipamentos e de tudo o mais que tenha sido desenvolvido e comprado pela binacional ACS com recursos dos dois países;

2) Equilibrar entre os dois países a carga de trabalho, especialmente a de maior valor agregado;

3) exigir que a Ucrânia cumpra realmente suas obrigações financeiras na capitalização da ACS;

4) Não sufocar, por conta dos grandes dispêndios no projeto Cyclone-4, o desenvolvimento espacial brasileiro. Incrementar, no mínimo com a mesma ordem de recursos financeiros e humanos, o desenvolvimento da família de lançadores nacionais de satélites [o desenvolvimento de foguetes e o lançamento de satélites é a parte realmente dispendiosa e lucrativa da área espacial. O Brasil já despendeu no exterior o equivalente a bilhões de dólares para lançar satélites de seu interesse. Os países que detêm essa capacidade tudo fazem para impedir a entrada no mercado do Brasil e de outros competidores].

Programa nacional: o atual VLS (20 m de altura) é o 1º à esquerda

FONTE da 2ª PARTE: este blog ‘democracia& política’. Imagens obtidas no Google.

4 comentários:

  1. Maria Tereza
    Excelente artigo e análise !
    Desisti de me entusiamar com o PEB.
    Após o fim do governo militar ele decaiu muito.
    Atualmente parece mais um samba do crioulo doido.
    Sem direção ,com entidades nal lideradas etc.
    O Lula me decepcionou.
    Pensei que ia desenvolver o setor mas o desgoverno continuou, principalmente com aquele triste episódio do astronauta brasileiro, quando Lula foi ao Kremlin só para aparecer.

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  2. Iurikorolev,
    Obrigada pelo elogio. Fico mais segura com o seu aval.
    O governo Lula, comparando com o governo tucano, destinou muito mais atenção e recursos para a área espacial. Contudo, não se refaz cientistas especializados e projetos nessa área em menos de uma geração. Além disso, apesar de os recursos financeiros serem bem maiores desde 2004, são muito menores que os despendidos por países de porte econômico semelhante, como a Índia e a China.
    O problema da ACS creio que, em parte, foi a sua concepção e condução terem sido feitas por leigos ingênuos e inexperientes na área espacial, lidando com espertas raposas ucranianas treinadas na maldade pelos russos.
    A preparação e a viagem do astronauta já estavam desencadeadas e acordadas desde o governo FHC, somente que bem mais dispendiosa e cheia de comprometimentos para o Brasil, via NASA/ISS/EUA. O governo Lula apenas a fez acontecer e bem menos custosa, via Rússia. Se Lula 'apareceu' com isso foi sorte dele. A nossa imprensa e oposição tudo fizeram para denegrir o presidente e desmerecer a missão.
    Maria Tereza

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  3. Maria Tereza
    Lula fez mais do que o FHC mas isso não quer dizer muita coisa...
    Esperava mais dele.
    Mas o pessoal da AEB fica pedindo mais dinheiro sem saber gerenciar o que tem.
    O INPE teve que pedir ajuda a uma empresinha argentina de cento e poucos funcionários com muito menos recursos para fazer um sistema inercial de satélite coisa que deveriamos saber fazer há muito tempo.
    O dinheiro dessa gente é todo mal gasto com viagens ao exterior que não rendem nada.
    Uma verdadeira pouca vergonha!

    Maria Tereza : o problema do Brasil é gerencial, má administração. Não é falta de dinheiro apenas. Igual ao problema da saúde.

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  4. Iurikorolev,
    Concordo com sua colocação: "o problema do Brasil é gerencial, má administração. Não é falta de dinheiro apenas".
    Isso é verdadeiro para quase tudo no Brasil, nos EUA, no mundo.
    A diferença é que, com dinheiro, é possível realizar, mesmo que não tão eficientemente.
    Sem dinheiro, mesmo que com excepcional capacitação gerencial, é quase impossível desenvolver e executar grandes projetos na área espacial.
    Concordo também que a AEB, por ser lotada por oriundos do INPE, tem visão corporativa, sectária para satélites, mesmo que (e especialmente) somente comprados e lançados no exterior (as missões no Exterior são mais atraentes e rendosas). Assim, os recursos da AEB não são aplicados objetiva e harmonicamente com maestria.
    Maria Tereza

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