Entrevista do jornal “Zero Hora” (de Porto Alegre) com Ivan Sant’Anna, jornalista e aviador
Zero Hora – “Perda Total” aborda outros três acidentes ocorridos no intervalo de uma década. A aviação está menos segura?
Ivan Sant’Anna – O número de acidentes, na verdade, não aumentou. Quando eu lancei o “Caixa Preta”, em 2000, teve um acidente em 1973, um em 1988 e um em 1989. O que aconteceu na década de 2000 foram dois acidentes trágicos, o do voo que se chocou contra o Legacy e o do avião que saiu da pista em São Paulo. Mas dois não configuram, estatisticamente, tendência de aumento no número de acidentes. O número de acidentes aéreos, por voo, vem diminuindo desde os anos 1920. Toda década tem menos acidentes que na década anterior. O Brasil está em faixa admissível de acidentes: 1,4 por um milhão de voos.
ZH – Seu livro detalha todos os passos da colisão do jato Legacy com o avião que caiu na Amazônia. Nele, o senhor escreve que, não apenas os dois pilotos americanos foram responsáveis, mas toda a estrutura aérea envolvida entrou em colapso.
Sant’Anna – Sim, foi uma zorra total. Ninguém prestou atenção em nada. Foi combinação de negligências. O controlador de São José dos Campos autorizou o jato a ir até a Manaus em uma altitude imprópria, [o piloto] não olhou as cartas aeronáuticas, não olhou o plano de voo, não percebeu que o ‘transponder’ estava ‘off’. Os [controladores] de Brasília não viram que o círculo ao redor do avião no radar havia desaparecido e que a altitude ficara volátil –o que significa que o ‘transponder’ estava desligado e o sinal era primário do radar.
ZH – E o que desligou o ‘transponder’?
Sant’Anna – Um dos pilotos não sabia operar o avião. O Lepore tinha apenas três horas de voo no Legacy. E houve um momento em que ele digitou uma tecla duas vezes em menos de 20 segundos, a que desligava o transponder. Mas, mesmo assim, aparece o sinal de ‘stand-by’ e aí é possível ligar de novo. Agora, o laudo do CENIPA não deixa claro exatamente qual erro ele cometeu, diz apenas que ele apertou essa tecla duas vezes na hora de mudar as funções. Porque no avião moderno você tem uma tecla só. Antigamente, você tinha aquele monte de reloginhos. Hoje, você só tem uma que vai mudando de função. E, quando aparece alguma coisa de emergência, o próprio avião mostra o que você deve ver. Mas não deveria ser problema. Quando desliga, aparece "transponder stand-by". Se você estiver prestando atenção na tela, você vê aquilo e corrige imediatamente.
ZH – Seu livro também aponta várias falhas preocupantes do sistema aéreo nacional, como o pouco domínio, por parte dos controladores, do inglês. Quão graves são essas deficiências?
Sant’Anna – O inglês dos controladores é horrível. E, por outro lado, o inglês dos pilotos de língua inglesa é muito rápido. Já que inglês é língua oficial da Aeronáutica, eles acham que o outro tem obrigação de entender e falam muito rápido. Eu, como piloto, voando aqui em cima do Rio, ouço às vezes um 747 falando com o Galeão. Eles não falam com aquela calma para facilitar o entendimento. Os problemas de comunicação são de lado a lado. E isso só pode ser resolvido se pagarem aos controladores de voo um salário que atraia pessoas que tenham inglês perfeito – o que é raro no Brasil.
ZH – Após cada um desses acidentes, houve busca desenfreada pelos motivos e pelos problemas da nossa aviação comercial. Depois, foram esquecidos?
Sant’Anna – É, mas a nossa aviação é deficiente sim. Os pilotos, tanto da TAM quanto da Gol, em ‘off’, falam comigo coisas horríveis sobre quase colisões. Aquele negócio do TCAS (equipamento que capta os sinais de transponder de outras aeronaves próximas em possível rota de colisão) dirimir o conflito de tráfego, não é para acontecer, só em emergências. Quando um avião está a 20 segundos de bater no outro, ele dá um sinal para alertar um desvio. Esse dispositivo não está ali para desviar avião toda hora, e sim como última instância, e tem acontecido muito.
ZH – A Copa e as Olimpíadas realizadas no Brasil, de algum modo, podem facilitar investimentos em infraestrutura?
Sant’Anna – Copa e Olimpíada são eventos pequenos em duração. Não é difícil fazer infraestrutura para 30 dias: suspende férias, bota os melhores. Como aconteceu na Rio 92, falava-se que ia ter problemas de segurança e tudo, e não houve. Botaram Exército, Marinha, Aeronáutica na rua, cancelaram férias de policiais. Então, eu acho que tanto na Copa quanto na Olimpíada vai acontecer como aconteceu na África do Sul: vai dar para fazer, porque você concentra atenção, concentra esforço, concentra treinamento, mas o problema vai continuar logo depois. Não é difícil fazer isso por um curto prazo, definido com antecedência.
ZH – A aviação também é vitimada pela própria pressa do mundo contemporâneo?
Sant’Anna – Sim, todo mundo está com pressa, todo mundo quer chegar logo, o próprio usuário de avião muitas vezes só quer que o voo decole, não importa em que condições. Às vezes acontece de você ver, principalmente executivos, que voam muito a trabalho, [na seguinte situação]: você entra em um avião e o comandante avisa que não vai poder decolar porque foi encontrado um problema na aeronave e o passageiro fica reclamando. Reclamam mesmo. E é assim no mundo todo. Tem nevasca em Nova York, ou vulcão no Chile, vulcão na Islândia, e todo mundo fica reclamando. Reclama com Deus, pô.”
FONTE: entrevista do jornal “Zero Hora” com Ivan Sant’Anna, jornalista e aviador. Transcrito no portal da FAB (http://www.fab.mil.br/portal/capa/index.php?datan=16/10/2011&page=mostra_notimpol) [imagem do Google adicionada por este blog ‘democracia&política’].
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