sexta-feira, 14 de outubro de 2011

“CANSEI” ou “OCUPE WALL STREET”?

"PROTESTOS CONTRA A CORRUPÇÃO" (a imprensa calculou esse grupo em 18.000 manifestantes)

ENTRE A BALADA E A REVOLTA

Por Luciano Martins Costa,no “Observatório da Imprensa”

“Apesar do esforço da imprensa brasileira [e dos partidos da oposição e da igreja católica], as manifestações contra a corrupção, que pipocaram no feriado da quarta-feira (12/10) por várias cidades do país, não chegaram a empolgar. As fotografias nas primeiras páginas dos jornais, mostrando jovens de classe média com o rosto pintado, estão mais próximas de uma “balada” do que de expressar sinais de revolta.

Por outro lado, apesar do descaso inicial da imprensa americana, as manifestações inspiradas no movimento “Ocupe Wall Street” se espalham por muitas cidades dos Estados Unidos e se consolidam como revolta das classes médias de maioria anglo-saxônica.

As declarações e imagens colhidas pelos jornalistas nas concentrações dos americanos refletem a inconformidade com a situação econômica do país e o fato de adotarem Wall Street como alvo traz foco muito claro para os protestos.

Aglomeração no "Ocupe Wall Street" (a imprensa americana e seu ramo brasileiro avaliaram em "alguns manifestantes arruaceiros") 

MAIORIA SILENCIOSA

O que difere essencialmente os dois acontecimentos?

Primeiro, observe-se a contradição: nos Estados Unidos, onde a imprensa claramente vem tratando com má vontade as manifestações, apenas dando atenção a elas quando ocorreram os primeiros atos de violência policial, os eventos se multiplicam e ganham consistência apesar do descaso inicial da mídia.

No Brasil, desde o primeiro grito do “Cansei!”, a imprensa tenta dar alguma credibilidade a manifestações esparsas contra a corrupção, sem qualquer resultado concreto –falta povo para transformar as passeatas em fato social.

Nem mesmo declarações oportunistas de líderes religiosos –como aconteceu durante a missa festiva na basílica de Aparecida– funciona como liga: a própria igreja católica, afetada por denúncias de pedofilia nunca satisfatoriamente respondidas, carece de autoridade para levantar a voz contra corruptos e corruptores.

A razão para essas diferenças talvez esteja na natureza dos fatos que oficialmente motivam as mobilizações. Os movimentos de massa são sempre impulsionados por uma percepção geral de mal-estar, mas é preciso que exista um ponto focal para tirar as pessoas de seu imobilismo.

Nos Estados Unidos, é clara a percepção de que o mal-estar está relacionado ao sistema econômico, cujo epicentro é a especulação financeira. Wall Street simboliza os responsáveis pelo mal percebido pela maioria silenciosa, e a revolta tem claro viés de apoio ao esforço do governo Obama de colocar algum controle no cassino.

QUEM ATIRA A PRIMEIRA PEDRA?

No Brasil, a dificuldade de se identificar um alvo para os protestos começa pela percepção de que a corrupção não pode ser localizada ou personalizada, tal sua presença nas instituições.

Apesar do esforço da imprensa em apontar para Brasília, o cidadão sabe que a corrupção está presente no fiscal que se apropria de parte dos ganhos do feirante, [na sonegação do imposto devido pelos profissionais liberais e empresários], no policial que vende aos condomínios como serviço privado a proteção que é pago para fazer como servidor público, e em muitos outros aspectos da vida civil.

Por outro lado, os cidadãos sabem, ou desconfiam, que a corrupção domina as relações políticas não apenas na capital federal, mas também nos estados e municípios, apesar de esses eventos raramente ganharem manchetes de jornal [metade dos estados e municípios do Brasil é governada pelo PSDB, como diz a sua propaganda partidária; neles não haveria corrupção? Soa falso, cínico, hipócrita].

Ao contrário dos Estados Unidos, a situação econômica no Brasil produz uma sensação de bem-estar e otimismo que desestimula desejos de mudança radical. O brasileiro médio sente-se claramente revoltado com os sinais de corrupção e impunidade, mas sabe que, ao aderir a um movimento coletivo, perde a individualidade e passa a ser usado como massa de manobra das lideranças.

E quem são os líderes das passeatas? Por enquanto, ninguém em quem se possa confiar.

O Judiciário, minado pela impunidade, pelos privilégios e pela insistência de seus representantes em rejeitar o controle externo, há muito deixou de ser esperança de correção. No Parlamento, o sistema de escambo transforma os supostos representantes dos eleitores em suspeitos preferenciais. E o Executivo, apesar dos últimos esforços destacados pela imprensa, ainda não demonstrou que deseja de fato romper o círculo de dependência imposto pelas alianças partidárias.

Assim, restaria à imprensa a missão de tomar a tocha da moralidade pública e catalisar os protestos em busca de mudanças reais no sistema político-institucional. Mas a mídia é parte e beneficiária do sistema. Se, eventualmente, se coloca na oposição, é porque faz escolhas ideológicas que a distanciam circunstancialmente do poder político. Além disso, apesar de algumas pesquisas formais apontarem a preservação do núcleo de credibilidade da instituição imprensa, ela está longe de representar os interesses difusos da sociedade.”

FONTE: escrito por Luciano Martins Costa, publicado no site “Observatório da Imprensa” e transcrito no portal “Viomundo”  (http://www.viomundo.com.br/voce-escreve/luciano-martins-cansei-ou-ocupe-wall-street.html) [imagens do Google e trechos entre colchetes adicionados por este blog ‘democracia&política’].

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