terça-feira, 22 de novembro de 2011

Camila Vallejo: ''MILAGRE ECONÔMICO CHILENO É PESADELO''

Camila Vallejo

“Segunda mulher na história do Chile, o seu país, a ser eleita como presidente da Federação de Estudantes (universitários). Militante da Juventude Comunista, graduada de Geografia, Camila Vallejo é, com 23 anos, uma jovem que rompe todos os esquemas.

A direita tratou de ressaltar a sua indubitável beleza física, e de atraí-la ao redil do bom comportamento. Tem tudo para "triunfar", diz hipocritamente. Ela não se deixa [levar]. "É comum que desviem a atenção dos temas de fundo propondo questões superficiais como prioritárias. Objetivamente, sou bonita e não tenho problema em o dizer, mas eu não decidi qual iria ser a minha aparência. O que, sim, decidi é qual é o meu projeto político e o meu trabalho com a gente" respondia a uma revista chilena, que apontava também algumas das suas preferências musicais: a trova, Serrat, Chinoy, Ismael Serrano.

E já que os meios não podem cooptá-la, então tratam de reduzir o alcance social do movimento à liderança de uma pessoa, para depois demonizá-la. Sobre esse tópico, respondia também: "A personificação do movimento deve-se aos políticos e aos meios de comunicação. É estratégia que se utilizam, muito frequentemente, com os que se levantam com reivindicações sociais. No Chile, aplica-se muito, e acho que em outros países do mundo também. Em Cuba, fala-se de castrismo, na Venezuela de chavismo. Tudo se personifica com os supostos líderes, e não se vê que é processo partilhado pela maioria".

Camila participou na chamada "Rebelião dos Pinguins" em 2006 (os estudantes secundaristas chilenos recebem esse apelido pelo uniforme alvinegro que usam), e é a porta-voz dos atuais protestos contra o modelo neoliberal na educação universitária, movimento estudantil que sacudiu toda a sociedade chilena. Embora parte de iguais premissas –a resistência ao modelo privatizador e a necessidade de construir mundo alternativo–, o chileno diferencia-se de outros movimentos aparentemente similares, como o de Madri ou o de Nova York: "O movimento estudantil chileno não parte dos ‘indignados’ –disse Camila a BBC Mundo. "Não é movimento espontâneo, mas um processo longo baseado em análise profunda do que acontece no Chile, [análise] da injustiça. Entendemos a luta dos ‘indignados’, mas no Chile passamos a etapa do ‘descontentamento’. Agora, há que olhar em frente e construir alternativa para o país."

Apesar da sua intensa agenda de mobilizações, Camila Vallejo concordou a responder às perguntas que “La Calle del Medio” lhe fez chegar para os leitores cubanos.

-Alguns "experts" costumavam dizer, nos anos 1990, que as novas gerações de chilenos – após anos de ditadura –, eram conformistas, passivas, individualistas. Este renascer dos movimentos sociais juvenis no Chile é inesperado?

Efetivamente, grande parte da juventude, durante muito tempo, assumiu o papel que o modelo neoliberal lhe quis impor, atuando de maneira absolutamente conformista e desligada da realidade nacional e do que ocorria na política ou no mundo social, somado ao temor inculcado de se manifestar publicamente por causa das fortes ameaças de repressão que o governo ainda desata sobre a população. No entanto, no Chile, também temos vasta história de luta social, da qual os jovens constantemente foram parte ativa e dinamizadora, embora, durante muito tempo, isso se deu a contracorrente.

No entanto, neste ano, a necessidade e desejo de manifestar-se, de participar e exigir espaço na tomada de decisões, calhou muito fundo na juventude, o que contribuiu o inédito elemento da massividade nas mobilizações, enchendo locais públicos como nunca antes se tinha visto no país. Isso é novo e muito esperançador, já que parece ser que aquela juventude individualista está deixando de lado esse tipo de atitude e está entendendo que todos estamos chamados a realizar mudanças e a trabalhar por construir um futuro melhor para o nosso país.

Então, assim nos damos conta que, em realidade, muitos jovens têm uma opinião, que não estavam a manifestar, mas que estavam esperando a ocasião para dar a conhecer.

-És parte de uma geração com várias experiências mobilizadoras, desde os dias da chamada "Rebelião dos Pinguins" em 2006. Quanto maturou o movimento estudantil no Chile? Daquela primeira experiência, que lições soube tirar?

Em primeiro lugar, algo que constantemente se destaca a respeito das diferenças e aprendizagens do movimento dos ‘Pinguins do 2006’ é o sentido amplo e cidadão do atual movimento. Isto é, agora assumimos que as mudanças em educação realizar-se-ão pela ação conjunta de múltiplas organizações sociais capazes de juntar as suas forças em favor do nosso objetivo, e não só com o atuar isolado dos estudantes, pois ditas mudanças são preocupação nacional, e não só gremial, como se queria julgar em anos anteriores.

Por outro lado, quanto à experiência acumulada a respeito do relacionamento entre os governos e o mundo social, nós já aprendemos que a unidade e a mobilização são duas ferramentas indispensáveis no momento de atuar, pois a direita sempre procurará nos dividir de maneira que sejamos, nós mesmos estudantes, que nos dividiremos em torno de debates desnecessários. Aliás, agora sabemos que, ante qualquer oferecimento do governo, devemos exigir garantias que nos permitam ter um mínimo nível de confiança para iniciar as conversas que nos levem a solucionar qualquer conflito.

