segunda-feira, 17 de outubro de 2011

O PÂNICO EM WASHINGTON


“O ‘Conversa Afiada’ publica texto de Mauro Santayana, extraído do JB online:

O PÂNICO EM WASHINGTON

Por Mauro Santayana

“Ao morrer anos antes, Guimarães Rosa perdeu outro tema que a realidade dos sertões mineiros poderia ter oferecido à sua ficção: a da enlouquecida matança de inocentes por alguém acossado pelo medo de inimigos imaginários.

Durante alguns anos, um rico fazendeiro de Curvelo –cidade próxima a Cordisburgo, terra do escritor– manteve pequeno e eficiente grupo de pistoleiros, aos quais encarregava de identificar e matar suspeitos de tramar a sua morte. Os pistoleiros, que recebiam por empreitada, agiam com esperteza. Quaisquer estranhos que surgissem no município eram logo denunciados ao patrão, que, depois de exame sumário da situação, ordenava o assassinato. Os crimes só foram descobertos muito tempo depois, quando, por acaso, descobriram uma cisterna abandonada no distrito de Angueretá, onde o fazendeiro tinha terras. Nela, exumaram-se ossos de trinta e seis vítimas. Os fatos foram conhecidos em 1975.

As investigações revelaram o horror: nenhuma das vítimas conhecia, sequer, o fazendeiro amedrontado. Eram caixeiros viajantes; turistas escoteiros atraídos pelas grutas da região e pela represa de Três Marias, homens nascidos nas redondezas que, vivendo longe, visitavam seus parentes.

Os Estados Unidos, ao que parece, estão sob o meridiano fantástico e assustador de Angueretá. Eles, nessa quadra, se encontram em situação semelhante. Em seu editorial de ontem, o “New York Times” expõe as dúvidas sobre o suposto complô iraniano contra o embaixador da Arábia Saudita em Washington e outros alvos.

As acusações são bizarras e inconsistentes, diz o texto. E adverte o jornal que, desacreditados com tudo o que ocorreu com relação ao Iraque –quando os ianques mentiram do princípio ao fim– os altos funcionários do governo norte-americano deveriam ter provas irrefutáveis contra Teerã, antes de denunciar o plano. Como as coisas foram conduzidas –reitera o editorial– o governo está vendendo o que não tem, com impudência ridícula. Desde a guerra de anexação contra o México, no século 19, os Estados Unidos têm mentido e criado incidentes falsos para justificar seus atos de agressão, como fizeram, mais recentemente, no caso do golpe de 1964, no Brasil; no Chile de Allende; na Argentina; na Nicarágua; na Guatemala; em El Salvador; na República Dominicana; no Vietnã -em todos os países do mundo que não têm armas nucleares, e onde têm interesses.

Outro fato que faz lembrar o mandante do sertão mineiro foi a decisão de Obama de ordenar o assassinato de um cidadão dos Estados Unidos no Iêmen, sem qualquer processo legal. O congressista republicano Ron Paul, declarou que há fundamento legal para um processo de impeachment contra o presidente. Do ponto de vista técnico, trata-se de assassinato por encomenda. Quanto a seu antecessor, Bush, há um pedido da Anistia Internacional ao governo do Canadá, para que o prenda –quando de sua visita ao país no dia 20- e o submeta a julgamento por crimes contra a humanidade, por ter ordenado a tortura dos prisioneiros em Guantánamo e em outros lugares.

Convenhamos que não é fácil aceitar o declínio e o administrar com competência. Nisso, os ingleses, experientes e astutos, foram também eficientes, com a invenção da ‘Commonwealth of Nations’, o que, pelo menos, deu um pouco mais de fôlego à sua influência política nos domínios mais próximos da cultura européia, como os da Austrália e do Canadá.

Nesse processo de desvario das elites norte-americanas, que já acometeu outros impérios, a lucidez só pode ser imposta pelos próprios nacionais, o que é difícil e demorado, quando está em jogo a supremacia de seu país, mas pode ser inexorável. Tudo vai depender da persistência dos manifestantes e da capacidade que tenham de organizar e ampliar o movimento de resistência política.

É conhecida a tese de alguns historiadores, sobretudo de Toynbee, sobre o fim dos impérios: eles sempre desabam quando há a aliança entre o proletariado interno, o da metrópole, com o proletariado externo, isto é, o das províncias subordinadas. Ao que parece, com as manifestações dos indignados, nos paises centrais e nas antigas colônias, o proletariado do mundo começa a fazer suas alianças, de forma bem diversa da que Marx e Engels pregavam em 1848 –mesmo porque os trabalhadores de nosso tempo são bem diferentes, com a veloz transformação do processo tecnológico de produção dos últimos 60 anos. A articulação desses movimentos poderá surpreender o mundo, se os donos do poder não conseguirem, como já o fizeram antes, apropriar-se da indignação, domá-la e submetê-la aos seus interesses.”

FONTE: portal “Conversa Afiada”, do jornalista Paulo Henrique Amorim (http://www.conversaafiada.com.br/politica/2011/10/15/santayana-e-o-panico-em-washington/)

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