Por isso, hoje o diálogo está paralisado, por causa da intransigência do governo e da sua incapacidade para ceder ante mínimos pedidos. No entanto, seguimos mobilizados, pois não nos deteremos até ver resultados concretos, o qual constitui outra aprendizagem: não baixar os braços antes do tempo.

-As transnacionais de imprensa seguem falando do "milagre econômico chileno". Como vivem os estudantes esse "milagre"?

Lamentavelmente, o que alguns chamam ‘milagre’, para muitos foi e continua sendo um ‘pesadelo’. Tanto no sentido político, mais duro do que significou a ditadura no Chile e as vidas que cobrou para implantar o atual sistema neoliberal, como no sentido econômico, quanto às violentas transformações que sofreu a nossa economia e inclusive o nosso Estado, a fim de perpetuar negócios milionários para algumas poucas famílias deste país, às custas do empobrecimento e da crescente desigualdade na distribuição da riqueza para a maioria da gente, além de afetar os serviços públicos que se viram privatizados quase na sua totalidade, desde a água até a saúde e a educação.

Nesse sentido, das universidades existentes até o momento do golpe de estado, tirou-se-lhes quase 70% de financiamento e deveram começar a cobrar altas mensalidades para autofinanciar-se através do pagamento das famílias. Isso fez com que a educação superior passasse a estar determinada pelo nível econômico dos estudantes. Ademais, nesse momento, permitiu-se a criação de universidades e institutos técnicos privados cuja intenção principal era lucrar e não educar, o que provocou a proliferação de centenas de estabelecimentos de baixa qualidade, que lucram com os sonhos de progresso de famílias inteiras.

A isso há que lhe somar que as escolas públicas também se empobreceram e que se permitiu a criação de escolas com "financiamento partilhado ou subvencionado". Permite-se-lhes, a privados, abrir colégios e receber dinheiros do Estado e das famílias para sustentar, tanto a escola como o bolso do dono, o qual debilitou gravemente a educação pública e significou que as pessoas mais pobres só pudessem ter acesso a educação de baixa qualidade, que não lhe permite entrar na universidade, nem melhorar a sua condição de vida. Em frente a tudo isso é que hoje nos rebelamos como estudantes e como sociedade em geral, apresentando as nossas demandas, reflexo de uma concepção social de como deveria ser a educação no Chile.

-Pelas palavras de ordem do estudantado, é evidente o regresso de Salvador Allende, dos seus sonhos interrompidos. Os jovens chilenos começam a revalorizar o passado? Como seria o Chile dos seus sonhos?

Não poderia assegurar que acontece em todo o movimento, mas acho que entre muitos integrantes do movimento há alta valorização de Allende como o único Presidente que levou a cabo um projeto popular de governo. Isso é algo muito emotivo, pois aí se produz um ponto de encontro entre as novas gerações e as gerações passadas, que viveram aquele formoso esforço de construir a via chilena ao socialismo, brutalmente cortado pela ditadura. No entanto, aqueles gestos que nos permitem recordar, refletem ao mesmo tempo a atual necessidade de ter um governo unido estreitamente à gente, que leve um programa cidadão, e não funcional aos grandes conglomerados de poder nacionais e trasnacionais que hoje dominam o país.

Nesse sentido, para além de tão somente revalorizar o passado, eu acho que hoje somos parte da construção de um futuro diferente, a cargo de apresentar um projeto social para a educação e para todas as outras necessidades que carrega o nosso país. Isso, claramente, envolve todos os tipos de atores, desde os estudantes aos trabalhadores, donas de casa etc, a quem temos o dever de não abandonar neste processo que está em ascendência, o que hoje chamamos "A Primavera do Povo do Chile" que, com justa razão, estamos fortalecendo, pois chegou para ficar.

-Receberam o apoio de outras federações latino-americanas de estudantes? A Federação de Estudantes Universitários de Cuba também emitiu um comunicado de solidariedade. Sentem-se parte de movimento continental?

Felizmente, o apoio internacional proveniente de jovens de todo mundo foi incondicional e muito gratificante; permitiu-nos conhecer o alcance do que se passa no Chile e, ao mesmo tempo, nos abriu numerosas portas de solidariedade internacional. Aprendemos da experiência de muitos colegas ao redor do mundo e da América Latina, trocamos apreciações e conhecimentos, tanto de educação como das vivências nos movimentos sociais, principalmente através de instâncias de comunicação como são as redes sociais, mas também de maneira concreta, como aconteceu no (encontro da) OCLAE, congresso ao qual assistiram centenas de companheiros chilenos com a intenção de dar a conhecer a nossa luta, mas também de afiançar aquele sentimento de unidade latino-americana muitas vezes difícil de praticar no nosso país, mas , em momentos como estes, é tão necessário e parece flutuar de maneira natural, ao reconhecer em tantos estudantes aquela convicção de que a luta que hoje estamos conduzindo no Chile amanhã poderia se dar em qualquer outro país irmão, e não duvido que, na medida da sua justiça, nós os estaremos a apoiar, de maneira recíproca.”

FONTE: publicado no site “Cuba Debate”. Transcrito no portal “Vermelho” com tradução do “Diário Liberdade” (jornal online de linha editorial anticapitalista, realizado a partir da Galiza, Espanha, mas de âmbito lusófono. Conta com colaboradores galegos, portugueses e brasileiros) (http://www.vermelho.org.br/noticia.php?id_noticia=169033&id_secao=7) [imagem do google e adaptação do texto ao português do Brasil introduzidos por este blog ‘democracia&política’]

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